THE KING’S MAN (A ORIGEM) [FILME] (2021):

Sombrionauta
6 min readJan 14, 2022

--

O Santo Guerreiro arturiano contra o Dragão da Maldade Trabalhadora.

Ouça esse conteúdo no spotify, caso esteja em um celular, ou clique no link abaixo, caso esteja num computador:

O termo “negacionismo” foi muito divulgado nos últimos tempos resumido em “gente ignorante que nega a ciência”, notadamente as biológicas e as exatas. Mas se temos uma versão disso nas humanas seria o pensamento reacionário, que o pessoal das biológicas e das exatas nunca reclamou. Por que? Porque o pessoal das exatas, notadamente depois dos colapsos de seus modelos matemáticos no século XIX para o XX, segundo Eric Hobsbawn (1917–2012) e de sua fé no progresso com a Primeira Guerra Mundial (1914–1918) começaram a se sentir confortáveis em abraçar o modernismo reacionário.

O modernismo reacionário era um movimento, segundo Jeffrey Herf (1947), em que elementos de filosóficos superados pelos dois grandes eventos acima citados eram revalorizados e refeitos com base na tecnologia mais atual disponível naquele momento, e é isso que chamamos cultura reacionária.

Seguindo a lógica desse conceito, o colapso dos modelos de ciência era culpa da “estupidez” das massas no sentido dado por José Ortega y Gasset (1883–1955), e não da capacidade dessas de absorverem e reinterpretarem a ciência da classe dominante dentro de sua própria realidade e criarem a sua própria, que se dividia a grosso modo, na Europa, em dois grandes eixos: o anarquismo e o marxismo.

Mas como era apresentada essa cultura reacionária em larga escala? Pela primeira e a maior arte criada pelo Irmão-Capitalismo, a saber, o cinema.

Então, assistir esse filme, é apenas ver mais uma versão do modernismo reacionário.

[SIGA LENDO A PARTIR DAQUI SE VOCÊ VEIO DO INSTAGRAM]

A Franquia Kingsman (2015–2021) foi inspirada nos quadrinhos do equivalente de direita do Alan Moore (1953), Mark Millar (1969), que chegou a receber a Medalha da Ordem do Império Britânico, dada pela coroa inglesa como reconhecimento de serviços prestados.

NINGUÉM DARIA UMA DESSA AO MOORRE, PORQUE DAS DUAS, UMA: OU ELE RECUSARIA, OU IRIA NA PREMIAÇÃO SÓ PARA CUSPIR NA CARA DA RAINHA.

Sigamos.

Assim a base da franquia já era abertamente favorável ao imperialismo inglês, ou seja, a certo reacionarismo que defendia a civilização inglesa, que se assemelhava demais a meu ver com zivilization da Deutshland (1871–1945) (não confunda com a Germany, criada na década de 50, embora aqui no Brasil se traduza tudo como “Alemanha”).

Resumindo essa semelhança: ódio aos trabalhadores organizados e a tentativa de sua cooptação, estabelecendo uma cultura que se dedicasse a propagar os valores da classe dominante de origem nobre.

OU SEJA, DEFENDER A VELHA HIERARQUIA BIOLÓGICA CRIADA POR CONSTANTINO (272–337) QUE CHAMAMOS DE NOBREZA, QUE IRÁ INFLUENCIAR A CRIAÇÃO DA GRANDE ECONOMIA POLÍTICA PARA TRABALHADORES DO IRMÃO-CAPITALISMO: O RACISMO.

Contudo esse tipo de postura tinha seu lado mais “civilizado” e “paternal”, em que, os homens progressistas da nobreza inglesa, destaque para os “homens” como sexo e não como espécie humana, os quais, devido a sua grande capacidade inata (dom) deveriam ser os “pastores” daqueles que não “herdaram” tais capacidades: resumindo, essa seria uma síntese do chamado “fardo do homem branco”.

Se os dois primeiros filmes da franquia defendiam a atualização dessa concepção por meio do conceito de “meritocracia”, neste aqui temos o fardo do homem branco em sua máxima expressão em dois personagens que são os grandes antagonistas: o duque de Oxford (Ralph Fiennes) e O Pastor (Matthew Goode).

Os dois personagens passam a se digladiar por toda a produção, o primeiro defendendo a coroa e o segundo uma “grande conspiração” internacional.

TRADUZINDO, SERIA O IMPÉRIALISMO INGLÊS CONTRA A “INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES”.

Assim, neste filme, está uma das melhores sínteses do pensamento de direita hierárquico biológico feito pelo Irmão-Capitalismo dos últimos tempos: Gente como Rasputin (1869–1916), Lenin (1870–1924), Mata Hari (1876–1917) todos no mesmo bojo e sendo comandados pela mesma pessoa, uma noção que é bem típico do pensamento de direita modernista reacionário, como o que o site BRASIL PARALELO (2016-) defende.

PORQUE O PENSAMENTO DE DIREITA IMPERIALISTA NÃO CONSEGUE ACEITAR ORGANIZAÇÕES HORIZONTAIS: PARA ELES SEMPRE TEM DE HAVER UM LÍDER PERSONALISTA.

E quem seria esse terrível líder? Ora, uma das vítimas preferidas do racismo inglês: os Escoceses.

UAI? OS ESCOCESES NÃO SÃO BRANCOS?

Se você entendeu “brancos” como capitalistas, não. Virginia Fontes (?) discute bastante como gente que achamos ser “branca”, para os impérios inglês e estadunidense, eram tidos como o que chamo de “negro branco”, a saber, trabalhadores brancos pobres que sofriam a mesmos preconceitos que os negros. Os irlandeses, nos Estados Unidos da América, eram chamados de “macacos”, por exemplo, e existem várias charges abordando essa temática [ https://www.scielo.br/j/dados/a/SLNZp5bMdg4fWn6QYPPQWGL/?lang=pt ] .

O Pastor fala algumas vezes disso, de como seu pai foi expulso de suas terras pelo Império Inglês, porque afinal esquecemos que o Reino Unido é formado por outras nações vizinhas conquistadas pelos ingleses, a saber: Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

Então o grande inimigo e conspirador contra o “capitalismo White savior” é um líder cujo pai sofreu um cercamento de terras na Escócia [ https://open.library.ubc.ca/soa/cIRcle/collections/ubctheses/831/items/1.0089524].

Os Irlandeses também são apresentados como violentos e desconfiados o tempo todo no filme, e não esqueçamos que essa gente foi parte do grande coletivo internacional inimigo do Impérialismo Europeu: os anarquistas ilegalistas, chamados também como “terroristas” [ https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiY4vCi7bH1AhV2lJUCHfUdC5kQFnoECAIQAQ&url=http%3A%2F%2Fompv.eceme.eb.mil.br%2Fimages%2Fconter%2Fterfun%2FEvolucaoTerror4Ondas.pdf&usg=AOvVaw3KwGE7rdgQZWL6yjLYXDIT .

Em última análise, o Irmão-Capitalismo em sua versão europeia anglo-saxônica (talvez seja eu melhor chama-lo aqui de “Capitalism-Brother”) está mandando a seguinte mensagem:

REVOLTAS DE TRABALHADORES NA ERA PÓS-COVID SERÃO DURAMENTE REPRIMIDAS.

Dê uma olhada no que está acontecendo no Cazaquistão nesse momento [ https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/manifestacoes-no-cazaquistao-deixam-164-mortos-aponta-relatorio/ ], para confirmar isso, e no resultado das revoltas de 2019 no Chile [ https://www.brasildefato.com.br/2021/10/18/revolta-social-que-abriu-caminho-para-constituinte-no-chile-completa-2-anos ] para entender bem o medo do Capitalism-Brother.

Contudo, dentro desse reacionarismo todo, existe uma verdade terrível que nós da esquerda esquecemos:

A QUEM NÓS “SERVIMOS”?

Boa pergunta: em última análise, eu concordo com quem essa produção acha que “servimos”.

Como assim?

Eu lhes pergunto, a quem serve o socialismo, o ilegalismo, o anarquismo, o feminismo radical e o marxismo ?

Acho que quem respondeu isso melhor foi um dos críticos de Lênin, o diretor de cinema Alexander Sokurov (1951) no seu filme TAURUS (2001), uma das três biografias sobre os “ditadores” da Segunda Guerra Mundial (1939–1945) (?), a saber MOLOCH (1999) que é sobre Adolf Hitler (1889–1945) e O SOL (2005) sobre o Imperador Hirohito (1926–1989).

PARA VOCÊ VER QUE ESSE NEGÓCIO DE MISTURAR SOCIALISMO, NAZISMO E ORIENTALISMO NÃO É DE HOJE QUE ACONTECE NO CINEMA.

Em um determinado diálogo de TAURUS, Lênin (Leonid Pawlowitsch Mosgowoi), debilitado em seu exílio tem um surto enquanto está jantando: ao ver uma mesa farta ele grita “essa comida está saindo da mesa dos trabalhadores”, e ao cair ao chão, em delírio murmura “preciso salvar os trabalhadores”.

Mas eu prefiro o termo “proletariado” a “trabalhadores”.

Logo, corrijo para melhorar essa concepção: nossa função é salvar a nós mesmos, fazendo a nós, o proletariado, se superar enquanto classe.

NOSSA FUNÇÃO É ESSA, E SE VOCÊ ESQUECEU DISSO ANARQUISTA/SOCIALISTA/MARXISTA/FEMINISTA RADICAL, O CAPITALISM-BROTHER “NO”.

Creio que Ravachol (1859–1892), Alexandre Ulyanov (1866–1887) e Emma Goldman (1869–1940) concordariam com isso.

E o Coringa também.

Como assim?

[SIGA LENDO A PARTIR DAQUI SE VOCÊ VEIO DE OUTRAS PLATAFORMAS]

Todos os personagens de Batman são inspirados em medos burgueses, e o Coringa, principalmente o que foi dirigido por Christopher Nolan (1970) é mostra disso.

Aliás, toda a filmografia de Nolan tem esses momentos anti-trabalhadores; Amnésia (2000) é um filme que critica a linha de pensamento marxista no melhor estilo do Karl Popper (1902–1994). Seu outro filme, O GRANDE TRUQUE (2006) mostra uma disputa entre dois mágicos, um (?)vindo da classe trabalhadora e outro da classe dominante. Sem esquecer de INSÔNIA (2002) filme interessante que faz uma crítica ao pensamento empregatício.

Mas não é só de reacionarismos que se faz o cinema dos diretores ingleses: EU, DANIEL BLAKE (2016) é um filme tocante sobre a solidariedade dentro da classe operária inglesa e o descaso dos serviços públicos de saúde, dirigido por Ken Loach (1936). Deste diretor temos também outro clássico filme TERRA E LIBERDADE (1995) sobre a Guerra Civil Espanhola (1936–1939) e o esforço internacional dos trabalhadores neste conflito contra o Fascismo Espanhol (1939–1976).

Assim, devo me corrigir: existem sim filmes interessantes sobre o trabalhismo, mas só os reacionários ganham resenhas.

ACHO QUE VOU CORRIGIR ISSO EM BREVE.

Se apreciou, 50 palminhas serão bem-vindas.

https://www.youtube.com/watch?v=vUaWPxTuVoA

--

--

Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).