WARRIOR — 3ª TEMPORADA [SÉRIE]- (2023):

Sombrionauta
10 min readSep 2, 2023

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O QUE FALTA NA EQUAÇÃO.

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Difícil não ser o que se é. Ou seja, é muito complicado deixa de lado as paixões que nos originaram. Isso porque elas podem estar sendo reforçadas por forças externas o que pode estar nos dando a ilusão cíclica de que estamos sendo submetidos ao destino.

NO MUNDO ANTIGO ATÉ PODERIA SER VERDADE.

Mas essas forças são econômicas, logo, tudo isso é apenas tecnologia sendo criada, recriada e destruída, em tempos constantes, variáveis e previsíveis, que podem estar sendo manipuladas por atores discretos que as vezes tendemos acreditar que são deuses ou outros seres místicos.

Perceber isso também é uma tecnologia, pois, ao contrário do que muito nego acredita, em vários setores da ciência, consciência é uma combinação de um grande leque de tecnologias de processamento de dados das humanas sobre os fatos concretos.

Para quem não as acessa, mesmo as tecnologias maquinais ou mesmo comportamentais podem não mudar como os indivíduos que as acessam pensam e sentem o mundo onde estão inseridos.

ISSO CRIA AS POPULAÇÕES MAIS CONSERVADORAS, QUANDO SÃO DE ORIGEM POBRE. ELAS TENDEM A TENTAR MANTER SUAS CONSCIÊNCIAS EM VERSÕES DO QUE ERAM QUANDO DE SEUS PRIMÓRDIOS.

Talvez isso se dê justamente como forma de manter outros semelhantes materiais no mesmo patamar econômico: a moral tende a fazer as pessoas cegas para as mudanças do mundo, inclusive as que as beneficiaram, e assim, começar a defender coisas como “eu na sua idade consegui mesmo com essas dificuldades”.

TEM CERTEZA?

WARRIOR aqui continua demonstrando como os pobres, mesmo submetidos às mais terríveis condições de sobrevivência continuam acreditando nas ideias que vem a mantê-los nessas mesmas conjunturas.

Em suma, eles ainda acreditam no sonho americano. Por isso ela não pode dar muita voz a quem acredita em pesadelos estrangeiros.

Essa série, e essa temporada, são sobre isso.

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BORA BILL.

Nós precisamos aceitar que racismo não se aplica apenas a negros. Ou aceitar expandir o conceito de negros para além da noção da mera descendência biológica e seus efeitos estéticos.

Isso porque depois do final da escravidão nova, ou escravidão tipo B, ou escravidão preta africana, as nações que fizeram uso desse expediente de mão-de-obra, vieram a aplicar análogos dessas práticas em outro povos “não-brancos”, que incluíam por sinal o que um olhar desatento chamaria de “brancos pobres”, como os irlandeses ou os escoceses.

RACISMO NÃO É UMA QUESTÃO DE RAÇA. RAÇA NÃO EXISTE PARA OS HUMANOS. RACISMO É EM VERDADE UMA QUESTÃO DE CLASSE QUE TEM UMA ESTÉTICA POLÍTICA ACOMPANHANDO SUA ECONOMIA POLÍTICA.

Sendo assim, além dos irlandeses e escoceses submetidos aos desmandos e crueldades imperialistas britânicas, também os indianos, chineses e outros povos asiáticos o foram, ganhando estes últimos o apelido pejorativo racista de “coolies”.

Os imigrantes chineses em particular foram fruto de eventos como a SEGUNDA GUERRA DO ÓPIO (1856–1860) onde milhares deles se deslocaram para várias partes do mundo, incluindo Peru e Brasil, para suprir a falta de mão-de-obra resultante do final do tráfico negreiro e das próprias abolições das escravaturas dos vários países do continente americano.

GENTE COMO O SOCIALISTA JACK LONDON (1876–1916) [ ] QUE CUNHOU O TERMO “PERIGO AMARELO”, E QUE AFIRMOU SER ANTES “BRANCO DO QUE SOCIALISTA” ESTÃO ENTRE AQUELES QUE VIAM COM MAUS OLHOS TAL EXPANSÃO.

Inclusive os brasileiros, como o negro MACHADO DE ASSIS (1839–1908), e JOAQUIM NABUCO (1849–1910).

As elites escravistas sempre cultivaram, literalmente, aversão e necessidade sobre os povos que foram colonizados. E isso fazia com que até mesmo negros e outras etnias conquistadas, inclusive os irlandeses dos E.U.A. tivessem um potente ódio contra gente que em verdade eram versões mais atualizadas deles mesmos.

PORQUE ODIAR O PASSADO É UMA FORMA DE REVIVÊ-LO SEM SENTIR COMPAIXÃO A QUEM O ESTÁ SENDO NO PRESENTE.

É isso que vai se desenrolando nessa temporada principalmente com um dos personagens que mais gosto o, em breve, sindicalista irlandês Bill “Big Bill” O’Hara (Kieran Bew): aqui uma tradição deliciosa e estadunidense se faz mais uma vez presente, a de apresentar sindicalistas como criminosos. Não que o anarcosindicalismo não tenda ao anarcoterrorismo, como anarcoilegalismo bem demonstrou [ https://www.wikiwand.com/pt/Anarcoilegalismo]

AÇÃO DIRETA, PROPAGANDA PELO ATO E OUTROS TERMOS DADOS, QUE AS VEZES DEVERIAM SER FEITOS POR MEIO DA PÓLVORA.

No entanto nosso Bill ainda sim é um racista, para os chineses sim (atente para esse detalhe), um pobre racista da classe trabalhadora, que seria o atual “pobre de direita”, niilista em relação aos sistemas políticos para ser devorado por eles por meio do luxo. Sendo que nessa temporada o safado do Irmão Sistema em sua versão de “capitalismo cowboy” faz questão de fazer uma aparição.

PEQUENOS PRÍNCIPES E PRINCESAS.

Depois dos eventos do final da temporada passada notadamente o embate entre trabalhadores irlandeses e chineses na China Town de São Francisco, nosso querido Irmão Sistema, aqui representado por Douglas Strickland (Adam Rayner) surge nessa temporada e faz o de sempre, ou seja, mapeia as lideranças populares mais radicais e começa as cooptá-las pelo método mais maquiavélico possível: por suas boas intenções.

MAQUIAVEL (1469–1527) JÁ HAVIA EXPLICADA VÁRIAS VEZES QUE OS HOMENS PODERIAM SER OU ANIQUILADOS OU ALICIADOS.

Geralmente quando o primeiro falha, o segundo prevalece. Antes de cooptar a Bill, nosso diabólico capitalista estadunidense, que fez sua fortuna com as ferrovias ou seja com o fruto da….

DAQUI A POUCO EXPLICO.

… resolve atacar a grande vítima do escravismo, antigo e novo, as mulheres, notadamente prostituídas. Ele em verdade tem uma fortuna imensa, mas isso pouco importa, porque o desejo de dominar é mais forte do que o conforto em si para tal gente.

PARA ELES ALICIAR E ANIQUILAR SÃO SINÔNIMOS DE PRAZER.

Assim ele destrói, por puro prazer disfarçado de lucro (e não é isso o grande segredo do Irmão-Sistema, que ele faz coisas por um prazer perverso, onde antes era apenas lucro?) todo o esforço feito por Nellie Davenport (Miranda Raison) para a recuperação de mulheres prostituídas em China Town, ao perceber que ela está tendo um romance com Ah Toy (Olivia Cheng).

O CAPITALISMO NÃO TOLERA OPÇÕES QUE LEVEM A SOCIALISMOS QUE NÃO LEVAM A CRIAR SERES TÃO PERVERSOS E PERVERTIDO COMO ELE.

Como disse anteriormente Ah Toy é que parece a personagem mais consciente da existência do Irmão Sistema justamente porque ela participa da exploração de mulheres, assim como foi vítima dela.

TAL QUAL BILL, ELA ACHA QUE TORNAR A EXPLORAÇÃO MAIS GENTIL É MELHOR DO QUE A EXPLORAÇÃO FEITA PELOS HOMENS BRANCOS ESTADUNIDENSES.

Ambos no final entendem a mesma coisa: o capitalismo deve ser derrotado, só que eles não conseguem ver opções fora dele e então, mais uma vez ela sentencia de maneira brilhante, que Strickland é só mais um desses exploradores. Podemos até executá-los, mas o Irmão Sistema é acima de tudo um SISTEMA, logo ele não é um indivíduo, e sim, um conjunto de forças econômicas terrível e consciente de si mesmo, ao ponto de aceitar até perder alguns dedos para manter os seus anéis.

E NÃO, EU NÃO ERREI O DITADO.

Ela sabe o que está acontecendo. Mas não sabe como fazer parar de acontecer. Como ela, milhares de mulheres, homens e trabalhadores têm suas visões maquiavélicas lidas de maneira submissa, ou seja, pragmática, onde os homens são apenas maus e nada irá mudar. Aqui a política é vítima de si mesma.

MEFISTOS ENGANADOS.

O grande pano de fundo da série e que fica mais evidente é a política estadunidense anti-imigração. Notadamente contra os chineses.

SÓ QUE NÃO.

Em verdade WARRIOR é uma série republicana, no pior sentido possível. Convém lembrar que o grande oponente dos E.U.A. em termos de história moderna, sempre foi a China, principalmente em sua versão socialista comunista. Os Japoneses e mesmo os Russos sempre foram vistos mais como oponentes do que como inimigos de fato, com exceção do período soviético em si.

Então grande parte dos descendentes dos imigrantes chineses em verdade , odeiam a China atual, tanto que muitos deles foram base de eleição do presidente DONALD TRUMP (1946) em suas eleições e voltarão provavelmente a sê-lo.

WARRIOR EM VERDADE ESTÁ CONVERSANDO COM ESSE ELEITORADO.

Porque esses empreendedores chineses ricos, em muitos casos descendem dessas tongs ou gangues de criminosos que foram se legalizando e criando bases estáveis para justamente explorar a mão-de-obra que chegava e continua chegando de sua pátria natal.

Um dos meus personagens favoritos da série simboliza esse tipo de gente o ex-escravo, safado, contrabandista, traidor, gentil e nobre Wang Chao ( Hoon Lee), que acredita que a liberdade vem da capacidade de fazer acordos, não do dinheiro em si.

Tanto ele como prefeito interino de São Francisco, o ex-confederado Walter Franklin Buckley (Langley Kirkwood) sabe o seu papel nesses sistemas de exploração e em verdade o apreciam.

ELES DESPREZAM OS HOMENS DO POVO, PORQUE SUAS ESPERANÇAS FORAM AS BASES DAS OPRESSÕES QUE OS FIZERAM SOFRER ANTERIORMENTE.

Os danos físicos nos dois são impressionantes. E a vontade que é gerada deles também.

Por isso são inteligentes, mas como bem disse um dos personagens “tal inteligência os faz cegos aos fatos cotidianos”. Ambos são enganados por justamente acreditarem em acordos entre iguais.

NÃO HÁ ACORDO OU LEALDADE SEM QUE INTERESSES ANÁLOGOS EXISTAM.

Assim com boas doses de violência física, mais uma vez vemos a série esmiuçando os limites das políticas liberais, as apresentando como conveniências para ganhar votos ou mesmo apenas ilusões de gente rica, quase passatempos para causar embaraço a suas classes originárias.

Contudo, sempre que e necessário, e sempre o é, eles as abandonam, por mero capricho. Feminismo liberal, políticas liberais, populismo de direita, todas elas são destruídas uma a uma por toda essa temporada, por elas acima de tudo serem políticas eleitoreiras. Tudo é um enorme ciclo de destruição e recriação falhos.

Aliás esse é o papel dos heróis e do guerreiros. Não mudar e não deixar que nada mude: resumindo, o papel dado nosso protagonista.

A VITÓRIA DO HONESTO?

Quem poderia mudar tudo isso é o protagonista da série Ah Sahm (Andrew Koji), mas ele apesar dos esforços de Ah Toy não consegue se aprofundar no amor que sente por sua irmã Mai Ling (Dianne Doan).

AH SAHM NÃO CONSEGUE ACREDITAR NA CAUSA QUE O AMOR QUE SENTE PODERIA LHE ENVIAR.

Porque na verdade ele continua não querendo estar ali. Em São Francisco, nos E.U.A. Tal qual BRUCE LEE (1940–1973), o criador do argumento original desse western kung-fu jungle sabe: que a terra dos oportunistas, perdão, das oportunidades, ou pensando melhor, perdão o diabo, nunca vai dar a oportunidade que um artista marcial chinês como ele merece.

PORQUE JUSTAMENTE ELE É CHINÊS DEMAIS PARA ACEITAR SER UM OPORTUNISTA ESTADUNIDENSES, APESAR DE SER MESTIÇO.

Por isso ele não consegue vencer o brilhante Li Yong (Joe Taslim), pois em verdade ele não quer mudar: quer apenas voltar à China, a seu mundo. Muitos imigrantes e emigrantes tem essa necessidade.

Mas ele não pode. Não pode sem Mai Ling. Sua irmã é sua responsabilidade, porque ela foi sacrificada em nome dele. Enquanto ela não estiver de volta, ele não pode voltar.

O problema é que Mai Ling não quer e está certíssima: a vida da jovem foi horrível na China, e é culpa do irmão dela. Nós nos sacrificamos por nossos amores sem pensar, até o momento em que vemos a dor que isso nos provoca e isso nos faz refletir se a dor da perda não teria sido melhor.

Mai Ling não consegue mais se sacrificar por nenhum homem. E depois dessa temporada, por mais nenhuma mulher. Ela é como todas aquelas moças exploradas, machucadas, que ama, e que não pode mais confiar em qualquer amor, pois seu grande amor, Ah Sahm provocou-lhe um sofrimento quase infinito.

ELA NÃO QUER SER FERIDA E POR ISSO DESCONFIA DE TODOS OS AMORES. SÁBIA DECISÃO, DIRIA AJAX, O MARCIANO (1955).

Yong percebe isso ao perceber que seu grande amigo, Kong Pak (Mark Dacascos) também percebeu, e abandona Mai Ling.

Ele talvez seja o grande vitorioso nessa temporada: sua disciplina marcial, sua lealdade e amor a Ling e a Pak, sua capacidade de saber quando lutar, de saber ser solidário a seus inimigos, quando não há nada a ganhar, lhe conferem algo que todos os lutadores de kung-fu almejam, inclusive eu;

UM POUCO DE PAZ E RESPEITO.

Ele sim entende que não existe um local melhor, nem China, nem E.U.A. se não houver um mínimo de lealdade entre as pessoas que se amam.

LEALDADE É MAIS IMPORTANTE QUE AMOR, POUCO, MAS É.

Sham e Li não conseguem. Eles estão presos a fidelidade um ao outro . Talvez eles não entendam ainda que eles são a China e os E.U.A. um do outro.

Porém existe uma falha nessa série republicana, que foi defendida por eles durante a GUERRA DE SECESSÃO (1861–1865) e que levou a todo esse drama, e criou a fortuna de homens como Strickland:

O PENSAMENTO DOS NEGROS.

Os negros são apresentados como praticamente os únicos que não sabem lutar, ou são dignos de piedade. WARRIOR evita constantemente discutir a existência de príncipes maquiavélicos negros, porque gente como eles não acredita no sonho estadunidense e nem mesmo no pesadelo africano.

ACREDITAM NO QUE FALTA EM TODA A EQUAÇÃO MODERNA DE EXPLICAÇÃO DOS CAPITALISMO O “X”, MAS PRECISAMENTE O “X” DO MALCOM X. OU MELHOR, NO SOCIALISTA QUE MALCOLM X ((1925–1965) SERIA SE NÃO TIVESSE SIDO ASSASSINADO.

POST SCRIPTUM

É sabido que Lee deu aulas de Kung-Fu em bairros negros, justamente por não conseguir ser muito bem aceito pelas tongs chinesas, lá ele desenvolvou uma combinação do boxe praticado nessas localidades com o Wing-Chun, chamado de Jeet kune do (1967).

Essa abordagem de combate estava ligada a seu pensamento e ética de vida, em que ser direto era mais importante do que parecer ser eficiente. A série, ao não dar atenção aos negros, inclusive em termos marciais, é um dos seus grandes erros.

OU PIOR, UM DOS SEUS MAIORES PRECONCEITOS?

Se gostou desse texto, 50 palmas serão bem-vindas e agradecidas.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).