RAKSHASSAS [QUADRINHO] (2022):

Sombrionauta
8 min readApr 27, 2023

--

PROTEGER E SE DESILUDIR.

Ouça esse conteúdo no spotify, caso esteja em um celular, ou clique no link abaixo, caso esteja num computador:

Fascinante como nós nos apaixonamos por tudo que desejamos destruir. Quanto mais o objeto deva ser eliminado, maior nosso sentimento perante ele. Em sociedades como a nossa, por exemplo, o desprezo pelos negros é tão grande que nos conferem até superpoderes, como é o caso do rapaz que foi 14 vezes acusado de roubo, sendo que ele foi absolvido em 13 delas. Agora ele tem de tirar fotos constantes de si para todo o lugar que ele vai .

Ou da moça negra que acusaram de ter a capacidade de teleporte ou capacidade de se duplicar: ela foi acusada e condenada de participar de um assalto, sendo que tinha como álibi estar participando de um vídeo clipe no litoral, mais precisamente no Guarujá.

REALMENTE ESSES NEGROS SÃO SERES ARDILOSOS, NÃO SÃO?

Assim a noção que o inimigo nos vê como inferiores não é sustentável, ao contrário, ele se enxerga como inferior, logo deve manter controle extremo sobre si e sobre todos nos.

Curioso que esse controle depreende também o uso de gente de seus próprios inimigos. Em 2021, 56,8% dos policiais eram brancos, mas 62,7 de todos os que foram assassinados no período eram negros.

A NOÇÃO DE CAPITÃO DO MATO É MAIS ANTIGA DO QUE SE PENSA.

Mas o que leva pessoas demonizadas (que semelhante a palavra “anjo” quer dizer “mensageiro”, mas de uma sabedoria que sempre chega tarde demais) a seguirem as ordens de quem as teme?

DESEJAR SER AQUELES QUE SENTEM TEMOR.

Nesse quadrinho somos apresentados ao porquê dos odiados caçarem seus semelhantes.

[SIGA LENDO A PARTIR DAQUI SE VOCÊ VEIO DO INSTAGRAM]

THANOS NÃO É DARKSEID, MAS É QUASE.

Adoro quadrinhos argentinos. Não é sem motivo, pois eles tratam de mundos que se assemelham ao meu, mas que não exatamente iguais ao que eu vivo. Logo posso entender o que acontece sem me ferir muito no processo.

JÁ LER CONFINADA (2021) DO LEANDRO ASSIS E TRISCILA OLIVEIRA É OUTRA HISTÓRIA PORQUE É A MINHA HISTÓRIA.

Eu podia dizer “nossa”, mas seria hipócrita. Quem lê quadrinhos os toma como sua história pessoal, porque o lazer não passa de alimento ao ego.

E SE ALGUÉM ACHA ISSO RUIM, É PORQUE NÃO ESTÁ ALIMENTANDO DIREITO O SEU.

O consumo é um algo egocêntrico, e ainda bem que é. Viver totalmente para o coletivo é algo que nos esvazia com o tempo, ao ponto de ficarmos reduzidos a sombras de nós. Cuidar sem se cuidar é uma forma lenta de suicídio.

POR ISSO NOSSO VILÕES, PERDÃO ESSE É TERMO DE EUROPEU SAFADO, NOSSOS ANTAGONISTAS, PERDÃO OUTRO TERMO DE EUROPEU SAFADO SÓ QUE GREGO. LOGO ACHO MELHOR USAR ESSE AQUI NOSSOS RAKASHASSAS (“PROTETORES”, NA RELIGIOSIDADE HINDU, AQUELES QUE SÃO TÃO AGRESSIVOS QUE PEDIMOS PROTEÇÃO) NOS SEDUZEM MUITO.

PORQUE ELES ESTÃO MAIS PREOCUPADOS COM ELES MESMOS DO QUE COM OUTROS.

Isso é bem interessante nessa crença. O Budismo absorveu muito desse pensamento à medida que se expandiu e aqui está uma pergunta minha: os Rakashassas eram maus ou apenas não estavam dispostos a se dobrar ao budismo?

O MAL É SÓ PONTO DE VISTA, E COMO SEMPRE DIGO, O DEUS DE UM POVO INIMIGO É PARA MIM, UM DEMÔNIO.

Seguindo.

No pensamento hindu esses seres terríveis nasceram de Brahma como um erro, como um descuido do mesmo. Foram derrotados por Visnhu, mas por meio de sua disciplina conseguiram fugir e lutar contra esses seres míticos várias vezes.

ESSE NEGÓCIO DO RAKASHASSAS SEMPRE RETORNAR É UMA COISA QUE O OCIDENTE ADOROU ABSORVER PARA SEUS SUPER-HERÓIS.

Na história somos apresentados a Lorde Urquart um dos administradores coloniais da Índia, inglês de herança, apesar de ter nascido ali durante a ERA VITORIANA (1831–1901)

ESSE TIPO DE ELITE MESTIÇA CULTURALMENTE, OU MELHOR, FUTURAMENTE CHAMADA DE “CABOCLA” É QUE IRÁ SER FUNDAMENTAL PARA O DOMÍNIO COLONIAL E IRÁ COMPOR AS ELITES QUE ADMINISTRARAM MUITOS DESSES LOCAIS APÓS A DESCOLONIZAÇÃO.

NADA DE NOVO, AFINAL OS PTOLOMAICOS (303 A.E.C. -30 A.E.C) ENTRE OUTROS DO IMPÉRIO ALEXANDRINO (332 A.E.C -323 A.E.C.) FIZERAM O MESMO, INCLUSIVE CLEÓPATRA (69 A.E.C. — 30 A.E.C).

Tanto que os debates sobre a ptolomaica acima citada deveriam levar em conta que não existiam negros no mundo antigo e que ela não era tão kemetiana de nascimento.

TRINDADE.

A classe média negra mundial, em verdade americana, precisaria entender melhor o que na verdade são esses governantes crioulos, mas sua sede em ser reconhecida como nobre, ou seja, como aqueles que escravizaram os negros, inclusive em séries como BRIGETONS (2020–2022), lhes faz esquecer que para as elites escravistas eles sempre serão apenas negros um pouco mais civilizados, coisa que FRANTZ FANON (1925- 1961) bem percebeu.

DEVERIAM LER MAIS OS INTELECTUAIS NEGROS QUE TANTO FALAM, MEUS CAROS.

Urquart é o típico personagem desse tipo de narrativa, um ocidental fascinado pela cultura oriental e que acha que ela é o meio para dominar o mundo.

NADA DE NOVO, DE NOVO: DESDE ALEXANDRE O GRANDE (356 A.E.C. — 323 A.E.C) PASSANDO PELOS NAZISTAS (1919–1945) TODOS OS QUE SE ENXERGAM COMO IMPERADORES DESEJAM CONQUISTAR O ORIENTE.

Há um fascínio nessas elites mestiças pelo oriente, porque em parte seu desenvolvimento é semelhante ao mundo antigo ocidental. Nesse momento seria bom lembrar que o Capitalismo não foi exatamente algo que surgiu uniformemente no mundo, e em verdade, ele se espalha de fato para o Oriente, quando o Império Português entre 1505–1510 toma o estado de Goa dos otomanos.

ONDE ALEXANDRE FALHOU, OS PORTUGUESES VENCERAM: PENSA NISSO NA PRÓXIMA VEZ QUE CHAMAR A ELITE MESTIÇA CABOCLA DAQUI DE “BURROS’.

Seguindo.

Urquart vai até um templo de Tsonga, nos confins no Butão, e, no melhor estilo português, engana os abades do templo, porque em verdade está em busca de um terrível “livro” ( bom, nesse tempo até pode ter um, entretanto me parecem mais uma série de pergaminhos organizados numa brochura, mas pensando melhor, um livro é só isso mesmo).

Esse livro lhe dará a habilidade de invocar, encarnar e dominar 4 Rakashassas primordiais: o da escuridão, o da loucura, o da dor e do ódio.

NÃO É A CARA DA EQUAÇÃO ANTIVIDA?

O anglo-indiano pilantra que poderia ser o JOHN CONSTANTINE (1985), se não fosse da elite que o Mago Risonho detesta, consegue executar o ritual, mas os Rakashassas são mais espertos e conseguem cegá-lo antes que ele os encarne.

Aqui começa de fato a narrativa pois…

QUEM MELHOR PARA PEGAR RAKASHASSAS, DO QUE GENTE QUE PENSA COMO ELES?

ESQUADRÃO SUICIDA.

Somos apresentados a uma versão indiana para lá de legal da AMANDA WALLER (1986), o Pandit Uday Gopal, da mais alta casta bramânica, pertencente a um grupo de fanáticos por arte e cultura de antes do domínio capitalista: pois se tem uma coisa boa do capitalismo imperial é que ele tende a erodir essas castas, mesmo contra a sua vontade como diria aquele liberal que a direita mais intelectualizada gosta: JOSÉ GUILHERME MERQUIOR (1941–1991)

CARA, SE TEM ALGO QUE DESPREZO SÃO CASTAS, UMA COISA QUE A ELITE BRASILEIRA SE CONSIDERA SEGUNDO O JESSÉ DE SOUZA (1960), E TALVEZ EXPLIQUE ESSE FASCÍNIO DELA PELO BUDISMO.

E APROVEITANDO, ESSA ELITE FAZ QUESTÃO DE ENGANAR A CLASSE MÉDIA DAQUI, SEJA ELA DE QUE ORIGEM SEJA, COM A PROMESSA QUE SERÃO PARTE DELA: NEGO, CASTAS SÃO BLINDADAS, ENTÃO DEIXA DE SER BOBO .

Esse membro de casta é educado, sábio, letal, dedicado a seu objetivo e com nenhum grau de lealdade àqueles que considera inferiores.

A WALLER NÃO É ASSIM, MAS ELA É NEGRA, O GOPAL NÃO.

Como ele mesmo não pode e não quer encarar os Rakashassas, resolve convocar três seres que poderiam executar a missão, pois são dispensáveis, inimigos e ainda não são das castas bramânicas: Shambara, um ser parte homem, parte demônio; Annapurna, uma das líderes da terrível seita de Kali (muita feminista se considera ligada a essa deusa, não pelos motivos que os nazistas usam, por favor); e uma espécie de bruxa-fantasma europeia, descendente do próprio ALEISTER CROWLEY (1875–1947), chamada Lady Cora.

BOM, ACHEI QUE AQUI ROLOU UM ERRO PORQUE A HISTÓRIA SE PASSA EM 1898 E O CROWLEY NÃO TINHA IDADE PARA TER UMA TATARANETA, MESMO SENDO MAGO.

Mas segue o bonde.

A sacada é que para dominar os Rakashassas nosso esquadrão suicida deve força-los a dizer seus próprios nomes, uma vez na ordem normal e outra ao contrário.

SE VOCÊ PENSOU MITZPLIK (1944), PARABÉNS, CONHECE BEM A MITOLOGIA DA DC COMIC’S (1934)

Agora, pensando essa narrativa, vejo porque gostei tanto dela:

CARA, É UM QUADRINHO DE SUPER-HERÓIS ARGENTINO, USANDO PENSAMENTO HINDU.

E aí percebemos o quanto nossas histórias em quadrinhos de super-heróis em verdade são fábulas do mundo oriental.

O trio sai em busca dos Rakashassas e, é claro, são traídos por toda a sorte de gente. E isso é o diferencial.

ELES SABEM DISSO. OU PELO MENOS DOIS SABEM. LOGO NÃO TÊM A MENOR PRETENSÃO DE SEREM PARTE DA ELITE QUE O GOPAL FAZ PARTE.

E é essa a sacada, que é muito diferente dos quadrinhos de super-heróis:

ELES CONSEGUEM DEIXAR DE SER O QUE SÃO: UMBERTO ECO (1932–2016) FICARIA ORGULHOSO.

Então aqui está uma ótima empreitada de construir personagens tirados de certas crenças não ocidentais (mitologia) como fizeram todos os grandes roteiristas da DC.

Porém os roteiros desses empregados da Editora republicana tendiam a usar o conceito de destino grego, o da constante repetição, por motivos comercial.

NESSA QUADRINHO É SEGUIDO O PENSAMENTO ORIENTAL HINDU, QUE NÃO É NECESSARIAMENTE LIGADO AO DESTINO: OS PERSONAGENS NÃO SEGUEM SEU CARMA, SENDO QUE EM VERDADE ELES O CRIAM.

Porque “carma” em verdade quer dizer “ato deliberado”.

Alguns diriam que isso na verdade é livre-arbítrio.

Alguns diriam que é suicídio.

E TODOS ESTÃO CERTOS.

E NINGUÉM ESTÁ CORRETO.

Porque quem delibera seus atos é você. Não eu. Não o Irmão-Capitalismo. Nem esquerda, nem direita.

MAS TAL QUAL OS RAKASHASSAS, OU OS SEUS CAÇADORES, DEVEMOS TODOS DELIBERAR ANTES DE AGIR.

Os quadrinhos são um dos locais mais importantes para se discutir a liberdade religiosa, uma vez que eles as debatem dentro do pensamento da cultura de massas, logo tendem a procurar ressoar em questões do cotidiano.

Como também são entretenimento, tendem, por meio de suas narrativas, a introduzir os nomes de grandes literaturas religiosas de maneira tranquila, sem precisar de tantos dogmas morais tolos.

QUADRINHOS DE AVENTURA TEM ESSA PREMISSA.

Assim podemos pensar melhor como eles são representados, de como podemos entender diferentes representações das crenças dos diversos povos, de maneira ativa, que são mais fáceis de serem absorvidas.

Muitos filmes de ação fazem isso, porém a pressão por trás dessas empresas de cinema tendem a reproduzir essas crenças como histórias de terror tolas, ou como simplificações racistas.

OS QUADRINHOS SEMPRE FORAM UM MEIO DE COMUNICAÇÃO DE MASSA MAIS DADO A DISCUSSÃO ABERTA.

Então, eu que sou ateu, recomendo que você religioso, leia mais quadrinhos de outras crenças que não a sua.

TALVEZ VOCÊ AS ACEITE EM SEU CONTEXTO E SE TORNE MAIS UM DESSES ATEUS, GRAÇAS AOS DEUSES.

SE APRECIOU, 50 PALMAS SERÃO BEM-VINDAS E AGRADECIDAS.

--

--

Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).