DUPLO EU [QUADRINHO] (2019):

Sombrionauta
3 min readJun 25, 2020

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A autoimagem é uma coisa a que nós somos submetidos constantemente. Com as redes sociais isso se tornou ainda mais presente. A necessidade de constante aprovação se torna uma demanda a cobrar de outros para desviar o foco de si.

Nesse fantástica História em Quadrinhos da francesa Audrey Lainé somos apresentados ao drama pessoal da autora com sua autoimagem.

Ela é gorda.

AQUI ESTÁ O PROBLEMA, ATÉ MESMO DIZER A PALAVRA “GORDA” É TIDO COMO FORMA DE OFENSA.

Em um mundo que diz aceitar a diversidade, o cotidiano te cobra constantemente ser um padrão.

Por isso não se percebe que o “eu” de nossa personagem-autora navega por algo bem comum nesses quadrinhos intimistas, que é uma descoberta de si mesma, de uma aceitação. O mérito especial dessa obra então é ser uma mulher que se percebe vivendo com um fantasma criado pelo mundo ao redor, porém alimentado por ela mesma.

Quando a autora vai para o médico, sua saúde está perfeita, porém seu IMC (Índice de Massa Corpórea) é tido como algo que não pode ser nem mesmo relativizado.

Muitas críticas falam que a autora tem obesidade mórbida, no entanto, não discutem bem os o que isso significa.

CONVENHAMOS, EXISTE ALGUÉM NESSE MUNDO QUE POSSA SER 100% APROVADO PELA ESTÉTICA MÉDICA CAPITALISTA?

Claro que o médico é homem, e no decorrer vemos toda a sorte de homens que se deleitam em criticar uma mulher gorda quando ela não se rende a seus desejos.

MAS PENSANDO BEM, QUE MULHER NÃO FOI XINGADA POR HOMENS FRUSTADOS?

NUMA DAS MELHORES PARTES DO QUADRINHO, A AUTORA JUSTAMENTE DISCUTE DE ONDE VIRIA ESSE CONCEITO DE SOBREPESO E COMO ELE É PRATICAMENTE INALCANÇÁVEL SEM INTERVENÇÕES CIRURGICAS.

Seguindo esse raciocínio, a própria crítica de quadrinhos, que se arroga de ser liberal e sem preconceitos padece do problema de que a sua base cultural continua sendo a da classe dominante como bem explicou Max Weber.

POR TRÁS DE CERTA LIBERALIDADE, RESSOA UM SILÊNCIO DE DESAPROVAÇÃO DAQUELES QUE NÃO QUEREM O GLAMOUR POR NÃO SEREM UM PADRÃO A SER COMERCIALIZADO.

Semelhante a peça A MERDA (2015) o coração de uma mulher que apenas não consegue se sentir à vontade com seu corpo é desnudado, como ela tem amor, amizade e um bom emprego, e no entanto, não tem um momento de paz quando está sozinha consigo mesmas (não, eu não, errei a digitação do “mesmas”).

Nietzsche e Wittgenstein sempre falaram que o indivíduo deveria aprender a conviver consigo de maneira prazerosa.

NESSA OBRA, APRENDEMOS QUE AS VEZES TER A COMPANHIA DE SI PODE SER MUITO DESAGRADÁVEL.

Ou não?

O duplo citado é em verdade o que todos nós fazemos, criamos perspectivas sobre nós e tentamos nos adequar a elas.

CRIAMOS NOSSOS PRÓPRIOS EU-DEUSES, QUE ENFURECIDOS, AGEM COMO DEUSES ENFURECIDOS.

DEMÔNIOS SÃO EM VERDADE ISSO.

Ali vários dramas das mulheres e sua relação com o mundo si mesmas ficam evidentes, e que são resolvidos (?) pela

CIRURGIA PLÁSTICA?

Quem dera fossem.

Lainé mostra como ela mesma tem os problemas de autoimagem, persistem, agora agravados pelas cirurgias. Apesar da aprovação social pela sua decisão ela está esmagadoramente só.

Belamente ilustrado em tons de vermelho que representam o duplo, e preto, representando a autora, na verdade essas cores representam o contrário.

Finalmente, tentando evitar spoilers, a autora descobre que um deus é apenas um demônio que luta a seu favor.

SÓCRATES GOSTARIA DISSO.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).