DC SHOWCASE: CONSTANTINE — THE HOUSE OF MYSTERY [ANIMAÇÃO] (2022):

Sombrionauta
6 min readAug 26, 2022

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A jornada do Mago Risonho.

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Como anteriormente falei em BETTER CALL SAUL (2015–2022), produções fílmicas estadunidenses sobre proletários são recorrentes e apresentadas quase como filme de Arte. Nos quadrinhos isso se expressa de outra forma que a princípio parece menos aterradora.

PORÉM É MAIS AINDA.

O universo dos trabalhadores, empregados, mão-de-obra, proletários, é sempre sujo e violento, quando tenta os ver como pessoas normais, ou seja, do jeito que a elite de seu país os vê. Coisas como essas produziram quadrinhos como DELÍRIOS COTIDIANOS (1984) de CHARLES BUKOWSKI (1920–1994) e MATTHIAS SCHULTHEISS (1946). Esse tipo de noção, de apresentar a vida da classe proletária sem o idealismo elitista sobre ela, que ajuda a entender o conceito de anti-herói.

Os anti-heróis são em verdade protagonistas ou personagens fundamentais de uma trama que tem objetivos tidos como “nobres”, mas uma metodologia que é mais pragmática do que “correta”. Ou seja, sempre são os pobres e malandros; destinados a sempre fracassarem, serem losers, lumpemproletariado, e serem nas ficções apenas parceiros divertidos e exóticos dos protagonistas idealistas, os heróis.

PORÉM, EXISTE JOHN CONSTANTINE.

Chamar o personagem de “diabólico” pode incorrer em ganhar um local especial no inferno, pois até mesmo os vários diabólicos foram derrotados pelo “Mago Risonho”, nome pelo qual ele foi chamado certa vez por um Sekepuone (espécie de sacerdote que cumpre funções correlatas de um mago europeu, só que em uma parte da África).

O universo de Constantine é a brutalidade da vida proletária inglesa, sua magia, seu poder e sua habilidade são tiradas então do pensamento dos trabalhadores e assim, nenhum outro tipo de praticante de magia consegue superá-lo tão facilmente.

A MAGIA DE CONSTANTINE É UMA ESPÉCIE DE TECNOLOGIA PROLETÁRIA QUE NÃO ESTÁ LIGADA AO PENSAMENTO ELITISTA DO OCULTISMO.

E é por isso que a DC COMIC’S (1934) o despreza.

VEJAMOS.

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Eu fico impressionado como a DC tem desprezo pelo pensamento proletário, e mesmo assim tem de amargar tem em seu catalogo personagens extremamente comprometidos com ele, tais como o Coringa em certa medida.

Mas o Palhaço do Crime, no fundo, é bem mais passivo ao mundo do que esperamos, sendo que ele aceita bem o trabalho de ser um parceiro cômico: o bobo da corte do Batman.

CONSTANTINE NÃO ACEITA ISSO DE NINGUÉM.

Embora recorrentemente use a crença de que ele é só isso para frustrar os planos de seus opositores: um bobo.

No entanto vemos que a sistematicamente ele está sendo colocado em segundo plano em sua animações, que ele é apresentado como alguém que está constantemente em culpa, e que não consegue estabelecer relações pessoais e de amizade saudáveis, justamente por esse tipo de ressentimento de si.

A SUBSTÂNCIA DESSA ANIMAÇÃO É ESSE ESTRANHO RANÇO QUE A EDITORA QUER IMPOR INSISTENTEMENTE AO PERSONAGEM.

Seguindo os fatos apresentados em LIGA DA JUSTIÇA SOMBRIA: GUERRA DE APOKOLIPS (2020), depois que o Flash (Christopher Gorham) provoca um novo Flash point para resetar a realidade onde Darkseid (Tony Todd) venceu, temos a recriação de um novo mundo, mais um reboot da DC em sua cronologia, em verdade.

PORÉM DESSA VEZ A EDITORA APROVEITO PARA PUNIR, DE NOVO, O CONSTANTINE (MATT RYAN).

Na introdução da animação que resenho o Sindicalista profano usa sua magia para orientar o Flash em sua decisão.

Resultado: o Espectro (Lou Diamond), entidade mística extremamente poderosa aprisiona Constantine na Casa dos Mistérios, perpetuamente, por ter “interferido em assuntos cósmicos”.

ENGRAÇADO QUE NINGUÉM JAMAIS TENTOU ESSE TIPO DE COISA COM O SUPERMAN OU O FLASH, QUE JÁ REALIZARAM AÇÕES SEMELHANTES.

Então todo o enredo é uma desculpa para apresentar John Constantine, mais uma vez, como um exemplo a não ser seguido. Preso na Casa dos Mistérios, o Mago Risonho é confrontado com o amor de sua vida Zatanna (Camilla Luddington) (eu nunca engoli essa posição dos Novos 52) e seus diversos amigos, que sistematicamente o matam, para que ele simplesmente continue renascendo para ser morto novamente.

EM SUMA, CONSTANTINE FOI APRISIONADO E TORTURADO SEGUNDO A NARRATIVA, POR SÉCULOS.

Claro que com o tempo ele acha um jeito de escapar, mas a explicação desse ciclo constante de morte e renascimento, segundo a narrativa é:

ALERTA DE SPOILER.

CONSTANTINE NÃO ESTÁ SENDO TORTURADO PELO ESPECTRO, ELE MESMO ESTÁ SABOTANDO SUA PRISÃO-FELICIDADE, PORQUE SABE QUE NÃO MERECE SER AMADO POR NINGUÉM.

FIM DE SPOILER.

Tudo na narrativa visa dizer que Constantine está errado e ele sabe disso. Que em verdade a morte seria melhor.

BESTEIRA DE NOVO: A MORTE IRIA JOGÁ-LO APENAS EM OUTRO INFERNO. O QUE PODERIA SER BEM PIOR PARA O PRÓPRIO DIABO.

Toda a formação dessa narrativa, assim como CONSTANTINE: CITY OF DEMONS (2018) tende sempre a apresentar o personagem como alguém que deve sempre estar condenado a nunca gostar de si.

Isso é uma marca nas produções estadunidenses sobre proletários, os de apresentá-los como gente sempre cheia de arrependimentos, de que não conseguem acessar o “sonho americano”, por uma questão de escolha .

É essa a linha de pensamento que norteia os atuais produtos culturais sobre o pensamento proletário, a de que o sucesso é apenas uma escolha, e não favorecimento de certas pessoas dentro de certa economia política. Essa é a proposta atual da DC para Constantine, Batman, Amanda Waller e outros.

Todos os personagens que têm qualquer tipo de marca semelhante ao pensamento crítico à realidade em suas estruturas econômicas, deve ser postos como incompetentes em termos familiares e de relações pessoais.

E O MAGO RISONHO PROVAVELMENTE CONCORDARIA COM ISSO.

Constantine não cabe nesse tipo de relação social tradicional, pelo menos em sua versão original como um Hellblazer: conforme CARLOS HENRIQUE DE CASTRO ASSIS (?) o descreveu, ele não passa de um marginal consciente e contestador, sendo pai e filho da cultura punk, uma tentativa, bem-sucedida, de criar uma forma autônoma à cultura da grande mídia , ou como disse ele mesmo, por meio de seu melhor roteirista em termos de pensamento trabalhista de esquerda JAMIE DELANO (1954), “um proletário esperto”.

Resumindo, o Mago Risonho não quer se render ao sistema capitalista, que desconfio achar pior que o inferno.

E NINGUÉM QUER O PERDOAR POR ISSO, NEM SEUS AMIGOS, NEM SEUS AMORES: SÃO ELES QUE NÃO CONSEGUEM SE EMANCIPAR DAS RELAÇÕES PESSOAIS FORJADAS NO CAPITALISMO PATRIARCAL, HOMOFÓBICO E RACISTA.

Constantine é talvez o melhor personagem das histórias em quadrinhos de super-heróis para adultos mainstream da classe proletária, porque ele é portador de um pessimismo, que eu divido, em relação a qualquer tipo de satisfação dentro do mundo capitalista, que é concedida sem qualquer luta.

FELICIDADE É SÓ OUTRA PRISÃO, COMO DISSE O CRIADOR DO MAGO RISONHO.

Aproveitando, é curioso como vários narradores e argumentistas de Constantine afirma tê-lo visto pessoalmente e de fato , e talvez com exceção do Coringa que provocou no mundo real uma morte de fato, ele é outro personagem na ficção que tende a tentar invadir o plano da realidade de seus criadores.

OU SEJA, TOMAR O CÉU DE ASSALTO.

A meu ver é bem mais simples: é apenas a classe proletária, olhando para seus escritores e desenhistas, e lembrando a eles “somos proletários e ainda espertos”.

“NÃO NOS TRAIAM”.

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Embora muita gente ache que a chamada onda de extrema-direita atual está passando, ver coisas como essa produção me fazem pensar que isso é apenas o começo. Toda a cultura de contestação do sistema capitalista está sendo industrializada e vendida pelo mesmo, e é cada vez mais difícil, mesmo com a internet e outros meios de comunicação, escapar de ser submetido a toda uma tradição reacionária cada vez mais forte, coisa que a volta do PANTERA (1981–2022) deixa clara.

Particularmente fica evidente para mim que nossa cultura alternativa proletária está em perigo, novamente, porque nós estamos abrindo mão de aceitar que ela não é automática e passiva, e sim um esforço consciente e ativo.

O novo não surge, ele é criado.

Quando vejo animações como essa vejo que o Irmão-Capitalismo continua seus avanços pós-pandemia, e que está tentando, pela distorção, eliminar quaisquer outras interpretações de mundo que não se alinhem com a dele.

Contudo a nova cultura proletária está surgindo, portadora de uma vitalidade pessimista que sonhos tolos e confusos não conseguem equiparar.

Acho que finalmente posso terminar com uma fala de Constantine:

“Eu sou só um carinha comum, com necessidades comuns, tipo comida, abrigo, sono, sexo, diversão e um mundo seguro pra curtir tudo isso. É tudo o que a maioria das pessoas quer. É o que nós, pobres camaradas descomplicados queremos. Somos inofensivos. As pessoas extraordinárias é que são perigosas”.

Por isso o acho um sindicalista profano: tudo o que ele quer é que impedir que essas classes dominantes, místicas ou não, bem-intencionadas ou não, intervenham nas vidas dos comuns como ele.

E NÃO É ESSA A FUNÇÃO REAL DE TODO O SINDICATO?

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).