INFILTRADO [FILME] (2021):

Sombrionauta
6 min readSep 3, 2021

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Aquele que busca a anti-vida.

Incrível, mas fácil de confirmar: boas atuações não fazem um bom filme, nem mesmo uma boa trilha sonora, tão pouco uma excelente fotografia.

Porque o que importa é a mensagem do filme, sua comunicação e não sua mera montagem. Alguns diriam que não: McLuhan (1911–1980) diria que o meio é a própria mensagem, e assim, no mundo atual da mídia a forma prevaleceria sobre o conteúdo.

Quem questiona essa premissa é Maurício de Sousa (1935): de acordo com o grande, e talvez o único, empresário de sucesso do meio de comunicação de massas dos quadrinhos, “com o tempo o desenho [forma], vem a cansar o leitor”. Trazendo para o cinema, todos os elementos estéticos atraem, sim, multidões, mas não são capazes de criar uma necessidade fundamental para a indústria cultural, seja quadrinhos ou cinema.

A IDEIA DE AURA DE WALTER BENJAMIM (1892–1940): OU O QUE CHAMAMOS DE FILMES “CULT”.

Um filme “cult” é um filme que inova ao conseguir achar a sincronia com a diacronia de seu tempo: a forma, conteúdo e o contexto conseguem estabelecer um diálogo, conversa ou comunicação em que estes todos acabar por se ressignificarem uns aos outros.

Fazer isso é difícil e geralmente é mais obra do acaso do que por intenção: muitas vezes está ligado a uma memória afetiva posterior que e dá nas massas de espectadores anos depois de sua exibição no cinema, em vídeo, ou, futuramente, em canais de streaming.

A AUTENTICIDADE, ENTÃO, É UM EMPREENDIMENTO DIFÍCIL, QUE ASSIM O É, PORQUE AFINAL DE CONTAS A INDÚSTRIA DO CINEMA NÃO GOSTA DE ARRISCAR EM NADA QUE SUAS ESTATÍSTICAS APONTEM COMO CERTO.

Isso explicaria como filmes de baixo orçamento como JOHN WICK — DE VOLTA AO JOGO (2014) conseguem cativar o público, para depois virarem franquias já adequadas ao esquema industrial do cinema, ou seja, uma produção padronizada e longe de serem autênticas.

Aqui está esse ponto: esse filme que aqui resenho, tem tudo para ser cult, mas não é.

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Primeiro: o título em português não ajuda, e, confirma uma da sequência de tiras de Ricardo Liniers Siri (1973), um dos meus favoritos autores de quadrinhos argentinos, “Homem que traduz os títulos dos filmes”; ninguém sabe traduzir nomes de filmes ou então acham que o público fora dos países de origem das produções são completos imbecis.

Agora a tradução literal: de “Wrath of Man”, a saber, “Ira do Homem” cai como uma luva. Mas parece que o diretor, Guy Ritchie (1968), também não conseguiu traduzir isso em um bom roteiro: as vezes os diretores perdem a mão. Ser experiente não te faz perfeito.

A trama leva em conta uma clássica história de vingança, que usa expedientes narrativos semelhantes ao pós-moderno 21 GRAMAS (2003), o de cruzar várias narrativas de personagens até que entendamos o que está acontecendo e o que os une.

NÃO DÁ CERTO.

Talvez porque 21 Gramas seja uma história que tente mostrar a invalidade da vingança e “Wrath of Man”, seja uma clássica história de vingança heterossexual patriarcal, dividida em atos de teatro:

A FORMA QUE CONTRARIA O CONTEÚDO, E NÃO É COMÉDIA, TENDE A UM RIDÍCULO QUE NÃO PRETENDIA.

No filme seguimos a narrativa de vingança do terrível H (Jason Statham), que entra numa empresa de transporte de dinheiro como caminhoneiro e segurança. Logo sabemos que ele está em busca dos responsáveis pela morte de seu filho.

Aqui está o ponto, o filme é ruim, mas o problema é o maldito do Statham é o motivo de eu ter lembrado mais de quadrinhos do que de filmes enquanto assistia.

MANO, ELE É O DARKSEID.

DC, DESENCANA DE OUTROS ATORES E ATÉ DO CGI: O CABRA CONSEGUE SER O CORREDOR NEGRO, O SENHOR DE APOKOLIPSE, AQUELE QUE MESMO O THANOS COM A MANOPLA DO PODER TERIA MEDO, E QUE, NÃO SÓ UMA ÚNICA VEZ, ESPANCOU O SUPERMAN; UM TERRÍVEL DEUS INDUSTRIAL QUE NEM MESMO O NIETZSCHE (1844–1900) DEIXARIA DE ACREDITAR, E O KAFKA (1883–1924) TERIA MEDO DE IMAGINAR.

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A ira que ele apresenta o filme todo, porque a gente esquece que o Statham era um bom ator de comédias low-life inglesas, um dos doze melhores nadadores em 1992, além de ter treinamento em artes marciais, é extremamente convincente.

Resumindo:

O CARA É UM HÍBRIDO DE SHAKEASPEARE (1564–1616) COM BRUCE LEE (1940–1973).

E ele é muito bom mesmo nessa hybrs industrial: o filme todo ele transparece o tipo de rosto, de voz, de movimentação que eu esperaria do Darskseid, que hora os E.U.A apresentam como uma versão do Hitler (1889–1945), hora uma versão do Mao-Tse-Tung (1893–1976); alguém extremamente controlado, frio e que ao mesmo tempo transmite que está colérico o tempo todo.

A maioria dos novos quadrinhistas não conseguiu captar mais isso em Darkseid, fazendo dele uma versão barata do Thanos, enquanto uma coisa tem de ficar clara: Thanos quer destruir o universo e já morreu algumas vezes, já o Darkseid quer escravizar o universo e homogeneizar o pensamento totalmente, tornando todos uma versão dele mesmo:

SE ISSO NÃO É UM PESADELO BUROCRÁTICO-INDUSTRIAL ESTATIZANTE, NÃO SEI MAIS O QUE É.

O filme deixa claro o tempo todo que as pessoas ao redor sabem que há algo errado com H, e ele dá as desculpas mais esfarrapadas, mas todos sensos-comuns ruins, e máximas machistas de auto-ajuda fajutas, são aceitas por todos ao redor, para negar que estão perante um ser que não está ligando muito para o que pensam dele, e que, só os tolera porque são úteis a seu plano.

Ele é educado, frio, irado, preciso e disposto a fazer as piores atrocidades possíveis, no entanto, se essas atrocidades não o levarem ao seu objetivo, ele não vê motivos para realiza-las.

Assim, H é monstruoso, porém não é sádico: é apenas determinado.

TORTURA É UM MÉTODO E NÃO DEVE SER DESPERDIÇADA INUTILMENTE.

Darkseid é assim: se necessário ele pode destruir planetas inteiros, mas se não, pode até ajudar e perdoar inimigos, simplesmente porque é perda de tempo ficar lutando com eles: Superman, Batman, Mulher-Maravilha e até Amanda Waller foram tanto vítimas quanto beneficiários dessa postura do terrível senhor de Apokolips.

H é assim: se preciso for, vai torturar e matar crianças e idosos, mas se não, pode até ajuda-los, desde que isso seja mais fácil para ele.

Todos o temem, porque ele é determinado, e, portanto, paciente. Mas ele também está irado.

UM DEUS FURIOSO, IMPESSOAL, INDUSTRIAL, TREINADO, COM RECURSOS FINANCEIROS QUASE INFINITOS, DISCIPLINADO E, PORTANTO, EXTREMAMENTE APAIXONADO POR SI E SEUS OBJETIVOS, E QUE NÃO DEIXARÁ NADA FICAR EM SEU CAMINHO, NEM MESMO SUA PRÓPRIA CRUELDADE E NECESSIDADE DE VINGANÇA.

Ravena, dos Novos Titãs, uma vez definiu Darkseid como “[Um] monstro [que] se mantém sob controle tão rígido que nem mesmo uma partícula emotiva escapa dele! sua alma é um vácuo negro, seu poder… sua força incalculáveis”

Sua mera presença, mesmo quando ele é cortês, trazia pavor a todos a seu redor, inclusive a seus aliados.

H provoca isso também: durante uma tentativa de assalto ao carro-forte que ele está infiltrado, tudo o que precisa fazer para que os assaltantes vão embora é olhar para eles.

Tudo isso então resume meu conselho a DC:

Se é para fazer filme ruim com protagonista bom, a especialidade de muitos filmes e produções ligadas às histórias em quadrinhos, minha cara Warner-DC, lhe apresento meu voto para o próximo Darkseid.

ISTO É, SE TIVEREM CORAGEM DE COLOCAR ALGUÉM NA TELA QUE SABE REPRESENTAR PERFEITAMENTE UM SER QUE GOSTARIA DE UTILIZAR A EQUAÇÃO ANTI-VIDA.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).