FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX [FILME] (2024):

Sombrionauta
10 min readJun 6, 2024

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DESEMPREGADA?

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Introdução

Interessante como um dos modelos de aprendizado é justamente a ignorância: porque ao admiti-la, imediatamente, o conhecimento auferido pela experiência pode encontrar local e morada em nossas mentes, remodeladas para aceitar o que foi aprendido.

Pelo menos foi o que o CHRISTIAN DUNKER (1966) explicou certa vez.

Por isso é necessário aceitar que não saber é parte de aceitar saber, ou pelo menos reconhecer isso. Caso não se aceite a ignorância o erro passa a se interiorizar, vindo a participar de seu conjunto de pensamentos que deixam o conhecimento para se tornarem crenças.

Podemos chamar isso de “ilusões”, porém, dependendo da tecnologia disponível, essa recusa da ignorância pode ser transformada em verdade concreta ou substância.

O que precisamos entender é que nossas crenças, assim como tudo o que existe na substância, ou realidade, é também circunstancial e temporário, pois tudo isso é localizado em determinadas geografias. Em suma, as coisas existem em tempo e espaço, e ao permanecerem nesse fluxo, irão inevitavelmente deixar de o sê-lo.

DEVIR É ALGO REALMENTE INFERNAL.

“Infernal”, porque “inferno” quer dizer algo que está de “interior” ou “inferido” logo “dentro”. Todo o inferno é em verdade uma coisa que está conversando consigo mesma, procurando se superar. O que mantém as pessoas no inferno é elas negarem a ignorância. Por isso o Hades grego é um local onde nada muda: se os seres ali encerrados entendessem a ideia de mudança, novamente, estariam libertos.

NESSA PRODUÇÃO A SEMPRE COLÉRICA FURIOSA (ANYA TAYLOR-JOY) COMEÇA SUA JORNADA PARA ESCAPAR DA ESTRADA DA FÚRIA, PELA ÚNICA VIA POSSÍVEL: COMPARTILHANDO SUA IRA.

Esse filme é sobre isso.

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UM MUNDO FUTURISTA OBSOLETO

A Franquia MAD MAX (1979–2024) tem uma série de fatores que a mantém sempre muito atual, porém existe algo que nela não envelheceu bem. Isso significa que algum de seus conceitos não conseguiu se expressar adequadamente no futuro que previa, o que não é uma coisa imperdoável, se isso fosse um filme posterior aos fatos apresentados no último ESTRADA DA FÚRIA (2015).

O PROBLEMA É ELA SER UM “BEGINS”. E ESSE PROBLEMA É DO DONALD TRUMP (1946).

Eu geralmente não leio críticas das produções que debato, porque tenho dificuldade de lembrar onde li. Mas que fique claro que o que vou falar agora não é meu, e se alguém souber da fonte, por favor me avise.

Bom, é simples:

NINGUÉM AGUENTE MAIS FILMES DE ORIGEM DE PERSONAGENS CONSAGRADOS.

Tem muita gente que estava defendendo o retorno de MEL GIBSON (1956) ao papel de MAX, porem acho que isso é mais saudosismo foram de funcionamento, uma máxima que perdeu sua função, do que uma realidade.

O RETORNO DE HARRISON FORD À FRANQUIA INDIANA JONES (1981–2023) MOSTRA QUE NÃO É TÃO EFICIENTE ASSIM ESSE TIPO DE RECURSO.

O que a meu ver é bem mais simples: acho que o presentismo, que esse retorno estúpido ao passado, essa revitalização do pensamento do pai do nazismo de fato o SPENGLER (1880–1936) deu o que tinha que dar.

EM SUMA: NINGUÉM MAIS AGUENTA, OU ACREDITA E FATO, EM MASSA NO “MAKE A AMERICA GREAT AGAIN”, OU COISA QUE O VALHA.

Talvez porque essa plataforma de retorno a um passado glorioso finamente tenha se mostrado impossível de ser refeita, porque antes tais projetos econômicos políticos culturais se valiam de trazer de volta tempos ancestrais de milênios, ou pelo menos, de centenas de anos, coisa que a memória institucional cuidava de manter ”dourado”.

OS NOVOS “TEMPOS DOURADOS” DEFENDIDOS NAS DEMOCRACIAS TÊM EM MÉDIA ATUALMENTE CERTA DE 10 ANOS OU MENOS, GERALMENTE NÃO CHEGANDO À ANTES DA PANDEMIA DE COVID-19 (2019–2023).

As memórias de nosso último RAGNARÖK são recentes e não morremos, logo o apelo ao “fim do mundo” perdeu um pouco de sua força.

NINGUÉM MAIS ACREDITA PLENAMENTE NOS “FINS DO MUNDO”, COISA QUE AILTON KRENAK (1953) BEM EXPLICOU, E OS PROJETOS POLÍTICOS BASEADOS NELES ESTÁ PAGANDO ESSE PREÇO.

Assim como essa franquia:

NUM MUNDO DE CARROS ELÉTRICOS, FICA DIFÍCIL ACREDITAR NO FIM DO MUNDO POR CAUSA DA ESCASSEZ DE PETRÓLEO.

A PERDA DA MÃO ESQUERDA.

Sendo assim, todos os projetos que se pressupunham a acabar ou evitar o fim do mundo, perderam sua força após a PANDEMIA DE COVID-19.

Entre elas as novas possibilidades de futuros melhores, ou sejam, as utopias. MAD MAX sempre trabalhou no fundo com uma coisa que também estava em um dos filmes da franquia TRILOGIA DAS CORES (1993–1994); A LIBERDADE É AZUL (1993): a indiferença não te impede nem lhe protege de se relacionar com outros.

MAX SEMPRE TENTA FICAR INDIFERENTE AO QUE LHE ACONTECE, PORÉM SEMPRE ACABA, POR CONTA DISSO, SE ENVOLVENDO COM O MUNDO A SEU REDOR.

Isso porque seu trauma lhe concede a mesma frieza calculista de THOMAS SHELBY (2013–2019)

Logo sua brutalidade e suas habilidades de errante inevitavelmente o comparam com um dos grandes mitos dos E.U.A.: do alienígena ou estranho, ou ainda estrangeiro, ou ainda mais, o pistoleiro, que chega e muda a correlação de forças no local onde está, sendo ele heterossexual ou não, como em ATAQUE DOS CÃES [FILME] (2021).

Porém Furiosa é outra força, que convive no mundo de Max, mas não é igual a ele:

TODA A FÚRIA É PARA ALGUÉM, DE MANEIRA DELIBERADA E QUE RECONHECE OS MOTIVOS DE ISSO ESTAR ACONTECENDO: EM RESUMO, A IRA RECONHECE A VERDADE DE PORQUE ESTÁ NERVOSA.

Em sua versão anterior de 2015, Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) era um ser dotado de seu característico temperamento, contudo não era em nenhum momento indiferente, e sim, concentrada em sua compaixão para com as outras mulheres usadas como concubinas por Imortal Joe (Hugh Keays-Byrne).

Furiosa era o conceito de sororidade (compaixão por toda e qualquer semelhante, indiscriminadamente) mais à esquerda ( como fazer isso sem levar em conta classes sociais?) possível dentro do imaginário masculino do que era feminismo: tanto que seu braço mecânico a demarcava como um desses personagens, tal como o Soldado Invernal (Sebastian Stan, 2014), ou mesmo Cable (1986), mas também outra personagem, mais radical ainda que nossas duas Furiosas: Diana Freeman (Jada Harris) a jovem caçadora de LOVECRAFT COUNTRY [SÉRIE] 2020.

Convém então eu lembrar que na Ficção Científica quando o braço esquerdo é substituído por tecnologia robótica é índice que a mente ou o coração do personagem estão em crise.

NESSE PREQUEL, TEMOS OS MOTIVOS DE FURIOSA TER TAMBÉM ESSA TECNOLOGIA, MAS ELA NÃO É MAIS BEM VISTA ENTRE OS FEMINISMOS.

APOCALIPSE ATRASADO.

A proposta desse capítulo era em verdade fácil de resolver com um pequeno diálogo de 10 minutos sobre Furiosa embora a meu ver isso fosse desnecessário por uma questão simples:

QUALQUER MULHER TEM MOTIVOS DE SOBRA PARA SER FURIOSA.

Mas o que lhes falta é tecnologia educacional para tanto. Pelo menos era essa a teoria mais corrente por volta de 2015, quanto os feminismos liberais e radicais se enfrentaram e o último foi cooptado pelo primeiro.

PARA MIM O MARCO CULTURAL DESSA DERROTA É JUSTAMENTE A MORTE DA PERSONAGEM TÓQUIO (ÚRSULA CORBERÓ) EM LA CASA DE PAPEL — 5ª TEMPORADA- PARTE 02 [SÉRIE]- (2021).

Esse também foi o momento da ascensão do movimento QUEER sobre as outras possibilidades de designação sexual, e que marca sua submissão completa ao pensamento mais conservador capitalista patriarcal. Jovens, o machismo é um pensamento do nacionalismo mais imperialista e colonialista possível.

LOGO, SER HOMOSSEXUAL E APARECER NA PAULISTA COM CAMISETA DA SELEÇÃO BRASILEIRA, É MAIS UM VITÓRIA DO TIPO DE PENSAMENTO QUE REPRESENTA NEYMAR (1992) DO QUE O DA MARTA (1986).

Pobre QUEER, seu reinado foi curto e pequeno e parece que todos vão se tornar neopentecostais.

E o que isso tem a ver com esse filme?

ELE PERDEU O TIMING.

Porque o mesmo foi feito para demonstrar que mulheres criadas por outras mulheres fortes poderiam ter a resiliência e habilidade para se tornarem no futuro Furiosas. E, infelizmente, essa crença foi por agua a baixo.

O Feminismo Radical como um todo, nunca conseguiu entrar em pautas sérias e embora tenha tido boas intervenções sociais, inclusive no Brasil por meio do coletivo SANGRA (2020), mas brigas internas o levaram ao ostracismo .

AS “BRIGAS INTERNAS”, É QUE ELAS CAÍRAM NO VELHO BORDÃO DE ORWELLIANO DE “ALGUMAS MULHERES (BURGUESAS) SÃO MAIS MULHERES DO QUE OUTRAS (POBRES), SEGUNDO FOFOCAS DAS FEMINISTAS LIBERAIS.

Então o conjunto de ideias mais modernas que essa franquia já defendeu, a do feminismo radical e a criação de mulheres fortes e astutas o suficiente para que pudessem defender outras mulheres já havia sido esvaziado.

ISSO JUNTO COM A PANDEMIA DE COVID-19, A NOÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO IMINENTE DO MODELO DE COMBUSTÃO PETROLÍFERA AUTOMOTIVA, FIZERAM COM QUE SIMPLESMENTE SOBRA-SE A AÇÃO PARA ESSA DISTOPIA SE MANTER.

Porém reconheçamos: ela ainda é fabulosa.

AINDA IRADA.

Eu poderia fazer um resumo desse filme, mas todo mundo que ouviu falar dessa franquia sabe que ela se resume a :

SAIA DO PONTO A. SEJA PERSEGUIDO/PERSEGUIDA. MATE TODOS OS DESGRAÇADOS QUE ESTÃO TE PERSEGUINDO. CHEGUE AO PONTO B E VOLTE. MATE TODOS OS DESGRAÇADOS QUE POR VENTURA AINDA ESTÃO TE PERSEGUINDO.

O que conta não é essa fábula, mas sim, a trama dos personagens, porque é isso que importa nessa distopia, a linguagem corporal que expressa seus sentimentos.

Isso é difícil de conseguir: assim dou meus parabéns e um pedido de desculpas para Anya Taylor-Joy porque sua Furiosa é tão boa quanto a de sua predecessora. O olhar dela sempre traumatizado, sempre concentrado, faz com que sintamos que ela está presa naquela situação, mas que está pensando em formas de superá-la.

Todos os personagens são muito bons nessa produção, porém a imprensa parecia com preguiça de assistir ao filme e já colocou na conta dessa atriz o fracasso do filme, dizendo que ela não estava interpretando à altura de Chris Hemsworth como Dementus.

TOLICE DE BOBO QUE NÃO SABE PENSAR ALÉM DA ESCOLA DE CINEMA DE ARTE E SE ACHA O SCORCESE (1942).

Dementus é um interessante antagonista, porque ele faz uma coisa que não foi permitida naquele pseudo filme feminista da CAPITÃ MARVEL (2019): levanta uma dúvida de método.

Em dado momento é necessário perguntar algo muito simples: um filme de ação de mulheres em que elas agem como homens, ainda é um filme de ação de mulheres?

Se em CAPITÃ MARVEL, THE OLD GUARD (2020) E AVA 92020) não conseguiram superar isso, e KATE [FILME] (2021) [ ]recorre ao estereótipo das Karens, digo, das Marthas , perdão mais uma vez, das matronas, aqui em Furiosa isso não acontece.

FURIOSA É UMA MULHER QUE VIVE E TEM COMO SEU CENTRO ELA MESMA E OUTRAS MULHERES.

Embora eu perceba que o diretor tentou demarcar que ela é heterossexual, para não a coligar ao pensamento QUEER.

ASTUTO. A CENA QUE REPRESENTA ISSO É RUIM, MAS MESMO ASSIM FOI ASTUTO.

Então o filme tenta, e consegue, apresentar como um mulher como Furiosa pode superar o patriarcado: não o colocando como centro de sua existência, coisa que a vingança dela está fazendo.

Ao entender isso, compreendemos uma coisa muito simples, dita por um canalha abusador de mulheres, e que pode servir muito bem para toda a atual esquerda:

SUA FUNÇÃO É ENSINAR OS TRABALHADORES A SUPERAR SUA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA, NÃO COMBATER O IRMÃO SISTEMA.

Uai?

Sim, a esquerda deveria criar a autogestão do proletariado, independentemente de sua identidade. E não ficar trocando soco com o Irmão Capitalismo, para ver quem gesta melhor a miséria.

É meio incrível, contudo o Capitalismo não é o centro do pensamento de esquerda, e sim, o proletariado superar sua própria consciência trabalhista e empregatícia.

E SE O CAPITALISMO ESTÁ NO CAMINHO, ELE SERÁ ABATIDO NA ESTRADA DA FÚRIA.

Todavia, parece que ninguém está disposto mais a trilhar essa estrada.

POBRE FURIOSA: UMA MOTORISTA SEM PASSAGEIRAS.

POST SCRIPTUM

Não só Furiosa era um modelo de feminilidade que nós homens imaginávamos: havia também Lisbeth Salander da série MILLENNIUM (2005–2007). Ela foi criada a partir da culpa do criador da série STIEG LARSSON (1954–2004) por não ter salvado uma jovem de mesmo nome de um est#pr@ coletivo.

Esse é um ponto bem interessante, como nós homens imaginamos que uma mulher deveria se defender de outros homens, ou pelo menos imaginamos ser outro tipo de homens.

Parece que estávamos errados, e infelizmente, mulheres, mesmo com habilidades marciais tendem a ser vítimas de outros homens , inclusive negros, como o que provavelmente aconteceu com a esposa do DEPUTADO DA CUNHA (1977).

Isso porque infelizmente, de novo, estávamos certos: para a violência contra a mulheres em específico acabar, elas precisam primeiro aceitar que essa violência é inerente e presente nelas mesmas, mas não como vingança, e sim , como método de compaixão umas pelas outras, primeiro, e depois por outros semelhantes.

IMPOSSÍVEL?

PERGUNTE A UNIDADE DE DEFESA DAS MULHERES CURDAS (YPJ, 2013), QUE ELAS LHE EXPLICAM .

FICHA TÉCNICA

FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX [FILME] (2024) — TITULO ORIGINAL:FURIOSA: A MAD MAX SAGA — DURAÇÃO :148 — NACIONALIDADE :2024 — DIRETOR: — ROTEIRISTA: GEORGE MILLER — DISPONÍVEL (ATÉ O MOMENTO DA PUBLICAÇÃO):CINEMAS

Se gostou desse texto, 50 palmas serão bem-vindas e agradecidas.

Referências

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).