21 GRAMAS [FILME] (2003):

Sombrionauta
4 min readAug 27, 2021

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O colossal peso do nada.

Uma das falas mais interessantes de Fredric Jameson (1934) é que a filosofia da estética está morta devido ao Irmão Capitalismo ter criado uma noção formal pastiche ou de bricolagem.

Isso significa uma mudança na intepretação da arte do século XX em relação ao do XIX: o último interpretava que só existia uma forma de ver o mundo, uma ética, uma fruição, uma noção de elite sobre a realidade, artística ou não. A primeira mostra que esse tipo de interpretação está obsoleto: a diversidade dada pela urbanidade e pela indústria acabou com a ideia de uma única interpretação, porque graças a tv, principalmente, agora os mais diversos objetos artísticos estão à disposição, como simulacro, a nós todos.

Este filme é a melhor demonstração dessa premissa.

Seguindo a lógica de Crash (2004) e Babel (2006), temos várias histórias de diversos personagens que veem a se cruzar em determinado momento, geralmente por causa da urbanidade. Assim até a noção de “protagonista” se torna difusa, quando não, inadequada.

Os personagens são de diversas classes sociais, diversas crenças e etnias e que estão submersos em problemas pessoais advindos de eles mesmos terem que encarar a diversidade de suas vidas.

O que o acima exposto significa?

Que eles têm suas crenças religiosas, como o ex-presidiário Jack Jordan (Benicio Del Toro), seus papéis sociais conservadores como a ex-mãe e ex-viciada Christina Peck (Naomi Watts), um professor de matemática que não aceita a lógica de morrer Paul Rivers (Sean Penn), e que tudo isso no final não importa.

POIS, TODOS OS PAPÉIS SOCIAIS, PRISIONEIRO, PAI, MÃE, PROFESSOR, SÃO REALIDADE SUPERADAS, E QUE NÓS AS USAMOS POR FALTA DE MELHORES DEFINIÇÕES SOBRE NÓS MESMOS.

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Alguns até diriam que a afirmação acima é pseudociência, mas eu acho que e preguiça combinada com dominação.

Jordan, por um acaso, vem a matar a família de Peck, o que vem a beneficiar Rivers.

Aqui está a ligação deles, o acaso, a mudança, o encarar de novas identidade, coisa que eles não conseguem aceitar muito bem. Tanto que o trauma de mudarem, faz com que eles tentem voltar às suas formas de viver de antes do acidente, de antes de terem melhorado.

BOBAGEM: NÃO EXISTE VOLTA AO PASSADO, OU MAKE A AMERICA GREAT AGAIN, A EVOLUÇÃO É UMA REALIDADE, AINDA QUE RELATIVA.

ENTÃO ATÉ PODEMOS VOLTAR A PAPÉIS QUE DESEMPENHAMOS, MAS NÃO PODEMOS APAGAR NOSSAS MEMÓRIAS ACERCA DE NOSSAS MUDANÇAS.

O drama todo que os une, demonstra que uma das grandes forças da humanidade até o século XX, a vingança, também é obsoleta.

Porque como disse o pessoal do Paralamas do sucesso (1982), “se a vingança pagasse a dor que eu sentir” esse e outros abusurdos “me fariam feliz”.

Absurdos como vingança, religião, redenção, maternidade, paternidade, casamento, são instituições ultrapassada e esse filme quer demonstrar isso tudo, mostrando que tudo isso nos formou, sim, mas não precisamos mais seguir esse tipo de conceituação.

Até a medida de 21 Gramas, o peso que foi atribuído a alma, no século XIX, não existe, porque alma não existe.

Assim como essas relações arcaicas interpessoais, que foram superadas por urbanidade e indústria: o campo criou a noção de alma, punição inferno e céu. Já a urbanidade cria o estoicismo moderno, na falta de um nome melhor, que só existe essa vida atual, mas essa vida se desabrocha em diversas.

Hoje sou professor, amanhã escritor e talvez se me cansar de tudo isso, vire vendedor de laranjas na feira.

Cabem aos personagens desse filme nos demonstrar que o peso que atribuímos a papeis que assumimos no passado, são apenas o temor de assumir que mudamos.

Para melhor?

Para Pior?

Nada disso.

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APENAS MUDAMOS E ISSO CRIA PARÂMETROS DE “MELHOR OU PIOR” DIFERENTES E GERALMENTE IRRELEVANTES EM RELAÇÃO AO QUE ÉRAMOS E AO QUE SOMOS.

Somos, apenas o agora, que não se esquece do passado e por isso sabe que é um futuro torcendo para ser obsoleto.

Por isso 21 Gramas é um grande filme, talvez o auge do pensamento cinematográfico pós-moderno, ao reconhecer que a vida não está quebrada, mas que ela e uma enorme pastiche, um lego, e não um quebra-cabeça (porque quebra cabeças são limitados ao objetivo final e legos são unidades modulares que não têm objetivo definido) que espera que nós organizemos suas partes.

A ALMA NÃO EXISTE, O CORPO ESTÁ LIVRE.

A vida, assim, nos limita, mas não nos define. Isto cabe a nós.

Se gostou desse texto, 50 palmas serão bem-vindas e agradecidas.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).