DO ONÍRICO DESESPERO DO DESEMPREGO…: FICÇÃO AMERICANA (2024) E DIAS PERFEITOS (2023) [OPINIÃO] (2024):

Sombrionauta
10 min readMar 24, 2024

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Introdução.

Uma das discussões indenitárias mais em baixa atualmente, mas que irá entrar em alta, acreditem, é a de trabalhador. Por muito tempo essa foi a forma como os pobres encontravam o grande sentido de sua vida, e mesmo quando se aposentavam, ou eram demitidos, vinham a entrar em uma espiral de enorme desespero. Isso acontecia, e acontece, mesmo quando vinham a ter recursos próprios para sua sobrevivência, como a atual seguridade social, passavam por uma terrível crise de seu eu.

Quem falou dessa crise ocidental do ser com ele mesmo no século XIX, foi senão o pai, pelo menos o tio-avô do existencialismo, o filósofo cristão SØREN KIERKEGAARD (1813–1855). Nele temos uma das primeiras grandes discussões sobre um dos maiores mistérios comuns da humanidade, a subjetividade do homem comum, ou melhor, da massa em sua individualidade.

Nesse sentido KIERKEGAARD cria um modelo terrível de pensamento, em que o finito imprevisível do cotidiano se contrapõe ao infinito inevitável da morte. Para ele, seria a fé no deus cristão a solução para isso, pois daria sentido a essa dialética entre existência e finitude.

Crenças à parte, o modelo pode ser adaptado para coisa mais materialista: um grande período de rotina e acomodação que ao se repetir durante muito tempo, cria uma falsa noção de ser perpétuo, e assim, por meio da imaginação presa a esse ciclo, inescapável.

Mas como disse anteriormente, “eternidade” não é in-finitude, apenas imprevisibilidade de duração de um período Uma mera quebra na rotina de algo pode decretar o final da eternidade e todo um novo ciclo se inicia, e com ele, o desespero, a perda do sentido do todo, devido ao presente ser uma outra eternidade.

NESSAS DUAS OBRAS O DESEMPREGO E EMPREGO CONVERGEM PARA SE APRESENTAREM COMO UMA NUANCE AGRADÁVEL DO TERRÍVEL DESESPERO.

Essa opinião é sobre isso.

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COLONIZAÇÃO FICCIONAL.

Uma coisa que o CARLITO NETO (?) sempre fala é que estamos perdendo o controle da narrativa aqui no Brasil. Pois eu vou dizer coisa pior:

ESTAMOS PERDENDO O CONTROLE DA NARRATIVA NO MUNDO.

E os negros estão bem pior nesse rolo. “Uai, mas não temos comunicadores negros, e grandes atores de destaque ?” Sim, mas ele foram colonizados, de propósito.

UAI?

Esses comunicadores ainda acreditam que ser negro é uma condição indenitária, assim tomam todas as pautas da negritude e as transformam em identidade, logo, em mercadoria para o Capitalismo.

O NOME DISSO É RACISMO RECREATIVO.

Muita gente negra teve uma educação de classe média, e depois ingressou em setores intelectuais, que apesar de terem também sua parcela de racismo, ela era mitigada por sistemas de cotas e também por conta de que a intelectualidade vendeu essa ideia safada que essa economia política seria um “preconceito criado pela ignorância”, QUE HOJE NEGO CHAMA DE “RACISMO ESTRUTURAL” PARA QUE SEUS “ALIADOS” BRANCOS NÃO SE SINTAM OFENDIDOS. Isso ajudava a explicar o porquê de seus casamentos mistos em busca de se apresentarem como “príncipes e princesas” maquiavélicos.

O PROBLEMA É QUE NÃO QUERIAM SER PRÍNCIPES MAQUIAVÉLICOS NEGROS . E SIM, NÃO EXISTE “PRINCESA” MAQUIAVÉLICA, NO MÁXIMO “PRÍNCIPE” DO SEXO FEMININO.

Porque a orientação sexual do príncipe não importa desde que ele aja de maneira masculina. Se você achou que isso é machismo… ACERTOU, SUA LINDA.

Ser príncipe maquiavélico negro, quer dizer que você vai queimar o mundo que lhe deu origem para criar um que você não seja mais necessário: SENDO NEGRO, ISSO TE FORÇA A PENSAR A REVOLUÇÃO.

LEIA O FINAL DE O PRÍNCIPE (1513) E VAI ENTENDER.

E esse pessoal não tinha tal premissa: estavam confortáveis. Até que ….

O IRMÃO SISTEMA RESOLVEU SE LIVRAR DE TODOS ELES, PORQUE JÁ CUMPRIRAM O PAPEL DE CERRAR AS NOSSAS PRESAS E NOS CASTRAR.

E está indo muito bem tal processo: nunca tivemos tantos negros, mulheres, indígenas e LGBTQ+ na política e isso nunca se mostrou tão inútil para as pautas que os levaram ao poder.

COMO ESSA CLASSE MÉDIA NÃO É PRÍNCIPE MAQUIAVÉLICA NEGRA, NÃO SABE MOBILIZAR POPULAÇÕES. COISA QUE NOSSO ATUAL PRESIDENTE TENTA EVITAR A QUALQUER CUSTO DESDE JUNHO DE 2013 .

Já fomos 13. Não somos mais, desde 2003.

Portanto nesses dois filmes se apresenta os próximos passos do Irmão-Sistema: criar dois mundos imaginários para nos aprisionar.

MAS PRISÕES PODEM ENSINAR A AUTODETERMINAÇÃO COMO MALCOLM X (1925–1965) APRENDEU , BEM

ESTÁ FICÇÃO CHAMADA DEMOCRACIA FALHOU COM O NEGRO.

Poucas vezes vi uma crítica tão boa a ficção negra dos últimos 20 anos. Pelo menos fora do Sombrionauta. E se alguém acha que estou sendo arrogante, ESTOU SIM, E DAÍ?

E daí que mostra que não estou ficando louco e tem mais gente da intelectualidade negra percebendo que esse negócio de miscigenação cultura sempre ajudou mais ao imaginário branco do que aos negros. O PESSOAL DO FUNK TEM ENTENDIDO ESSE PREÇO BEM .

Porque ajudou a esconder que a branquitude ajuda brancos até quando eles não querem. E que embora você seja um intelectual negro com educação branca, a parte dessa sentença que sempre esperam de você é a negra.

MAS O QUE DIABO É ESSA “PARTE NEGRA”.

Aqui está a premissa dessa brilhante comédia: explicar o que diabo os brancos e sua elite esperam que seja o negro em suas ficções. Então treinamos uma série de intelectuais na educação mais culta e ocidental possível para que eles reproduzam o pior cenário ficcional que temos sobre nós mesmos, porque, meu amigo, você não será bem visto se for um negro que é contra isso.

SEI BEM.

E como forçar um intelectual negro a se render?

ORA, COM AMEAÇA DE DESEMPREGO. PORQUE TODO MUNDO TE ACHA LINDO COMO INTELECTUAL NEGRO “OUTSIDER”, ATÉ O MOMENTO QUE VOCÊ FICA DESEMPREGADO.

Aí, não espera ajuda dos outros “pensadores negros”.

MAS ESPERE, SIM, DE SEUS COLEGAS DE TRABALHO.

Sério. É o que acontece em certa medida com Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright) nesse filme: professor, intelectual e escritor negro, sua brilhante prosa não faz sucesso…. PORQUE NINGUÉM QUER ACREDITAR QUE UM NEGRO PODE SUPERAR SUA NEGRITUDE EM PROL DE UMA OUTRA VERSÃO DELA.

A primeira cena demarca o problema que a produção apresenta: uma aluna branca, gorda, estereótipo de uma feminista liberal (o filme fez de propósito, porque ele quer sim ferir todos os indenitários) reclama com Ellison por ele destacar um autor que usa a palavra “nigga” (“negro” com tons pejorativos, EU PARTICULARMENTE ACHO O PEJORATIVO ÓTIMO PARA DEIXAR CLARO O QUE SE PENSA DO NEGRO).

Ele olha para lousa e a situa, dizendo que isso é uma coisa daquele tempo, e que, depois mudou, logo temos que entender isso. A moça retruca que não aceita . Ele olha mais uma vez para a lousa e diz algo como “Se eu estou bem com isso, acho que você também vai ficar”.

E BOOM! ELA SAI DA CLASSE E ELLISON É COLOCADO EM UMA LICENÇA NÃO REMUNERADA, QUE EM VERDADE QUER DIZER “VÁ PARA O OLHO DA RUA, NEGRO”;

Realmente lágrimas de mulheres brancas custam o emprego de homens negros intelectuais.

Achou doloroso? Você eu não sei, mas eu achei muito:

AQUI SE MOSTRA COMO TODO MUNDO, ATÉ MESMO O RESTO DOS QUE SÃO “DENEGRIDOS” (SIM, A PALAVRA É DOLOROSA MAS CORRETA) PELO SISTEMA EMPREGATÍCIO DO IRMÃO SISTEMA, PENSAM QUE DEVEM DITAR COMO OS NEGROS SE REFEREM A SI MESMOS.

Essa cena é a síntese do filme todo: de que o negro não tem direito de criar sua própria ficção sobre si.

E meu querido Irmão-Sistema tem seus meios para fazer com que isso aconteça.

CONFIAR NO INIMIGO PARA OBTER UM TRABALHO…

Ellison então é forçado a encontrar com sua família, coisa que ele luta a todo custo. Aqui a obra nos pega em nosso próprio imaginário acerca dos familiares de um negro intelectual, pois, eles são muito gentis.

MAS ELLISON NÃO SABE ENTENDER ISSO: ELE É MAIS BRILHANTE INTELECTUALMENTE, ENTÃO NÃO TRABALHOU BEM SUA SUBJETIVIDADE, ACHO QUE NÃO LEU O DESESPERO HUMANO (1849).

Logo essa família precisa dele, e o cabra está desempregado. Isso é muito comum em famílias de negros, principalmente pobres, mas não só elas: nossa dignidade como empregados. Ao perdermos nossos empregos perdemos uma coisa muito importante a nossa identidade de trabalhadores.

POR ISSO SEMPRE DEFENDO QUE NEGRITUDE NÃO É UMA QUESTÃO DE BIOLOGIA, E SIM, DE MÃO-DE-OBRA: ESSA SEMPRE FOI A NOSSA FORÇA COLETIVA, QUE MESMO O IRMÃO SISTEMA TEM DIFICULDADES PARA CONTER.

Isso não quer dizer que ele não tente. E tem tido sucesso.

À medida que uma família negra nuclear tem um dos seus desempregados ela mesma passa a adoecer. A família de Ellison está morrendo, porque ele está desempregado e ele é intelectual demais para não perceber isso.

Logo ele cai, meio voluntariamente, meio ironicamente numa das melhores armadilhas do Irmão Sistema e vende algo que é fundamental para a mais opressão manter a mais-valia funcionando:

SEU ORGULHO DE SER INTELECTUAL NEGRO.

Ele usa pseudônimo e escreve um livro que é em verdade uma reunião de todos os preconceitos que a branquitude, bem-intencionada, tem dos negros, meio como uma piada e….

A P#RR# DÁ CERTO.

E quanto mais ele torna a obra apelativa e pejorativa, mais ela faz sucesso. E aqui temos um dos outros pontos da produção, uma crítica de como as mulheres negras, sim, se venderam ao sistema, alegando que o machismo de seus companheiros as empurraram para isso.

DJAMILA RIBEIRO FEELINGS AQUI.

Quem representa essa derrota milionária das mulheres negras é Sintara Golden (Issa Rae, ela mesma tendo sido uma das responsáveis de fato por isso). Ela apresenta que não tem problema em fornecer ao mercado essas visões racistas sobre mulheres, já que há consumo, branco, disso, e chega a perguntar a Ellison se ele é contra esse tipo de literatura, ou se é contra mulheres a executarem.

NÃO É A PRIMEIRA SÉRIE QUE VI FAZER ESSA ACUSAÇÃO, SENDO QUE FOR LIFE (2020–2021) A EXECUTOU BRILHANTEMENTE EM SUAS DUAS TEMPORADAS.

Assim aqui está um problema que não é um problema: ainda existe espaço para os intelectuais negros homens no Irmão Capitalismo?

NÃO.

Mas para roteiristas negros…

Assim, o máximo que você, como intelectual negro no Capitalismo, pode almejar, é ser transferido para do setor de ensino para o racismo recreativo .

ATLANTA trabalhou bastante isso em suas temporadas.

ALGO COMO SER REBAIXADO A LIMPAR BANHEIROS.

E pode não ser tão ruim assim. Eu já limpei banheiros quando jovem, e foram momentos bem interessantes: porque quando sua produção intelectual não está atrelada a sua sobrevivência, você pode ser de fato artístico.

É ISSO QUE DIAS PERFEITOS (2023) QUER CONTAR.

“LUTAMOS PARA SERMOS RECONHECIDOS COMO SERES HUMANOS.”

Se FICÇÃO AMERICANA nos deixa com a amarga ironia de perceber que nem o Irmão Capitalismo tem poder para eliminar os pensadores negros de vez, aqui, o aprendemos como os trabalhadores que são leitores podem ser um mercado mais fantástico do que pensamos.

Seguimos um desse leitores, o analógico Hirayama (Kōji Yakusho) fazendo uma coisa que sempre adorei na ficção;usar o recurso de um personagem como porta de entrada para um universo cotidiano um tanto invisível, porque não olhamos adequadamente.

HELLBOY (1991) É UM PERSONAGEM QUE PROPICIA ISSO, POR EXEMPLO.

Mas Hirayama supera mesmo HELLBOY, porque, ao contrário desse pequeno anti-cristo, ele conseguiu encontrar a paz consigo mesmo.

O ATOR TEM NO MÁXIMO UMA FOLHA A4 DE SULFITE DE FALAS, E DESCONFIO, DE UM SÓ LADO.

E ele não precisa mais do que isso para nos convencer. AQUI TODO O PESO DO TEATRO NOH PARA O CINEMA SE MOSTRA PRESENTE.

Assim como FICÇÃO AMERICANA é um filme baseado em um livro. Ao seguirmos Hirayama cada gesto transmite uma coisa de um zen-budismo que é impressionante: o prazer egocêntrico em trabalhar bem.

ESSE, SENHORES É O MAIOR INIMIGO QUE O IRMÃO-CAPITALISMO TEM EM TERMOS DE SUBJETIVIDADE.

Hirayama é um homem intelectualizado, que nos impressiona ao mostrar usa grande dedicação em limpar os banheiros públicos de um projeto chamado TOKYO TOILET (2018 ) um projeto que se propunha a criar belíssimos banheiros públicos justamente para valorizar uma das coisas mais cotidianas e presentes na humanidade: seus dejetos.

Todo o filme mostra como esse faxineiro, sim, esse é o termo e se você acha pejorativo, talvez você não goste muito de saber sobre sua própria finitude, e como ele mantém os banheiros limpos, em uma rotina que poderia ser infernal.

E É: PORÉM HIRAYAMA ESTÁ EM PAZ CONSIGO MESMO, A PAZ QUE O TRABALHADOR SENTE EM FAZER UM BOM SERVIÇO.

É para esse mundo que Ellison está indo. Sem nenhuma mulher a seu lado. Estranho como a maioria das outras personagens de DIAS PERFEITOS são mulheres e todas parecem tentar tirar a paz de Hirayama. COMO SE O QUISESSEM O TRANSFORMAR EM UM PRÍNCIPE OU FAZÊ-LO VOLTAR A SER UM.

Isso não quer dizer que Hirayama é alguém passivo: ele não tolera ser explorado em seu emprego. Ira, amor, tristeza, decepção, cansaço, morte vida, são coisas do dia a dia do trabalhador. Está tudo bem. Todos vamos morrer mesmo. Mas viver, ah queridos e queridas, isso é uma coisa que passa em larga escala por nossa agência.

Assim, tudo o que nós achamos que é importante, é apenas impermanente, mantido por nosso esforço, por nosso emprego.

Me lembrou o que uma moça chamada Valéria me falou uma vez “é só um emprego”.

ELA ESTA CERTA, TUDO ISSO É SÓ EMPREGADO POR NÓS.

E pode ser desempregado. Esse é o doce desespero que nos encontramos. Nada é para sempre, e tudo é eterno, porque não tem limite certo de tempo.

Ellison descobre que perder tudo, é só para ele mais um dia. Amanhã tem outro para ser vencido, ou perdido.

E Hirayama?

O FILME TERMINA COM A MAIS PESSIMISTA DAS NEGRAS DIZENDO QUE SE SENTE BEM (NAS CONSTANTES FITAS QUE O PERSONAGEM ESCUTA). E ISSO MOSTRA O QUANTO OS NEGROS PODEM ATÉ NÃO CONTAR UNS COM OS OUTROS, COMO ETNIA, MAS SEMPRE PODEM ACREDITAR EM GENTE QUE SÃO SEUS IRMÃOS DE OFÍCIO.

Siga lendo, para um pequeno comentário, sobre como empregados tem de aprender o que é trabalho, no medium:

Adoro filmes de trabalhador e de empregados porque eles apresentam algo que uma das pessoas do grupo do Sombrionauta, a Bia Barbosa bem definiu certa vez: carma.

Geralmente isso aparece em filmes de “vingança” tal qual [ ] UMA NOITE EM BANGKOK (2020).

Mas trabalhadores não são muito chegados em se vingar: é coisa de gente nobre ficar procurando desculpas para serem violentos. Embora os jovens empregados queiram ser nobres. Tudo perda de tempo.

O carma os fará destruir o Irmão-Sistema, simplesmente porque ele mesmo nos concede armas. Basta que aceitemos nossos poucos cabelos brancos, como pessoas tranquilas.

E COM TRANQUILIDADE ENTENDER QUE O IRMÃO SISTEMA DEVE SER ABATIDO, ATÉ PARA O BEM DELE MESMO.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).