SARAH [QUADRINHO] (2018):

Sombrionauta
4 min readMay 7, 2021

--

Genotdel sniper.

Se reclama do público de quadrinhos como um bando de burgueses safados, mas o que esperar de quadrinhos que são caros, sobre uma elite de esquerda e que não tocam nas questões de foro íntimo de quem seria seu público.

Não que a esquerda latino-americana não tenha background e histórico disso: Héctor Germán Oesterheld (1919–1977) produziu esse tipo de quadrinho durante grande parte de sua carreira sendo executado, segundo um general argentino, por ter feito a primeira biografia, sim a primeira biografia de todas, de Ernesto Rafael Guevara de la Serna (1928–1967): a graphic novel (título discutível até hoje) CHE (1967).

O QUE FALTA É MATERIAL ACESSÍVEL, SEMELHANTE AO PROJETO EDITORIA DE UM FONDO DE CULTURA DO MÉXICO (1934-) OU SEMELHANTE A REVISTAS COMO AVENTURA E FICÇÃO (1986–1990) DA EDITORA ABRIL QUE TRAZIAM TAMBÉM ESSE TIPO DE NARRATIVA.

É nesse sentido que é terrível que o quadrinista de direita Garth Ennis (1970), com desenhos de Steve Epting (1967) e cores de Elisabeth Breitweiser (?) ganhadora de vários prêmios Eisner, mais uma vez roteiriza um excelente quadrinho de guerra sobre snipers russas (sim, sobre mulheres soldadas) que passa inclusive no teste de Becdhdel.

Alison Bechdel em 2012

Para quem não sabe no teste de Bechdel é uma premissa popularizada pela quadrinista Alison Bechdel (1960), que defende que um quadrinho, ou qualquer outra produção midiática, para ser feminista deve:

1. DEVE TER PELO MENOS DUAS MULHERES.

2. ELAS CONVERSAM UMA COM A OUTRA.

3. SOBRE ALGUMA COISA QUE NÃO SEJA UM HOMEM.

Nessa obra Ennis, Epting e Breitweiser apresentam o esquadrão de snipers russas em que está inserida a soldada Sarah, fria e precisa atiradora.

Ela odeia os nazistas, mas reconhece que eles não são o foco dela na guerra, são apenas uma forma de extravasar a revolta que sente pelo alto comando corrupto soviético e sua incompetência, em 1942, de lutar a guerra contra os nazistas.

Zhukov em1944

POIS STÁLIN JÁ HAVIA EXECUTADO A MAIORIA DOS GENERAIS COMPETENTES DURANTE O GRANDE EXPURGO (1936–1938): LEMBREM QUE SE FORAM OS RUSSOS QUE DE FATO ABATERAM OS NAZISTAS, CONTUDO GENERAL QUE REALMENTE FEZ DIFERENÇA FOI GUEORGUI JÚKOV (1896–1974) E SUA EXPERIÊNCIA NA DIVISÃO DE GUERRA MECANIZADA.

Mas nem isso é o foco de Sarah: seu grande objetivo é tentar manter seguras suas colegas de pelotão, as outras snipers.

[SIGA LENDO DAQUI SE VOCÊ VEIO DO INSTAGRAM]

SARAH TEM COMO SEU FOCO PROTEGER MULHERES COMO ELA E NÃO A PÁTRIA-MÃE: ALEXANDRA KOLONTAI (1872–1952) SE ORGULHARIA.

Em verdade essa ficção faz tudo o que um quadrinho de esquerda deveria fazer: serve para introdução do pensamento militar soviético, da participação das mulheres no front como protagonistas,

NÃO AS PORNIFICA

, faz uso de fatos históricos que podem ser facilmente rastreados (como o vergonhoso episódio do massacre de Katyn (1940)) por meio de uma pesquisa na internet, principalmente sobre o esforço de guerra dessas mulheres.

E é livremente inspirada na biografia da sniper soviética Lyudmila Pavlichenko (1916–1974).

PARECE UMA CONTRADIÇÃO DO QUE EXPLIQUEI ACIMA SOBRE BURGUESIA VERMELHA, NÃO É?

Woody Guthrie — Miss Pavlichenko música sobre a famosa sniper.

Não não é: Ennis pesquisou e sintetizou em seu quadrinho como as snipers se comportavam, como elas pensavam e seus problemas específicos de serem mulheres em um esforço de guerra (um homem quando está cercado de inimigos atira em sua própria cabeça, uma mulher sempre guarda uma granada para que não a estuprem depois de morta).

ELE CRIOU, JUNTO COM EPTING E BREITWEISER UMA FICÇÃO QUE NA VERDADE SINTETIZA O COLETIVO DE MULHERES SOVIÉTICAS SOLDADAS.

Mas Ennis é de direita: assim esse brilhante oponente usa essas mulheres e sua ficção para criticar os resultados práticos da Revolução Russa (1917–1922) e a incompetência de seus dirigentes pós-Lênin.

ENNIS MAIS UMA VEZ SE MOSTRA UM INIMIGO DIGNO, MAS NINGUÉM PARECE EM CONDIÇÕES DE ACEITAR SEU DESAFIO.

ISSO REALMENTE NOS DEIXA VERMELHOS… DE VERGONHA.

[LEIA A PARTIR DAQUI SE VOCÊ VEIO DE OUTRAS PLATAFORMAS]

Realmente é uma das coisas mais lamentáveis sobre a esquerda que se diz defender o sonho soviético é que ela se limita a reproduzir textos acadêmicos sobre os protagonistas da revolução russa e seu grande traidor, Stálin (1878–1953), e não faz ficções explicativas sobre o período e a importância do exército vermelho no combate aos nazistas.

OS DEFENSORES DO SONHO VERMELHO DAS MASSAS PREFEREM FAZER QUADRINHOS SOBRE A BURGUESIA VERMELHA E NÃO SOBRE OS DRAMAS DOS SOLDADOS QUE NA PRÁTICA COMBATERAM DE FATOS OS NAZISTAS.

LOGO O QUE FALTA É INTERESSE E NÃO DO PÚBLICO DOS QUADRINHOS, SENDO SEMPRE TAXADO DE “REACIONÁRIO” OU “INCEL”.

O QUE FALTA É UMA ESQUERDA EDITORIAL BRASILEIRA QUE REALMENTE TENHA UMA PREMISSA REVOLUCIONÁRIA.

--

--

Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).