DUNA - PARTE 02 [FILME] (2024):

Sombrionauta
9 min readMar 16, 2024

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A GRANDE FAMÍLIA.

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Introdução.

Fabuloso como o golpe do príncipe encantado sempre funciona. Alguns diriam que isso é batido e repetitivo, mas não o seria se não desse certo. Não por causa de alguma imbecilidade ou ignorância por aquelas, e aqueles que são vítimas desse conceito. E, sim, sua funcionalidade.

PORQUE PRÍNCIPES SÃO UMA POSIÇÃO POLÍTICA MAIS VELHA DO QUE REIS E QUE SÃO RESPONSÁVEIS PELA CRIAÇÃO DE IMPÉRIOS GERALMENTE.

Sim, não esqueçam que a noção política de príncipes é anterior ao dos reis. E sempre foi mais eficiente, desde o apolíneo dionisíaco ALEXANDRE, O GRANDE ( 356–323 A.E.C.). Ela tentou ser reproduzida durante os RENASCIMENTOS (XIV - XVI) e seu sucesso deu origem à MODERNIDADE (XVII - XVIII). Dois historiadores falaram bastante disso, o primeiro é o atualmente quase onipresente citado em todas a igrejas neopentecostais, e no canal O HISTORIADOR de CARLITO NETO (?), que também é neopentecostal, por sinal, MAQUIAVEL (1469–1527).

Porém o florentino era limitado e seus escritos sobre o período não conseguiram chegar ao final do processo para fazer um balanço. Isso explica sua Teoria da História ser tão pragmática, por ser literalmente usada durante a prática política.

E TAMBÉM POR ELE TER CAÍDO EM DESGRAÇA: MAQUIAVEL SABE BEM ONDE ESTÁ A LEALDADE NA POLÍTICA.

Todavia, outro seguidor do pensamento maquiavélico, JACOB BURCKHARDT (1818–1897), conseguiu completar a obra maquiavélica de análise do poder moderno, justamente por estar no final da MODERNIDADE. Suas conclusões irão criar a terrível consciência que irá moldar em seu aluno, NIETZSCHE (1844–1900) uma feroz crítica do mundo, que muitos confundem com misoginia ou machismo, ou talvez não, porque misoginia e machismo não são preconceitos e sim, projetos de economia política, como ENGELS (1820–1895) percebeu.

QUE A BASE DAS ALIANÇAS QUE OS PRÍNCIPES USAM SÃO EM VERDADE CASAMENTOS MISTOS, POR AMOR OU NÃO, DEPENDENDO DA CONVENIÊNCIA DE SEUS PROJETOS DE PODER

Esse filme é sobre isso.

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EROS LUDUS

Como havia falado anteriormente sobre a parte um dessa obra, é encantador como volte e meia o Irmão-Sistema gosta de recontar a jornada de ALEXANDRE MAGNO , porém ela esbarra em dois problemas sempre, caso seja documental:

A HOMOSSEXUALIDADE DO MACEDÔNIO E SUA DERROTA NA ÍNDIA.

Assim esse mito, tem muito de grego, logo, trágico, enfim, inevitável. Os poderosos príncipes sempre têm finais horríveis, porque eles destroem os mundos que os criaram e não consegue viver nos que criam.

BURCKHARDT PERCEBEU BEM ISSO.

Então o mito do tirano eterno que gente como os FASCISTA (1919) sempre defenderam tende a não ser uma verdade. Por isso sempre se tenta combinar isso com o eterno retorno, falso, proposto na mitologia cristã, e sustentado por constante manipulação biológica, cruzamentos de linhagens, eugenia e genética. E mesmo assim isso tudo tende a falha, como bem a REVOLUÇÃO RUSSA (1917–1922) PROVOU.

Aqui neste filme, que como falei é um pastiche de imperialismos tenta-se fazer uma aberração eugênica funcional, um sangue puro mestiço.

E TEM OUTRO TIPO?

Porém essa mestiçagem é cultural, semelhante a proposta pelo HELENISMO (323–146A.E.C.), ou seja, da construção de uma elite biologicamente constituída, casada com a elite biológica dos locais que pretende dominar, e que é treinada e orientada por ela nos modos culturais e religiosos do povo dominado.

ESSAS SÃO AS FUNÇÕES HIERÁRQUICAS DE LADY JESSICA (REBECCA FERGUSON), PAUL ATREIDES (TIMOTHÉE CHALAMET) E CHANI (ZENDAYA).

O velho esquema alexandrino, ou melhor, filipino, de poder pelo matrimônio: mãe bárbara (OLÍMPIA (376–316 A. E. C.), que cria filho mestiço (ALEXANDRE), que se casa com uma bárbara (ROXANNA (340–310)) de outro local.

Por toda a produção então se desenha uma batalha grandiosa, e tediosa em termos intelectuais, entre os poderes dados por tais elites biologicamente construídas. DUNA traz de volta o cinema épico que tal qual a teatro épico e a literatura épica vem a valorizar o momento em que uma casa nobre é derrubada e alguém dessa casa é eleito o príncipe vingador.

UAI, ELEITO?

Sim, meus queridos, eleito: se tem um benefício histórico nessa produção é demonstrar que Imperadores e Reis, em verdade, existem dentro de um consenso eleitoral, no qual dependendo dos interesses, são derrubados ou empossados pelas outras casas nobres que fazem parte de sua base de poder.

VASSALAGEM, ONDE SE DISTRIBUI O PODER, PARA QUE ELE NÃO SE UNA JAMAIS.

PRAGMA STORGE.

Então a grandiosidade aqui é que justamente esconde o quanto as relações de poder da nobreza são para lá de promíscuas, e isso é uma máxima que se mantém na política de estado planetária, ou mundial, ali apresentada.

Tal grandiosidade são as belas cenas panorâmicas com enormes máquinas de guerra, mineração e navegação. Todas inspiradas em fotos históricas e documentários, geralmente nazistas, principalmente quando se apresenta os não-antagonistas de nosso Paul — QUE TEM MAIS SOBRENOMES DO QUE O D. PEDRO I.

Cada nome dele é uma aliança, e isso é uma marca de quanto os inimigos não passam de parentes que no futuro irão reatar laços, depois de matar alguns de si.

Os não-antagonistas são os Hadouken, porque em verdade todas essas casas são aparentadas umas das outras e suas possíveis rivalidades acabam sendo sanadas por guerras, que tendem a se resolverem depois de algum derramamento de sangue, e a punição dos devidos bodes expiatórios, ou seja, o pessoal que não conseguiu tomar o poder, ou aqueles que falharam em se defender.

RESUMINDO DUNA É UM ENORME CASOS DE FAMÍLIA COM EXÉRCITOS.

Talvez isso explique seu sucesso, pois quem não teve disputas familiares por propriedades no seio de sua família?

UM DOS ASPECTOS MAIS IMPACTANTES DA OBRA DE MAQUIAVEL E QUE POUCO OS HISTORIADORES DA CULTURA POPULAR TRATAM: POR ISSO NÃO ENTENDEM PORQUE GENTE COMO A FAMÍLIA DO PRESIDENTE ANTERIOR TEM TANTO APELO ELEITORAL.

Assim por trás do exotismo, da sci-fi opera, dos belos rostos e seres descomunais, em verdade estamos assistindo apenas a mais uma tradicional guerra pelo pode territorial sendo travada por uma mesma grande família.

DUNA NESSE SENTIDO TEM O MELHOR DA CULTURA POP: MOSTRA QUE EXISTE DE FATO UMA COMUNIDADE, UMA QUALIDADE COMUM, ENTRE AS FAMÍLIAS DA NOBREZA E DAS CLASSES TRABALHADORAS: UMA REDE DE FAVORES E DE APOIO, QUE É ATIVADA EM CASO DE EMERGÊNCIA, MAS QUE ELA MESMA COBRA SEU PREÇO SANGRENTO. LITERALMENTE.

Foi contra tudo isso que se insurgiu a REVOLUÇÃO RUSSA, ao fundar a UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS (1922–1991): pois a melhora tradução desse nome seria UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SINDICALISTAS.

AS RELAÇÕES TRABALHISTAS E EMPREGATÍCIAS ACIMA DAS FAMILIARES, COMO BEM PREGAVAM OS FILHOS DE JÓ, OS JACOBINOS.

Para evitar isso é que a produção tende a apresentar um exército industrial, mas nunca o exército industrial de reserva.

EM DUNA NÃO APARECEM TRABALHADORES, NEM MESMO ESCRAVOS, QUANDO MUITO, CONCUBINAS.

PHILOS MANIA.

Mas se não temos trabalhadores nem escravos, temos sim, interesses imobiliários e de mercado. Tudo continua sendo centrado no tráfico de especiarias, no combate constante que os Fremen mantém contra as forças Imperiais colonizadoras.

Nesse sentido um dos grande modelos de filmagem da produção é a REVOLTA MADISTA (1881–1899), apresentando os resistentes à forças dos mercadores como fanáticos tolos enganados e manipulados por Stilgar (Javier Bardem) o líder de uma das “tribos” a Sietch Tabr.

É digno de nota perceber que o palestino literato EDWARD SAID (1935–2003) estava mesmo correto em suas obras ao perceber como o chamado “ocidente” (mais conhecido como Capitalismo Europeu e Estadunidense) tende a projetar no seu duplo construído, o “oriente” tudo o que despreza sobre si mesmo: fanatismo religioso, populações violentas, duras e fortes, porém ingênuas e sistemas de moral ultrapassados perante a tecnologia “moderna”

NEGO DEVIA MESMO LER O AILTON KRENAK (1953) .

Por não ler, fazem com a construção dos povos de Duna o mesmo que fazem com os povos originários, ou seja, misturam tudo e todos os tempos.

Por exemplo, as cenas em que Paul e Chani estão lutando contra as máquinas voadoras dos colonizadores, e usam foguetes para derrubá-los lembram muito o uso que os afegãos mujahedins fizeram de foguetes FIM-92 Stinger, fornecidos pela CIA (Central Intelligence Agency, ou, Agência Central de Inteligência, 1947), para derrubar aeronaves soviéticas.

Aliás, tem uma outra cena dos desfiles militares Hadouken que parecem ser inspiradas nos desfilies militares da extinta URSS.

Mas como a produção não quer reconhecer a existência de massas, todos ali lutam mais com lâminas do que com armas de fogo, tradição inspirada na PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914–1918) e reproduzida incessantemente pela franquia de ficção científica conservadora STAR WARS (1977), e que provavelmente foi inspirada na tira de jornal FLASH GORDON (1934).

Pensando bem, dificilmente esse tipo de space-opera se inspira de fato nos impactos da ciência, sendo que são mais fantasia medieval que usam recursos mágicos disfarçados de ciência de altíssimo impacto.

Tem de fazer isso, porque ela parte de um princípio civilizatório em que a técnica está a parte da cultura, sendo que a cultura em si mesma é uma tecnologia, se tivermos lido os escritos da Escola de Frankfurt (1923).

Se na outra versão desse filme, a de 1984, em que, de maneira brilhante, mostrava que a tecnologia usada pelo Capitalismo do futuro levaria a uma regressão do pensamento político ao feudal.

APENAS ENTRE NO YOUTUBE E PROCURE ESSE TIPO DE CONTEÚDO E ENTENDERÁ.

Então o antigo filme era muito mais visionário do que este, porque não apresentava Fremens como bobos fanáticos e criticava bastante a falta de uma organização política mais democrática.

PARECE QUE O DIRETOR DENIS VILLENEUVE (1967) FINALMENTE ENTENDEU QUE O CAPITALISMO QUER PRODUÇÕES QUE AJUDEM NESSA TRANSIÇÃO DE RETORNO AO PENSAMENTO FEUDAL EUROPEU.

O “ocidente” realmente padece de um narcisismo enorme, que esconde um gigantesco complexo de inferioridade.

PHILIA AGAPE.

Incrível também é como nessa produção a cultura, a educação e as manipulações das intrigas palacianas são promovidas pelas mulheres, tal qual no pensamento medieval, que pode ser conferido até mesmo na organização das peças de xadrez.

Embora Atreides seja peça fundamental, ele não é exatamente a única peça importante do jogo político promovido por essa produção. As mulheres e seus sistema de educação e reprodução estritamente controlados são as verdadeiras promotoras da cultura política, representadas principalmente nas várias Bene Gesserit.

Tal sistema de reprodução orgânica da cultura é representado em sua “voz de comando” que força todos os seus alvos a se submeterem a vontade delas . Elas tanto produzem Paul “Muad’Dib” Atreides por suas manipulações assim como seu suposto “anticristo” Feyd-Rautha (Austin Butler). Tudo ali funciona para manter a estabilidade do Império, quase elas sendo uma espécie de polícia política de costumes.

ELAS É QUE ESTÃO ENGENDRANDO O PODER IMPERIAL DE FATO, MESMO QUANDO SE REVOLTAM CONTRA ELE, TAL QUAL MÃE DE ATREIDES.

Sendo assim todo o pavoroso matronato que apoia o patriarcado é a verdadeira força que move o machismo nesse versão de Duna, o que explica o sucesso que o filme está fazendo.

SE VOCÊ GOSTOU E NÃO PERCEBEU ISSO, MINHA CARA, TALVEZ CONCORDE MAIS COM OS REDPILL DO QUE PENSA.

Para mim esse é a parte mais prejudical desse filme, porque pega todo o machismo e cultura de guerra chauvinista e as reapresenta de maneira grandiosa, coisa que não vi ainda nenhuma organização ou feminista de renome criticar sistematicamente como estou fazendo.

BOM, MUITAS DELAS CRITICARAM UM EPISÓDIO DE LOVE, DEATH + ROBOTS, O PERSEGUIDOR, PARA CAÍREM VÍTIMAS DA VERSÃO DELE MEDIEVAL, NÃO É?

Pobres mulheres modernas, ainda querendo ser princesas da Disney.

POST SCRIPTUM

Sempre acho que o MALCOLM X (1925–1965) era um nerd. Sério. Ele adorava ler e depois de sua prisão, onde finalmente teve acesso a melhor estudo, pode se desenvolver como revolucionário. “Bumpy” Johnson (1905–1968) também. É uma tragédia (não planejada) que homens pretos e negros só tenham acesso ao ensino quando são aprisionados. Por aqui no Brasil o movimento negro não chega nas prisões, onde os setores evangélicos acabam tomando conta da gestão da cultura dos prisioneiros.

ISSO AJUDA A EXPLICAR O NARCOPENTECOSTALISMO .

A NAÇÃO DO ISLÃ soube orientar essa rapaziada percebendo que ela estava aberta a cultura erudita e também ao pensamento revolucionário.

CABE À EXTREMA-ESQUERDA, NEGRA, ABRAÇAR ESSE IDEIA.

Porque, senhores, as prisões são celeiros de revolucionários, e se vocês se recusam a entender isso, são tão racistas quanto qualquer “homem de bem”, só que mais desonestos.

Aprender com os inimigos: essa é uma saída, de quem quer vencer de fato.

VOCÊS QUEREM?

FICHA TÉCNICA

DUNA — PARTE 02 — [FILME] (2024) — TITULO ORIGINAL:PARTE 02 — DURAÇÃO :128 — NACIONALIDADE :E.U.A. — DIRETOR: DENIS VILLENEUVE — ROTEIRISTA: DENIS VILLENEUVE ; ERIC ROTH E JON SPAIHTS — DISPONÍVEL (ATÉ O MOMENTO DA PUBLICAÇÃO):CINEMAS.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).