HELLBLAZER — ORIGENS VOL.08: A HORRORISTA (…) [QUADRINHO] (2000):

O Sindicalismo Profano e sua paixão pelo Terrorismo Ubuntu.

Alguns anos atrás, em 2012, quando Jamie Delano (1954) veio ao Brasil lançar seu quadrinho Nação Fora da Lei, eu acompanhei uma palestra sua em que perguntei: “Em seus quadrinhos o senhor disse que John Constantine era um proletário, só que esperto, então minha pergunta é: Jamie Delano é um proletário esperto? ”

Essa pergunta vem do fato de ele ter parado de escrever HellBlazer devia a ter afirmado que estava ficando ele próprio tão canalha quanto John Constantine.

Depois de uma breve confusão entre os tradutores que ficaram meio assustados em traduzir a palavra “proletário” para o Delano (as pessoas gostam de ouvir notícias que tem o título “estupro”, “abuso”, “assassinato”, “assédio”, “pedofilia”, “sofreu racismo”, mas a palavra “proletário” parece ser mais impactante: o sistema capitalista ainda tem medo desse nome), o autor inglês respondeu apenas

“SIM”.

Essa narrativa ajuda a explicar o que será debatido nesse quadrinho ótimo, de um dos poucos quadrinhistas que sim, identifico como da esquerda trabalhista.

Há muito tempo que a classe trabalhadora, inclusive inglesa, foi contaminada com machismo, misoginia, abuso sexual e racismo recreativos: produções que parecem denunciar a permanência economias políticas com viés organizativo biológico no capitalismo , mas que em verdade servem a um fetiche sádico de olhar o sofrimento dessa vítimas sejam elas nacionais ou outros povos.

AS CAMPANHAS DE CARIDADE DE GENTE COMO LUCIANO HUCK (1971-) E O GUGU LIBERATO (1959–2019) E MUITOS DOS PROGRAMAS DE AUDITÓRIO TÊM ESSE VIÉS.

Sendo assim, onde deveria haver indignação perante as condições que o colonialismo e o neo-colonialismo impôs há várias partes do mundo, seja em países como Moçambique, Sudão, Burkina Faso e mesmo em regiões do Brasil, como Brumadinho, o sofrimento de outras classes trabalhadoras é tido como uma forma de nos conectarmos a nosso sofrimento sem derramar uma gota do próprio sangue.

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ESSA ATITUDE PODRE SE CHAMA “CARIDADE”, COISA QUE É DE RICOS QUE PRETENDEM LAVAR DINHEIRO DESVIADO DE SUAS PRÓPRIAS EMPRESAS OU ARRECADAS VERBAS EXTRAS.

Mas o problema aqui é quando alguém como Delano resolve escrever sobre isso.

PARECE QUE SÓ O HORROR E O TERROR TÊM A CORAGEM DE ENFRENTAR O MEDO DE NARRAR A VIDA CULTURAL DA CLASSE TRABALHADORA.

Então aqui a situação espiritual (no sentido cultural) da classe trabalhadora inglesa será debatida.

John Constantine está em uma terrível crise consigo mesmo, porque não está em crise consigo mesmo: depois de anos em sua atividade de “sindicalista” do profano, o diabólico proletário esperto está simplesmente insensível ao sofrimento daqueles que estão a seu redor. Constantine não consegue mais se conectar com os humanos e isso impede que execute seu trabalho adequadamente. Ele simplesmente não desistiu nem consegue continuar. Coisa de trabalhador estressado.

Isso tudo muda quando ele vê um pôster na rua de uma propaganda sobre moda anoréxica de uma jovem negra. Constantine identifica nela uma “horrorista”, uma espécie de “terrorista do sobrenatural” que tem perseguido nos E.U.A. os membros da classe trabalhadora que por ventura participaram de massacres em países como Sudão, Vietnã, México e outros.

O HORROR DA PERIFERIA DO CAPITALISMO VEIO ACERTAR AS CONTAS COM a CLASSE TRABALHADORA ESTADUNIDENSE.

Justamente o nome dado a essa moça por seus pais adotivos evangélicos estadunidenses foi “Angel” (“mensageira”): não sei se é influência da música de mesmo nome da banda de trip-hop Massive Attack (1981-) que tem um dos mais aterrorizantes clipes que já vi sobre cultura negra inglesa. Vale a pena conferir.

Constantine descobre que a foto de Angel na propaganda foi tirara em um campo de refugiados no Sudão e que o fotógrafo, por um veterano de reportagem fotográfica de áreas de conflito (leia-se “onde o capitalismo faz suas merdas e ninguém liga”) e que vendeu para uma revista de moda que tirou o fundo da foto (seu contexto, sua história) para uma propaganda de revistas como a ELLE.

A DOR DA PERIFERIA SEMPRE FEZ BEM PARA A ESTÉTICA DO CAPITALISMO, TANTO EM TERMOS LABORAIS, QUANTO IMAGÉTICOS.

Angel não está se vingando, está agindo como terrorista, ou seja, buscando justiça sendo um exército menor atacando a população civil que apoia silenciosamente esse tipo de horror. Ela está travando uma guerra de uma mulher só.

Isso faz com que Constantine fique muito atraído por ela.

Ele deseja entender o que a move, para uma vez mais voltar a sentir o que o move.

ISSO EXPLICA PORQUE A ELITE BRASILEIRA (DE DIREITA E DE ESQUERDA) TENDE A SE MOBILIZAR MAIS PELA PALESTINA DO QUE PELO JARDIM ANGELA, PELO JARDIM STO ANTÓNIO, PELA FREGUESIA DO Ó, OU POR QUAISQUER OUTRAS PERIFERIAS: PORQUE NÃO CONSEGUE ENCARA DIRETAMENTE QUE PARTICIPA, ATIVAMENTE, DO HORROR CAPITALISTA EM TERRITÓRIO NACIONAL

Se você ler esse quadrinho se sentir mal, parabéns, você é humano.

Mas se ler e entender que Angel está certa você é alguém alicerçado na cultura proletária, ou seja, um canalha, um sínico, um monstro ou simplesmente, uma impiedosa mulher que não acredita em direitos humanos e nas instituições democráticas, uma presidente que sofreu impeachment num país sul-americano, uma feminista radical recalcada, um comunista safado, um blackblock, um anarquista vagabundo, um grevista safado, um negro metido e arrogante que se acha intelectual, ou seja:

UM PROLETÁRIO OU PROLETÁRIA BASTANTE ESPERTOS.

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Que outros elementos ajudam a entender isso?

A arte de David Lloyd (1950-) (escrevi um artigo sobre ele anos atrás para a faculdade sobre um álbum dele sobre São Paulo e o contatei por e-mail: ele foi de uma gentileza impar em me passar informações de suas técnicas, desconfio que os ingleses gostam de outras classes trabalhadoras) continua sendo aterrorizante e coisas como venda de jovens pelos próprios pais ou assassinato de habitantes de rua por comerciantes ficam ainda mais aterrorizantes.

CONSTANTINE ESCRITO PELO DELANO TOMA TODAS AS MAZELAS POSSÍVEIS DA CLASSE TRABALHADORA INGLESA E AS APRESENTA COMO CONTOS DE HORROR: GUERRA, AIDS, HOMOFOBIA, VIOLÊNCIA HOOLIGAN, EVANGELISMO, CULTURA PUNK, NEGRITUDE VÃO SER APRESENTADOS COMO CONTOS DE HORROR SOBRE E PARA A CLASSE TRABALHADORA.