ELVIS [FILME] (2022):

Sombrionauta
7 min readJul 27, 2022

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Capeta Marvel.

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Se tem uma das coisas mais divertidas de assistir no cinema é quando o Irmão-Capitalismo resolver aparecer. E ele adora participar no cinema em um papel específico, que representa muito de como ele age, mas não a concretude do que ele é:

O PAPEL DE DIABO.

Em vários filmes, versões desse ser cristão aparecerem com algumas variações, tais como: O HOMEM QUE VENDEU SUA PELE (2020), SPACE JAM: UM NOVO LEGADO (2021), e em filmes baseados na história que marca sua primeira grande aparição como o diabólico moderno: FAUSTO (2011) do diretor Alexandr Sokurov (1951), é uma dessas versões cinematográficas dessa narrativa. Não esquecendo de mencionar sua brilhante representação no desenho animado SAMURAI JACK (2001–2004 e 2017).

Ele aparece nas produções acima acima nos papéis de Jeffrey Godefroi (Koen De Bouw), Al-G Rhythm (Don Cheadle), Moneylender / Mephistopheles (Anton Adasinsky), e Aku/ Abu(Mako e Mauro Ramos) respectivamente.

Nesse filme que sobre o qual escrevo, ele aproveitou-se da aparência física clássica dele inspirada no poema de Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832) para moldar, literalmente, o personagem que o representa diabolicamente , a saber: Tom Parker (Tom Hanks, em uma de suas melhores interpretações em filmes fracos).

Mas o diabo não é o Irmão Capitalismo e como em todas as produções acima citadas, talvez com exceção de SAMURAI JACK, ele não mostra sua concretude, que é muito superior a qualquer ser mítico ou religioso: o racismo.

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Assistir esse filme dá sono. Sério. Porque a fotografia dele é muito boa. Estranho isso? Por cerca de 100 minutos, dos 159 de duração, temos uma apresentação da carreira de Elvis Presley (Austin Butler) na visão de Parker, o que é delicioso: essa primeira parte toda aparece como se fosse um clipe musical.

A música, a luz, os enquadramentos, os focos de câmera todos lembram aos do clipes mais atuais e por isso mesmo cansam: não é à toa que os vídeos musicais e as próprias músicas têm diminuído de tempo e aumentado sua quantidade, pois elas mesmas estão bastante esvaziadas e banalizadas.

IMAGENS E SONS BONITOS POR SI MESMOS DÃO NISSO.

Portanto, nessa enorme introdução, pois é isso que é em verdade essa primeira parte, somos apresentados a visão de Parker sobre a carreira de Presley, o que é extremamente valioso para estudos acerca do pensamento patronal na indústria cultural.

Parker apresenta todos os abusos que fornece e cria a Presley como um pacto entre os dois, afirmando que a carreira musical do jovem do Mississippi é responsabilidade tanto empresário, quanto do próprio interprete.

E ESTÁ COMPLETAMENTE CORRETO.

Yannick Hara sabe muito bem que tipo de pactos são esses.

Continuando.

O filme mostra como Parker vai convencendo o interprete a abandonar lentamente os laços que o ligavam ao público mais pobre, e a abraçar uma versão mais embranquecida do Rock, ritmo criado pelos negros de periferia estadunidense.

Porém o grande truque de ilusionismo está na parte final da produção: , nós somos apresentados a um Presley que está sendo sistematicamente assediado moralmente, amorosamente e quimicamente pelo diabólico Parker , um um retrato cruel e brilhante de como um trabalhador da cultura, mesmo alguém do porte desse “rei do rock”, é destruído pelo capitalismo em nome de lucro.

Tal prestidigitação dissimula a substância do que era a carreira de Elvis Presley:

A DE UM ARTISTA RACISTA.

Sim, houveram várias discussões sobre isso, e todas estão se perdendo falácias de fãs e de detratores em sua maioria.

ELVIS ERA RACISTA E PRONTO. NÃO DISSE QUE ELVIS NÃO GOSTAVA DE NEGROS, DISSE APENSAS QUE ELE ERA RACISTA.

UAI?

As pessoas atualmente, inclusive os jovens negros, tem se confundido entre o que é injúria racial e o que é racismo.

Injúria racial, basicamente, um insulto dado por meio do conceito de raça, com objetivo de na maioria das vezes, denegrir, literalmente a pessoa, ou seja, lembra-la de sua classe social. Ele em si é doloroso, mas não é uma economia política em si mesmo, e sim, um efeito superestrutural.

Já o racismo é uma economia política criada pelo Capitalismo em 1444 que subdividiu a força de trabalho de maneira biológica e veio a criar com o tempo o conceito de mão-de-obra e por fim, hoje em dia, o conceito de empregado. Essa subdivisão impede ou dificulta que essas classes trabalhadoras e empregadas negras venham a conseguirem acumular seus rendimentos de maneira eficiente e eficaz, e mesmo que façam isso, uma série de mecanismos e dispositivos financeiros e econômicos impedem ou atrapalham que elas possam utilizar para tais ganhos para sua melhora material e cultural.

RACISTAS E NEGROS JOVENS FINGEM NÃO RECONHECER ISSO, O CHAMANDO DE “RACISMO ESTRUTURAL”.

Em suma, o racismo é uma organização econômica que visa expropriar a produções dos negros deles próprios, seja ela material, intelectual ou cultural.

SE DÚVIDA, PERGUNTE DE ONDE SURGIU A PALAVRA ALGORITMO, GEOGRAFICAMENTE, MEUS JOVENS.

Presley era de uma família de negros brancos, ou seja, de descendentes de europeus em situação econômica tão desesperadora nos E.U.A. que vieram a moram nos guetos dos negros (SLUM).

Isso é bem retratado no filme, de como ele é abraçado por aquela comunidade, de como cresce em meio ao blues, ao canto gospel, e que adicionado ao seu sotaque original sulista do Mississippi veio a criar um pastiche cultural, que em seu futuro viria a fazer sucesso entre os jovens pobres de várias etnias.

Também apresenta algo inusitado, e divertido para mim em particular, que o interprete era fã de histórias em quadrinhos, notadamente daquele círculos de heróis racistas, a FAMÍLIA MARVEL (1942 da DC Comics (1934) ) , favor não confundir com personagens daquela outra editora de quadrinhos que também não gosta de negros.

GRAÇAS A ISSO FINALMENTE ENTENDI AQUELE CORTE DE CABELO E A CAPA QUE ELE USAVA NOS SHOWS, NO FINAL DE SUA CARREIRA.

Seguindo.

Presley, então, absorveu a tecnologia artística dos negros, mas com uma vantagem, ele tinha a aparência de um branco.

SE NÃO APARECEU NA SUA MENTE O TERMO “APROPRIAÇÃO CULTURAL” VOCÊ ESTÁ COM PROBLEMAS.

Elvis Presley e Tom Parker sistematicamente regravavam, reza uma lenda que me falaram as vezes ao preço de uma garrafa de gim, músicas de artistas negros , e graças à interpretação e a aparência do primeiro e o circo midiático do segundo, vinham a se tornar hits de sucesso .

NUNCA É SÓ O TALENTO, MEUS JOVENS, SENÃO O LUVA DE PEDREIRO (IRAN DE SANTANA ALVES) NÃO TINHA TOMADO AQUELE GIRO. E APROVEITANDO, EM BREVE, ELE VAI TOMAR OUTRO, FIQUEM SÓ VENDO.

Porque tanto Luva de Pedreiro, como Elvis Presley são jovens talentosos, logo tolos e sonhadores, que não percebem os meandros da indústria cultural, de como o tipo de gente que os dois são, é constantemente contratada, super-explorada e depois descartada.

APROVEITANDO, ALGUÉM LEMBRA DO MC TARTARUGA (?)?

Ou de como sistematicamente no funk, no futebol, no momento, no rap está havendo uma tentativa de “embranquecer”, ou melhor, apropriar culturalmente a produção artística negra, retirando a organicidade que cria sua radicalidade, a saber, o combate e denúncia do racismo como economia política?

FILIPE RET (1985) É O MELHOR EXEMPLO DISSO ATUALMENTE NO RAP.

A função de Ret, assim como de Presley, é de ser brancos que inspiram negros, a não assumirem que o racismo existe.

Esse sim é o grande lance diabólico nesse filme: devido a estarmos cansados das primeiras duas partes, aceitamos o drama, real, de exploração que Elvis Presley sofre, sem nos atentar que ele também era um explorador, consciente, de artistas negros.

MAS E O B.B.KING (1925–2015) E SUAS DECLARAÇÕES DE AMIZADE ENTRE ELE E PRESLEY?

SÉRIO QUE VOCÊS ESTÃO CAINDO NESSA VERSÃO 2022 DE “NÃO SOU RACISTA PORQUE TENHO AMIGOS NEGROS”?

E por todo o filme o racismo que molda a carreira desse ótimo interprete, péssimo ator (bom, capitalismo faz maravilhas com rostinhos bonitos brancos, pergunte ao Walter Benjamin (1892–1940)) e excelente show man é esvaziado, devido a ele ser explorado, também por Parker.

OU NÃO?

Em dado momento no produção, Parker deixa claro o que está fazendo, quando escuta pela primeira vez um long-play de Presley e diz que é só um negro que canta bem. Quando lhe explicam que ele é branco, Parker tenta o contratar o mais rápido possível porque ele achou finalmente um produto perfeito para ser vendido. Citei isso em minha resenha anterior sobre CRIMES DO FUTURO (2022) e repito aqui novamente:

“A CHAVE PARA SE TER UM GRANDE PRODUTO É VOCÊ PERCEBER QUE AS PESSOAS NÃO SABEM SE DEVEM GOSTAR DELE OU NÃO”.

Ou seja, criar um produto de apelo coletivo, que não seja explicitamente popular, logo, despido da organicidade que o levaria a provocar certa radicalidade.

E UM BRANCO QUE ERA NEGRO BRANCO CANTANDO MÚSICAS DE NEGROS É O GRANDE EXEMPLO CULTURAL DISSO TUDO.

Ao final temos nosso querido Irmão-Capitalismo, rindo, mais uma vez, porque seu golpe deu certo de novo: ele continua, desde de o começo da modernidade vendendo os produtos dos negros, para os brancos e negros, sem parecer que são produção negra.

NEM O DIABO SERIA TÃO MEFISTOFÉLICO.

Mas outros artistas negros brancos entendiam o que faziam e nunca se entregaram tão facilmente, destaque aqui para Beastie Boys (1972–2012), composto de jovens negros brancos de ascendência judaica, muito importantes para o RAP de modo geral e que nunca forçaram qualquer tipo de apropriação cultural.

ERAM APENAS JOVENS POBRES JUDEUS FAZENDO SOM DE BAIRROS.

Também outros como o pessoal do HOUSE OF PAIN (1992–1996, 2009-) que sempre discutiram problemas dos jovens irlandeses em Nova York, reiteradamente se afirmando contra o racismo, mas nunca se entendendo como negros de origem preta.

Ambos os grupos foram muito influenciados pelo punk e pelo hardcore.

Assim, é possível fazer som de guetos, sem ser de origem preta, no entanto isso acaba decorrendo em um exame de sua própria condição e de como ela se insere em sua realidade concreta.

PARA ISSO É NECESSÁRIO ALÉM DE TALENTO, UMA ENORME CORAGEM.

É isso que desprezo nesses artistas que falam coisas como “branco que inspira pretos”:

E QUAL É A NOVIDADE DE UM BRANCO QUERER CONTROLAR OS SONHOS DOS NEGROS?

Vai assumir o seu lugar histórico de trouxa lá no canto, seu boy bobo.

Se gostou desse texto, 50 palmas serão bem-vindas e agradecidas.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).