FRANGO COM AMEIXAS [QUADRINHO] (2004):

Sombrionauta
9 min readMay 23, 2024

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OS HOMENS DA SATRAPIA.

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Introdução

Eu acho uma diversão só essas discussões sobre “Ocidente” e “Oriente’. Porque do jeito que são apresentadas, até parece que os dois não foram invenção do CRISTIANISMO (110) junto com o Irmão Capitalismo desde os seus primórdios lá nas CRUZADAS (XI — XIII). Pelo menos é o que o EDWARD SAID (1935–2003) explica em suas várias obras. Logo essa oposição “Oriente X Ocidente” é mais para vender crucifixos, santinhos e armas de destruição em massa para genocídios na Palestina, do que qualquer coisa.

ALGUÉM PODERIA DIZER QUE O ESTADO DE ISRAEL NÃO É CATÓLICO, MAS BOBINHOS, PARODIANDO NOSSO QUERIDO LIBERAL HISTORIADOR BENEDETTO CROCE (1866–1952):

DEPOIS DO CAPITALISMO, SOMOS TODOS O LEOPOLDO II (1835–1909)

Para depois pedirmos desculpas e a bênção do Capitalismo e seguirmos nossas vidas sobre os cadáveres daqueles aos quais pedimos perdão.

BOM, É UMA MARCA DO CRISTIANISMO E DEPOIS DO “OCIDENTE” PEDIR PERDÃO PARA ORIENTAIS MORTOS, TORTURADOS, ESPANCADOS, CRUCIFICADOS E EMPALADOS, LOGO APÓS SUA EXECUÇÃO POR ALGUM IMPÉRIO QUALQUER.

Faz parte do nosso genocídio recreativo.

Até podem fazer Igrejas para eles depois. Sempre foi um bom negócio culpar as vítimas e defendermos canalhas arrependidos que foram os assassinos das primeiras. Vide SAULO, digo PAULO DE TARSO (5–67)

NESSE OBRA QUE RESENHO, UMA DE MINHAS QUADRINISTAS PREFERIDAS MARJANE SATRAPI (1969) APLICANDO ESSA FÓRMULA MILIONÁRIA E “OCIDENTAL” EM SUA FALSA “NARRATIVA ORIENTAL”.

Esse quadrinho é sobre isso.

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UMA OLIMPIANA ORIENTAL

Como sempre, discutindo a masculinidade no “Ocidente”, devemos debater seu grande fundador, ALEXANDRE, O GRANDE (356–323 A.E.C.). Que parece que nunca sai da pauta do SOMBRIONAUTA .

FAZER O QUÊ? A CULTURA CAPITALISTA IMPERIALISTA E A DE SUPER-HERÓIS, NUNCA CONSEGUIU ABANDONAR COMPLETAMENTE O MODELO DO MACEDÔNIO. PERGUNTE AO ALAN MOORE (1953) QUE ELE EXPLICA.

Mas o fator que me parece mais interessante aqui é um dos lados menos abordados da formação desse machismo. O modelo que o sistema de casamento heterossexual irá tomar para si, planejado pelo pai de ALEXANDRE, FILIPE DA MACEDÔNIA (382–336 A.E.C.).

Nesse modelo, que me parece bem parecido como o que foi montado por RÔMULO (771–717 A.E.C.) quando dos rapto das Sabinas, que falei anteriormente e que o FACEBOOK (2012) me bloqueou por conta disso, as mulheres de outros povos podiam ser capturadas e usadas como esposas, e elas aceitavam isso, por conta da coação e do suborno que é oferecido por seus captores.

BOM, MAQUIAVEL (1469–1527) SEMPRE DISSE QUE AS PESSOAS, E MUITA GENTE NÃO GOSTA DE ADMITIR QUE ISSO INCLUI MULHERES, SE DOBRAM AO MEDO OU AO SUBORNO.

Nesse modelo de alianças é que FILIPE veio a se casar com OLYMPIA (375–316), que a meu ver é um dos grandes modelos de mulheres usados pelo “Ocidente”: uma mulher forte que apoia um homem habilidoso, porém fraco. Quando ela não fez isso por FILIPE, embora o HEGEL (1770–1831) afirme que isso é mentira, fez por ALEXANDRE.

É esse modelo de montagem de personagens que Satrapi apresenta nessa obra, aliás em todas as delas, talvez com exceção… não, não tem exceção, que pode ser sintetizada dessa forma:

HOMENS FRACOS PÚBLICOS APOIADOS POR MULHERES FORTES INVISIBILIZADAS.

Quem gosta de discutir isso também é nosso SIR RIDLEY SCOTT (1937)

Logo, esse é um clássico modelo “Ocidental” de narrativa política, que por sinal SHAKESPEARE (1564–1616) reproduz em MACBETH (1611) .

AS CONFISSÕES DE MARJANE ROUSSEAU.

Essa é a grande sacada de Satrapi, modelar memórias em sistemas formais narrativos clássicos. Isso deve ser devido a ela e sua família serem de uma classe de pessoas razoavelmente “universais” no mundo “Ocidental”: uma pequena burguesia de tendência marxista.

Sua família pequeno burguesa lhe pagou os melhores estudos , além de ela ter o mestrado em Comunicação Visual pela FACULDADE DE BELAS ARTES DE TEERÃ (1982). Convém então perceber algumas coisas que geralmente passam batido com a obra dela.

Primeiro, o traço que ela usa é bem característico de um nicho de quadrinhos que faz bastante sucesso no mercado de quadrinhos autobiográficos, que em certa medida foram colocados em funcionamento pelo maior e talvez mais pilantra dos escritores de quadrinhos o fabuloso WILL EISNER (1917–2005): suas obras evocaram memórias várias vezes, usando um sistema de confissões que nós conhecemos bem “Ocidente”, idealizado pela maior filósofo, e safado, do mundo político da MODERNIDADE (XVII -XX) JEAN JACQUES ROUSSEAU (1712–1778)

Se você ler AS CONFISSÕES (1782) que cobre os primeiros 50 anos de vida de nosso querido pai do Sistema Político Capitalista Moderno (junto com francês que gosta de escrever cartas persas, o MONTESQUIEU (1689–1755), verá um sistema literário desse tipo de quadrinho: alternar o ridículo e o sublime.

É UM ESQUEMA INFALÍVEL: CONFESSE ALGUMA FALHA MORAL, NA VISÃO DE QUEM LÊ, LOGO, EM PÚBLICO, E EM SEGUIDA COMUNIQUE UM JULGAMENTO RACIONAL OU MORAL.

Quem explica isso é uma das leitoras de ROUSSEAU, GEORGE SAND (não, não falei errado, porque esse é o pseudônimo de AMANDINE AURORE LUCILE DUPIN, 1804–1876: pelo jeito mulheres terem de se disfarçar em homens ficcionais que elas mesmas criam, não é uma novidade).

Então a narrativa confessional, desde ROMANOS, a EPÍSTOLA (53–54 ?), não o Império, evidencia que o “Ocidente” aprecia a confissão de gente desprezível, desde que seja homem, e maltrate mulheres como bem aquele rapaz que parece ter Hibristofilia, MICHEL FOUCAULT (1926–1984), mostrou quando falou de uma de suas paixões PIERRE RIVIÈRE (1815–1840).

Podia ter dito homem, heterossexual e branco, mas aí o JEFFREY DAHMER (1960–1994) não entraria: bom, dois de três é um bom score.

Essas são as estruturas narrativa por trás da “memória” eu será apresentada, pela nossa escritora de livros infantis para adultos, como se algum não fosse, como bem WALTER BENJAMIN (1892–1940) mostrou embora o HANS CHRISTIAN ANDERSEN (1805–1875) diria que o BENJAMIN fala isso deles porque só os entendeu depois de ser um adulto.

JÁ O FREUD (1856–1939) PERGUNTARIA QUE MENINO, MIMADO POR UMA MÃE, NÃO É O PAI DO HOMEM.

A PALAVRA É PRATA, O SILÊNCIO É OURO E OS QUADRINHOS SÃO FRANCOS.

Satrapi, como todos os quadrinistas, e outros produtores de histórias em quadrinhos está combinando suas próprias memórias como contos folclóricos (palavra complicada, mas a que está disponível hoje) oriundos do que chamamos de “Oriente” criando um mundo de fantasia que só dá certo porque ela é astuta demais, ou leu muito bem MAURICE HALBWACHS (1877–1945) e sabia que deveria, para ser incluída no mercado, dosar exotismo e repetição.

Então em sua narrativa temos a combinação de um homem fraco, tolo, preguiçoso, ou seja, um artista, e sua constante falta de capacidade de amar quem ele deveria de fato.

TRADUZINDO, UM FAMOSO MÚSICO FRACASSADO CASADO. BOM, E QUE ASTRO POP NÃO É ISSO?

Aqui é outro estereótipo clássico, e estereótipo como bem explicou EISNER, são fundamentais para a produção de histórias em quadrinhos: pois é necessário que as pessoas leiam e apreendam rapidamente o personagem que estão fruindo. Logo isso faria com que as histórias em quadrinhos, e todos os outros meios de comunicação de massa, terem tendência a serem conservadores.

O GRANT MORRISON (1960) RIRIA MUITO DISSO, JUNTO COM O ANDRÉ BRETON (1896–1966) ENQUANTO ELES ESTIVESSEM AMBOS CAVALGANDO TOMATES.

E creio que perguntariam a Satrapi se ela queria dar uma volta com eles.

Ela vai construindo esses quadrinhos usando recursos que são próprios dos quadrinhos confessionais autobiográficos, como o uso de um traço simples para que o leitor pense que está adentrando memórias infantis, pouco cenário, e constantes diálogos enormes focados principalmente nos rostos dos personagens.

Assim os objetos e as pessoas apresentadas não denunciam ou dificultam um problema simples: porque não é tão complicado ler quadrinhos de uma iraniana francesa?

PORQUE ELA ESTÁ ESCREVENDO COMO UMA FRANCESA IRANIANA QUE PRECISA PAGAR O ALUGUEL, ORAS.

Assim tudo é mais icônico do que realmente realista, porém a boa prosa dela, e uma dose cavalar de suspensão de descrença, estão impedindo que percebamos que nosso estranhamento a uma cultura “exótica” é muito baixo.

Talvez o único elemento que nos traria isso, e que em verdade entra como exotismo, é o instrumento apresentado por ela, um tar (não confundir com TÁR [FILME] (2022) a maestra que é estereótipo do feminismo liberal) , que pertence a Nasser Ali Khan, tio-avô de Satrapi, segundo ela diz (?) nos paratextos.

PORÉM, SEI NÃO, ELA ME PARECE TÃO VERDADEIRA AQUI QUANTO O NEIL GAIMAN (1960) FOI EM SANDMAN, CAÇADORES DE SONHOS (1999).

SATRAPI SHERAZADE.

Se você vir a assistir ao filme que foi feito sobre esse quadrinho em 2011, ele tenta evitar ainda mais o estranhamento, substituindo o tar por um violino. De resto é tudo muito previsível. Parece que a narrativa de contos de fadas, ou de gênios, que Satrapi usa, não é muito funcional para o cinema, não que isso a impeça de tentar. Só recentemente, com a MARVEL STUDIOS (1993) é que se entendeu como fazer a transmídia adequada da narrativa de quadrinhos para o cinema.

PENA QUE A DISNEY (1926) ODIOU ISSO.

Talvez porque o que nos importa na narrativa de Sartrapi é menos o conteúdo, que é para lá de convencional e sim o modo como ela narra, que se assemelha a um método de narração próprio do presentismo que nos acomete atualmente nas mídias, e portanto, na ficção mais institucionalizada: a ambivalência moral

Esse estilo é usado brilhantemente por toda a forma que a iconologia desse quadrinho é organizada, como bem SCOTT MCCLOUD (1960) explica: assim o grande exotismo que é provocado em nós é como a vida de Khan nos é narrada em ondas, sem revelar muito bem como se dá a trama dessa fábula para lá de batida.

Tal retórica vem da literatura, e, se não me engano está presente nas tragédias gregas, como ÉDIPO REI (427 A.E.C.), onde o futuro é apresentado e depois começamos a passear pelo processo em que ele se deu.

O CLÁSSICO MODO DE NARRAR DO MUNDO ANTIGO: PRESENTE, PASSADO, FUTURO.

Esse tipo de narrativa de memória-escritura-melancolia está presente nas origens, discutíveis das MIL E UMA NOITES (IX), conjunto de fábulas que circulam com esse nome no “Ocidente” há alguns séculos e que provavelmente é inspirada na obra HAZAR AFSAN (MIL FÁBULAS, III-VII): nesse estilo formal textual se supõe uma repetição constante de narrativas para leitura diária.

ENFIM, UM PROCESSO INDUSTRIAL DE NARRATIVAS, QUE PRECEDEU OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA (?)

Sim, meus caros, mas não deveria ser uma surpresa para nós, afinal quando os romanos derrotaram os cartagineses na PRIMEIRA GUERRA PUNICA (264–241 A.E.C.) fizeram uso de tal produção em nível náutico.

A cultura material então aponta que processos industriais de meios de comunicação não criam massa, ou seja, público portador dos meios para ter uma opinião pública.

Alguns achariam isso estranho, mas se vão brigar com alguém é melhor que seja com o PROFESSOR ULPIANO DE MENESES (1936) .

PARA EXISTIR UM PÚBLICO DE MASSA É NECESSÁRIO HAVER O MUNDO QUE CRIOU ROUSSEAU.

Enfim, como perceberam eu usei tudo que expliquei nesse texto sobre vocês, usando um estilo clássico das massas: e enrolação.

PORQUE ATÉ AGORA VOCÊ NÃO SABE EXATAMENTE DO QUE FALA ESSE QUADRINHO, NÃO É?

Esse estilo de escrita se chama CARTUM

E VIVA HENRI DE TOULOUSE-LAUTREC (1864–1901)

POST SCRIPTUM

Ah queridos, tudo pode ser adaptado para outra mídia, desde que você entenda da mídia que criou a narrativa, e a que vai receber. Esse é o erro que se faz em adaptações-traduções.

Susana Kampff Lages(?) bem sabe disso.

Esse tipo de narrativa que comuniquei a vocês é bem hermético e cheio de referências, justamente para entenderem que fazer mídia de entretenimento com referências acadêmicas é duro, porém possível.

BASTA VOCÊ LER A ESTRUTURA ALÉM DA FORMA E DO CONTEÚDO.

Sendo assim, uma boa vida e cuidado com a MATRIX , digo, com Irmão-Capitalismo manipulando as suas narrativas de desejo.

FICHA TÉCNICA

FRANGO COM AMEIXAS [QUADRINHO] (2004) — TITULO ORIGINAL:POULET AUX PRUNES — PÁGINAS :83 — NACIONALIDADE :2004 — ROTEIRISTA:MARJANE SATRAPI — DESENHISTA: — DISPONÍVEL (ATÉ O MOMENTO DA PUBLICAÇÃO):AMAZON.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).