GRANDE SERTÃO [FILME] (2024):

Sombrionauta
10 min readJun 14, 2024

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FAROESTE CABOCLO SCI-FI.

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Introdução.

Impressionante: as pessoas mais estudadas têm medo da chamada “cultura popular” ao ponto de a adorá-la, para que a mesma fique inócua no debate econômico político. Alguns atribuem isso ao elitismo de quem estuda, encravado nas estruturas educacionais brasileiras há séculos. Outros dizem que ela é conservadora em si mesma, pois está distante dos aspectos necessários para que ela venha a se reciclar e adaptar.

Existe verdade nisso. Mas não toda a verdade.

Essas condicionantes estão presentes em todas as coisas materiais, pois são tempo material. No entanto o tempo individual (a ação humana sobre a matéria, afetada pelo desejo presente) tende a adaptar, cooptar e finalmente, superar o tempo social (tecnologia) que mantém o tempo material estável.

O problema em verdade é muito simples: as academias científicas tendem a resistir à entrada do pensamento da cultura, e ciência, populares, porque elas são mediadas pelo empirismo mais presente e não pelo poder tempo individual dado pela literatura.

AS ACADEMIAS CIENTÍFICAS TEMEM TUDO O QUE NÃO CONSEGUEM LER.

Mas a política conservadora, assim como a cultura popular vive para o pragmatismo da sobrevivência, e é por isso eu os mandonismos locais a usam tão bem.

QUEM PERCEBEU BEM ISTO FOI O DIABÓLICO MAQUIAVEL (1469–1527) AO DIZER QUE “O POVO NÃO É BOBO”.

MAQUIAVEL percebeu ao estudar o HELENISMO (323 A.E.C.-146 A.E.C) e o IMPÉRIO ROMANO (27–476) que para governar os povos de um local também era necessário ser dominado por eles: logo o príncipe deveria entender a cultura local em seu conteúdo, mas sabe usá-la da forma que ele achasse melhor.

NESSA PRODUÇÃO TEMOS UMA DISTOPIA QUE TENTA ADAPTAR UM DOS GRANDES PRÍNCIPES MAQUIAVÉLICOS BUROCRATAS DA DIREITA, GUIMARÃES ROSA (1908–1967), PARA NOS ENSINA COMO USAR O REGIONAL COMO FORMA DE INTRODUZIR O “UNIVERSAL”.

Esse filme é sobre isso.

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SERTÃO MUNDIAL

JOÃO GUIMARÃES ROSA poeta, diplomata, novelista, romancista, contista e médico brasileiro, era o típico intelectual burguês da época sendo um polímata, alguém que tem capacidade de pensar várias ciências e seus princípios simultaneamente, assim como JOSÉ GUILHERME MERQUIOR (1941–1991), ambos de direita.

ESSA EDUCAÇÃO ARISTOCRÁTICA É MARCA DE UMA ELITE E FOI A INSPIRAÇÃO PARA PENSA BATMAN (1939)

No momento histórico onde eles estão sendo gestados havia um debate terrível feito por outro grande intelectual de direita, e que dá nome a um local da USP (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 1934) JOSÉ ORTEGA Y GASSET (1883–1955) levantado em seu livro A REBELIÃO DAS MASSAS (1929), cujo título é autoexplicativo:

DEPOIS DAS REVOLUÇÕES FRANCESA (1789–1792) E RUSSA (1917–1924) FICA CLARO QUE AS MASSAS OPERÁRIAS OU NÃO SEMPRE VÃO SE REVOLTAR CONTINUADAMENTE E INEXORAVELMENTE.

Interessante que uma marca dessa aristocracia foi ter entendido uma das bases das ciências como um todo: a literatura. Sim, em verdade é a literatura que é mãe de todas as formas científicas, uma vez que ela começa como uma forma de sistematizar, organizar e, portanto, estabilizar e conservar o pensamento científico religioso numa mesma direção.

FOI ISSO TAMBÉM QUE AUGUSTE COMTE (1798–1857) PERCEBEU TAMBÉM, E ISSO EXPLICA O DIRECIONAMENTO DE SEU POSITIVISMO (XIX).

Logo, polímatas parecem ser gente que combinar interesses e técnicas de diferentes áreas do conhecimento e por meio de estudos comparados percebem similaridades gramaticais, ortográficas e sintáticas entre as diferentes linguagens.

E A LINGUAGEM DE UM POVO É A MEDIDA DE SUA CONSCIÊNCIA DA REALIDADE.

Então um meio de manter um povo sobre controle não é suprimir sua linguagem, como foi visto em regimes como o do NAZISMO (1919–1945 (?)) e outros dedicados ao chamado MODERNISMO REACIONÁRIO, conceito criado por JEFFREY HERF (1947) em que os elementos mais reacionários do pensamento do ROMANTISMO (XVII — XIX) são superlativados por meio de tecnologias maquinais e burocráticas.

O DIPLOMATA GUIMARÃES ROSA É UM MODERNISTA REACIONÁRIO EXECUTANDO UMA MISSÃO HIGIENISTA SIMPLES: DOMAR O IMAGINÁRIO SERTÃO POR MEIO DE SUA POESIA PARA O PENSAMENTO CONSERVADOR DE SUA ÉPOCA.

E a melhor forma de fazer isso é criar a grande força que domina o imaginário de homens reacionários, ou não:

UMA MULHER GUERREIRA.

A NOSSA FURIOSA.

Havia falado no podcast anterior que temos todos uma fascinação de como deveria ser o feminismo, pelo menos nós homens sempre temos essa visão da “santa guerreira”, e agora começo a pensar o quanto a cultura do “ocidente” tende a falar essa groselha, para francês ver, todavia quando as soviéticas fizeram mesmo o chicote estralar tudo quanto é macho babaca, fascista ou não, tremeu na base.

E EU DESCOBRI ISSO GRAÇAS A UM ESCRITOR DE QUADRINHOS DE DIREITA .

Resumindo, homens gostam de mulheres fortes, principalmente e somente (parece contraditório mas não é) na ficção. Como assim? No plano das abstrações: democracia, liberdade, república, se pensarmos bem são palavras femininas e suas representações inclusive a MARSELHESA FRANCESA REVOLUCIONÁRIA (1792) também é.

Aliás estou pensando sério aqui comigo que a versão de esquerda desse tipo de mulher guerreira justamente é essa francesa, inclusive FURIOSA (2015–2024).

A versão mais à direita a meu ver também é francesa e para mim está representada em seu outro grande mito feminino guerreiro, JOANA D’ARC (1412–1431) e talvez em certa medida tenha inspirado a composição de MARSELHESA. Sendo assim esse mito da feminilidade, incansável e organizadora da vida política desde Roma, a matrona , tem em certa medida sua adversária nessa canção-feminino-soldada.

NÃO ESQUEÇAM QUE A FRANÇA REVOLUCIONÁRIA É QUE FUNDOU O NOVO MODELO DE SOLDADO NO MUNDO ATUAL, O SOLDADO CIDADÃO.

Seguindo esse formato, que misturava misticismo e mulheres dedicadas a um ideal nacional, e portadoras da paixão para a guerra, foram forjadas em várias nações versões desse mito patriótico, sendo que a MULHER-MARAVILHA (1941) é atualmente um dos mais conhecidos.

Essa constatação nos faz perceber que as nações e nacionalismo criaram a partir do pensamento econômico político versões adequadas de cada um de seus ideais de pátria uma mulher ou figura feminina que os representasse.

No Brasil existem várias dessas mulheres na ficção, tais como ANA TERRA (1949) da trilogia O TEMPO E O VENTO (1949–1962), e em certa medida LUCÍOLA do Romance de mesmo nome (1862) e também na substância concreta como DANDARA (? -1694) e ANITA GARIBALDI (1821–1849).

NESSA PRODUÇÃO SOMOS APRESENTADOS À REPRESENTAÇÃO FÍLMICA MAIS RECENTE DO IDEAL DA MULHER GUERREIRA DE GUIMARÃES ROSA: O HOMEM TRANS DIADORIM (LUISA ARRAES).

APSÁRA DO RIO.

GUIMARÃES ROSA, astuto como todos os burocratas literários tais como RUDYARD KIPLING (1865–1936) sabia que existe vários paralelos entre culturas populares e ancestrais no mundo inteiro. Esse tipo de pensamento cosmopolita se torna mais evidente a quem estuda linguagens do que pensamos.

E O USO DESSA LINGUAGEM-VERDADE-CONSCIÊNCIA É A GRANDE ARMA DA CLASSE DOMINANTE. MAS TAMBÉM SUA GRANDE FRAQUEZA

Fraqueza, porque esse tipo de instrumento de dominação demonstra que os sistemas escolares estatais, por excelência sistemas de cooptação linguística, mais do que locais difusores de ciências, mostram que os alunos ao perceberem o erro da linguagem verdade transformam cooptação em contra-sistema de interrogatório, onde a língua formal ao se fazer falha, demonstra que a lógica dominante também é.

Nosso diplomata médico, consciente disso devido a sua grande habilidade linguística criou uma obra literária que conversa com a consciência poética da população, levando a ela seus temas por meio desse cavalo-de-tróia encantador.

ENVENENAR E REMEDIAR VARIAM DE ACORDO COM A QUANTIDADE, JÁ DIZIA UM QUÍMICO CRISTÃO.

Então nesse filme, ótimo por sinal, temos uma aplicação do chamado REALISMO MÁGICO (METADE DO SÉCULO XX) onde movimentos literários passaram a pegar os dialetos e maneirismo populares e os suarem em suas obras, por toda a AMÉRICA LATINA.

EMBORA EU DESCONFIE QUE UMA BANDA CHAMADA PRIMUS (1984) O FAÇA NA MÚSICA. E NÃO SÓ ELA.

Logo esse filme tentará adaptar uma narrativa sempre presente na literatura “ocidental”: o amor entre dois homens que na verdade não são héteros, embora pensem que são.

UAI?

Ora, a narrativa de homens tomados por hombridade serem apaixonados uns pelos outros não é nova, e é comum em campos de batalha desde a GRÉCIA ANTIGA, sendo citada nos mitos, como amor entre AQUILES E PÁTROCLO na ILÍADA (VIII A.E.C.). Como o CRISTIANISMO (110) sempre se sentiu envergonhado da moral do mundo antigo, mas nunca sentiu vergonha em se apropriar sem dar crédito de suas narrativas, e em torturar e queimar vivos quem chegava a fazer essa crítica, desconfio que foi criada uma versão desse tipo de coisa.

Nessa versão, um dos homens apaixonados, na verdade é uma mulher, que em verdade é uma virgem, que está à espera de um homem digno. Aqui essa paixão se dá entre Diadorim e Riobaldo (Caio Blat)

DESCONFIO QUE A JUSTIFICATIVA DO EST#PR@ CORRETIVO ESTÁ AQUI.

Na literatura europeia temos essa fábula na novela SARRASINE (1830) daquele nego que o Mouro MARX (1818–1883) adorava O BALZAC (1799–1850) e GUIMARÃES ROSA, a reutiliza aqui, porém mascarando isso por meio do REALISMO MÁGICO. Além disso existem estruturas narrativas aqui que foram tiradas de outro SERTÃO, o indiano.

UAI DE NOVO?

Sim, GUIMARÃES ROSA percebeu que o conceito podia ser aplicado em outras realidades históricas geográficas. Pois o que define um sertanejo, é alguém cuja atividade máxima de vida está dada por sua relação com seu principal meio de transporte, o cavalo.

NESSE SENTIDO FRANQUIAS COMO VELOZES E FURIOSOS (2001–2023), POR EXEMPLO, SÓ ATUALIZAM ISSO.

É um esquema literário brilhante: tomar uma narrativa de um tempo material histórico semelhante, colocar no REALISMO MÁGICO, introduzir valores conservadores e pronto.

Aqui nessa produção se optou usar um método cinematográfico brilhante: a distopia futurista.

Por que?

ORA, QUEM TEM CULHÕES OU OVÁRIOS PARA DISCUTIR A SITUAÇÃO PASSADA E PRESENTE DO NORTE E NORDESTE, COM SUAS ELITES SANGUINÁRIAS?

SIGA LENDO PARA A PARTE 04 (FINAL):

SHUDRA NARRADOR.

Muito do que GUIMARÃES ROSA usou foi tirado do VEDAS (1500 A.E.C.), “livros” sagrados do hinduísmo lá existem figuras míticas as Apsáras, presentes na água e que mudam de forma de acordo com sua vontade.

DIADORIM É A APSÁRA DE RIOBALDO.

Parece meio óbvio quando prestamos atenção e para mim foi o grande erro, ou escolha ruim, desse filme: excluir o resto do nome do romance original.

PARA ENTENDER O GRANDE SERTÃO (MUNDIAL): VER (O) VEDAS

Já falei aqui que adoro essa adaptações da cultura asiático por meio de pensamento capitalista, principalmente em quadrinhos como FRANGO COM AMEIXAS (2004) e RAKSHASSAS (2022) e mesmo filmes como O MESTRE DOS DESEJOS I (1997) .

Então nem preciso dizer que adorei esse filme.

AFINAL, EU AMO O REALISMO MÁGICO: PORQUE ELE DÁ VOZ AOS OPRIMIDOS COMO MULHERES E GENTE DA CLASSE BAIXA, GENTE QUE NO PENSAMENTO HINDU É CHAMADO DE SHUDRA.

Porque aqui a aristocracia intelectual brasileira, respeita quem enfrenta, ou seja, a população sertaneja. Todo o diálogo do filme e o conflito evidenciam bem, assim como no pensamento hindu, e nortista, que essa besteirada de diabo e deus não funcionam para nada.

A MORAL DO NORTISTA É PRAGMÁTICA, MAS JAMAIS INGÊNUA.

Nesses últimos tempos tenho pensado muito sobre isso. Nem mesmo a ideia de honra parece ser uma verdade, pelo menos para as populações mais pobres.

AS PESSOAS QUE FALAM QUE NORTISTAS E NORDESTINOS SÃO PURITANOS, NUNCA LERAM AQUELE OUTRO CARA DO REALISMO MÁGICO, O DEPUTADO FEDERAL COMUNISTA, ATEU E ESCRITOR JORGE AMADO (1912–2001)

Então não é surpreendente que em meio a tanto cabra macho, tenha uma rapaziada trans.

ESSA É A SACADA QUE ESSE FILME ENTENDEU BEM.

O resto é um deleite, pelo menos para mim, filho de nortistas e irmão de uma filha de nortistas. Ali toda a poética do meu povo, os acima citado, é apresentada: sua astúcia, sua capacidade teatral perante o perigo, sua lealdade, que o filme tenta transformar em fidelidade. Porém acima de tudo é apresentado uma ideia banalizada pelo QUEER.

A DE QUE A FLOR DO AMOR TEM DIFERENTES FORMAS DE SE EXPRESSAR.

Honesto, bonito e triste, e como sempre digo, igual ao coração do nortista .

EMBORA EU NÃO DURMA NO SEU BARULHO NÃO ROSA, SEU CABRA SAFADO ELITISTA.

POST SCRIPTUM

É fantástico como num país portador de moralidade tão dúbia, ou no mínimo discutível tenhamos tanto ódio das pessoas trans.

OU NÃO: GERALMENTE SEU DETRATORES NA LUZ DO SOL, SÃO PENETRADOS POR ELES DURANTE O LUAR, SEJA ELE ELÉTRICO OU NÃO.

Esse é um ponto bem interessante, de como esse ódio aos TRANS me parece elitista, mais do que popular. Porque o nortista e o nordestino estão mais preocupados em sobreviver do que ficar taxando as formas de prazer dos outros.

TALVEZ ESSA NOVA GERAÇÃO QUE SE ACHE MAIS EDUCADA DEVA SENTIR VONTADE DE OSTENTAR ESSES PRECONCEITOS COMO ELES SÃO:LUXOS.

E todo o luxo é tolo. Todos nós somos trans e travestidos, ou não sobrevivemos muito tempo no sonho horrível que o Capitalismo teceu para nós.

Logo, adorei como esse amor foi apresentado nessa versão fílmica e como o tempo todo eu me senti muito bem sofrendo ao vê-lo morrer.

PORQUE EU TAMBÉM EM MEIO A ESSE CORPO NEGRO E CABEÇA COMUNISTA SOU PORTADOR DE UM CORAÇÃO TRISTE, LINDO E HONESTO.

Agradeço a meu pai, minha mãe e minha irmã, por não terem tido a menor piedade em concedê-lo. E a mim mesmo, por nunca ter sido forte o suficiente para me livrar dele.

DE POSSE DESSE CORAÇÃO ENVENENADO COM AMOR CRUEL EU POSSO TUDO NEM QUE SEJA APENAS EM MINHA IMAGINAÇÃO.

E a realidade do Irmão Capitalismo?

ORA, É APENAS UM SONHO, NUM MAR DE ILUSÕES E A BÚSSOLA EM MEU PEITO SEMPRE ME MOSTRARÁ O NORTE A SEGUIR.

FICHA TÉCNICA

GRANDE SERTÃO [FILME] (2024) — TITULO ORIGINAL:FURIOSA: A MAD MAX SAGA — DURAÇÃO :108 — NACIONALIDADE :2024 — DIRETOR: — ROTEIRISTA: GUEL ARRAES — DISPONÍVEL (ATÉ O MOMENTO DA PUBLICAÇÃO):CINEMAS.

Se apreciou, 50 palminhas serão bem-vindas.

Referências

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).