BARBIE [FILME] (2023):

Sombrionauta
9 min readAug 3, 2023

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QUANDO A PIADA DOS HOMENS VELHOS É VOCÊ.

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O final de todos as mulheres hiperssexualizadas é o universo infantil. Assim como de todos os homens violentos e genocidas também o é.

Só que no primeiro caso, é a versão infantil do que se espera de uma mulher e que deve ser ensinado às crianças: que elas devem desfrutar de um tempo de felicidade solitária para depois se casarem.

No caso masculino, geralmente os action figures, o famoso boneco para meninos, deve emular o modelo de trabalho que se espera para os jovens de certa classe média: exemplo disso são os brinquedos para garotos chamados aqui de G.I. JOE (FALCON, e depois, COMMANDOS EM AÇÃO, NO BRASIL 1964)) da HASBRO (1923), que basicamente eram soldados de várias etnias e especialidades, que combatiam um exército terrorista chamado de COBRA em algumas de suas versões.

INTERESSANTE VOCÊ DAR A SEU FILHO BRINQUEDOS INOCENTES DE SOLDADOS ESTADUNIDENSES QUE ESTAVAM QUEIMANDO VIVOS OS FILHOS DE OUTROS PAIS NO CONFLITO DO VIETNÃ (1955–1975).

Logo uma das mais divertidas discussões é, sobre que tipo de pessoas podem ser modelos para os brinquedos de uma outra geração?

ORA, AS FAMOSAS.

Mas quais famosas?

AS SENSACIONALISTAS.

E geralmente seriam pessoas que teriam sua beleza ou habilidades baseadas nos modelos de suas sociedades. E os melhores modelos sempre são as que vieram do sensacionalismo.

Este filme é sobre isso.

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MEMÓRIAS MODELARES.

O universo dos brinquedos é sempre a projeção, filtrada, do que a sociedade pensa de si e que quer reproduzir em seus filhos.

ALIÁS TODO O UNIVERSO INFANTIL PENSADO POR ADULTOS É SÓ ISSO.

Contos de fada, desenhos animados, jogos, vestuário, música para o universo infantil são variações e adaptações do que os adultos acham que deve ser seu próprio mundo. Mas existem senões nessas produções. São as chamadas forças produtivas.

De acordo com as forças produtivas de um local, seu produto pode ser mais ou menos acessível: geralmente se é uma nação dominada por outra, até mesmo a produção de brinquedos é invadida e tomada pela de seu dominador, e assim o imaginário daquelas crianças sobre si mesmas passa a ser moldado pelo que se espera em outro país, logo, outra economia política.

PORTANTO, UM FILME DE BONECA, MAIS DO NUNCA, É UM FILME DO QUE SE PENSA QUE UMA MOÇA DEVA SER COMO ADULTA.

Geralmente quem critica essas coisas não leu nada do WALTER BENJAMIN (1892–1940) e seus escritos sobre a relação das crianças com seus brinquedos.

Acho que isso é porque não gostamos de admitir que estamos projetando todo o nosso eu nos nossos filhos, como qualquer soldado imperialista que é representado nos bonecos do GI. JOE.

POR EXEMPLO: NO FILME DA BARBIE TEMOS TODAS AS ETNIAS POSSÍVEIS, MAS NÃO TEMOS VARIAÇÃO DE NACIONALIDADES, NÃO É?

Ser afro-estadunidense, não é ser africana, assim como ser hondurenha-estadunidense, não te faz hondurenha. Era essa a sacada de BENJAMIM ao analisar brinquedos e memórias de infância criadas a partir das brincadeiras feitas por esses instrumentos: eles são sim parte de uma agenda globalista, mas a do CAPITALISMO.

O que na verdade esses homens fracos, estão reclamando do filme, é que eles não fazem parte do imaginário estadunidense de masculinidade. Logo sugiro que eles vejam os outros filmes da HASBRO tais como a franquia TRANSFORMERS (1984–2023) que é um G.I. JOE que só tem masculinidade, sem sexualidade, coisa que essa rapaziada teme, mas que projeta em suas mulheres.

NÃO É SE ESTADUNIDENSE SOLDADO, MAS PELO MENOS NÃO TEM MULHERES QUASE ALI, O GRANDE TEMOR DELES.

Aliás é muito interessante o modelo que foi usado para a BARBIE nesse filme:

A DA WHITE TRASH ESTADUNIDENSE.

GAROTAS DO MILHO.

Eu adoro perceber como o a representatividade é uma forma de mascarar a economia política. Porque ao separar as corporalidades de suas espacialidades e retirar suas especificidades , as condições de trabalho, é possível mesmo criar modelos análogos de convivência que não são necessariamente falsos, embora sempre incompletos.

No caso escolha da atriz Margot Robbie foi perfeita, pois está na linha de papéis que ela sempre interpreta, a saber, a de White trash, termo pejorativo que designa brancos pobres nos E.U.A., e que se adequa ao que falei antes: comece hiperssexualizada, (Arlequina) e termine do mesmo jeito, sendo uma boneca engraçada (Barbie).

Mas o grande papel que mostra o que Robbie é de fato é seu ótimo filme EU, TONYA (2017) em que ela interpreta uma patinadora White trash extremamente habilidosa e que é renegada, porque os juízes do campeonato nacional estadunidense não querem que alguém como ela seja o modelo de feminilidade desse esporte elitizado.

PARA ELA SÓ SOBRE FAZER PAPEL DE BONECA PARA A LASCIVIDADE DAS ELITES URBANAS MASCULINAS QUE DOMINAM OS LOCAIS DE ONDE ELAS VIERAM, ASSIM COMO A MARILYN MONROE (1926–1962), OUTRA CORNFLAKE GIRL (1994), TAL COMO CANTOU TORI AMOS (1963).

Essas moças sempre odiaram serem preteridas e na verdade a filmografia em tons de comédia de terror que recentemente mostrou isso foi X-A MARCA DA MORTE (2022) e PEARL (2023), protagonizadas por versões diferentes dessas garotas do milho, sempre criadas em locais moralistas e, portanto, sempre servindo de base para os sonhos pornográficos de homens moralistas que as desejam como escravas, mas nunca como companheiras.

Em verdade toda linha da Barbie no filme, como bonecas e como personagens é feito dessas mulheres que são repelidas pelo imaginário masculino do patriarcado, e que gostando ou não ainda existem. Por isso o Barbielândia só tem aqueles homens, a meu ver, ou não, que não genitálias: porque se houvesse, eles poderiam evoluir, assim como elas, por meio de sua próxima geração.

Falta sexo.

O FILME BRINCA COM ISSO AO TRAZER GLORIA (AMERICA FERRERA) E SUA FILHA SASHA (ARIANA GREENBLATT) PARA A TRAMA, POIS NO MUNDO DE BARBIE, ASSIM COMO EM TODO O MUNDO INFANTIL, INCLUSIVE DE SUPER-HERÓIS, NÃO SE DEVE HAVER MENÇÃO À MUDANÇAS, O QUE FILHOS EM VERDADE SIGNIFICAM EM CERTA MEDIDA.

Pelo menos é o que o UMBERTO ECO (1932–2016) explica.

Todas aquelas mulheres estão em um espaço segregado do patriarcado, assim como toda o universo feminino geralmente é. A palavra APARTHEID (1948–1994) fica bem atraente aqui, mas sendo honesto é mais um “iguais, mas separados”, política de segregação de estado sulistas para com o negros, sendo aplicado aqui, mas para mulheres.

Contudo toda a política de segregação dever ter seus capitães do mato, mas aqui são capitãs.

VIDA FEMININA PLÁSTICA.

Confesso que acho muito divertido esses filmes em que o Irmão-Capitalismo aparece sem nenhum pudor em dizer que é ele. E ele tem feitos vários desses, como SPACE JAM: UM NOVO LEGADO [FILME ] (2021) mas para mim seu grande sucesso como essa filmografia que chamarei de cínica, é a franquia MATRIX (1999–2021).

Porque nesse tipo de filme, nosso querido inimigo deixa claro, por meio daquela empresa safada que abraça o Capitalismo sem pudor, a WARNER BROS (1923), que ele está descaradamente te roubando, esvaziando, explorando, prostituindo, pornificando, violentando, mas sempre de maneira engraçada.

CONFESSO QUE GOSTO DESSE TIPO DE ABORDAGEM, PORQUE DEIXA CLARO QUE QUE DEVE NOS COMBATER PARA MANTER O PODER.

No filme em particular vemos o safado falar o tempo todo que criou as Barbies como modelo esvaziado do feminismo mais ligado ao trabalhismo e o tornou uma piada safada de homens velhos deploráveis. Deve ser por isso que os jovens ficaram bravos: eles perceberam que foram excluídos do banquete.

BOM, A BASE A BARBIE SEMPRE FOI SER PIADA DESSES HOMENS, MAS JÁ FALAMOS DISSO.

Ali quem faz a versão do capitalismo é aquele ator que gosta de fazer filmes fazendo o papel dele o Will Ferrel aquele cínico, e, portanto, honesto, Executivo chefe da MATTEL (1945). Ele sabe que tem de reciclar esse modelo de feminilidade que a Barbie representa, criado em 1959, para os tempos atuais.

EM TOM DE COMÉDIA O FILME DIZ MESMO O QUE ESTÁ FAZENDO NA PRÁTICA, E AINDA QUEBRANDO A QUARTA PAREDE. BRECHT (1898–1956) FICARIA MUITO IRRITADO COM ISSO.

E quem melhor para fazer tal feito, se não todas as mulheres que fizeram parte do casting de variações desse feminismo esvaziado, as comediantes, Issa Rae (Barbie Presidente), Kate McKinnon (Barbie Estranha), ou mesmo Emma Mackey (Barbie Física). Todas elas não passam de variações, inclusive em termos étnicos de cornflakes girls.

Por trás da comédia está uma verdade simples: não há em nenhum momento possibilidade de o universo feminino infantil industrializado tolerar qualquer feminismo real, ou seja, vaginas e sua verdadeira função no Capitalismo, a reprodução de mão-de-obra, serem discutidas de fato.

Barbie é essa comédia dramática divertida e vazia, a meu ver melhor que o ultimo MATRIX ou SPACE JAM, porque aqui o Irmão-Sistema finalmente achou uma diretora adequada para essa produção, Greta Ferwig, essa versão feminina do abusador de mulheres WOODY ALLEN (1935), que faz o que ele também faz, só que melhor, porque é pior: o de apresentar limitações econômicas e seus reflexos no campo dos sentimentos.Como ela não é profunda como ALLEN, ela é mais acessível. Ou talvez seja o meu machismo falando. Mas eu sou velho.

AMOR, PLÁSTICO E BARULHO.

Barbie em verdade é baseada em outra boneca chamada Bild Lilli (1955–1964) criada pelo panfleto de direita reacionário BILD (1952) fundado por AXEL SPRINGER (1912–1985), que chegou até a sofrer atentados à bomba pelo BAADER-MEINHOF-BANDE (1970–1998) grupo guerrilheiro de esquerda revolucionário.

A Lili em questão era um quadrinho de 1952 que mostrava como deveria ser a mulher moderna: linda e sempre à procura de homens para pagar suas contas. Sim, é isso mesmo. Ela fazia muito sucesso entre homens adultos de certa idade, e ela era mesmo parte do segmento chamado de “old men’s humor” (humor de homens velhos), que para o Brasil deveríamos chamar de “piada do tiozão do pavê”. Aquele tipo de gente que forma a extrema-direita hoje em dia.

Com o sucesso da tira, foi produzida a boneca, que fez um sucesso estrondoso, justamente porque ela sim era uma boneca que projetava para a meninas o tipo de imaginário que os homens deveriam pensar delas. Tanto que tal qual Barbie, ela ganhou uma versão cinematográfica, só que em 1958, sendo que a atriz ANN SMYRNER (1934–2016), famosa por seus papeis que valorizavam sua beleza e sexualidade, foi escolhida para o papel.

TIPO O QUE A MIA GOTH (1993) É HOJE EM DIA.

Então todo esse filme chega a essa deliciosa comédia, neo hegeliana, tal qual seu competidor OPPENHEIMER [FILME] (2023): ambos apontam para problemas no Capitalismo, mas não querem avançar na discussão, porque isso os faria se tornarem leninistas.

PODE TER CERTEZA QUE JAMAIS HAVERÁ UMA BARBIE NADEJDA KRUPSKAIA (1869–1939), EMBORA A ESQUERDA INSTITUÍDA TENTE FAZER ISSO COM ELA.

Ali tem todo o amor plástico e estéril por todos os personagens, e, o Ken feito pelo Ryan Gosling , aquele rapaz que começou sua carreira artística no CLUBE DO MICKEY(1955) e desde lá se especializou em fazer papéis de androides, nazistas e outros seres sem expressão e com problemas de sexualidade.

BOM, ELE É SÓ O KEN MESMO.

E Ken é de fato a masculinidade esvaziada da sexualidade, como todo o misógino é, que não consegue desejar por si, então deve submeter os outros. Acho que muito nego não ficou bravo com a Barbie, e sim, por se ver nele.

Porém é isso: Barbie é só uma piada do tiozão do pavê feita por uma tiazona do Pavê, para futuras tiazonas do pavê. Se quiser ver mesmo uma discussão sobre as mulheres no mundo do trabalho machista, recomendo ver os filmes da RENATA PINHEIRO (1970) lá do recife.

No mais, sorria. Você se BARBIE [FILME] (2023):divertiu assistindo, assim como eu, não foi?

PODE VOLTAR PARA SUA CAIXA AGORA, BONEQUINHA DE HOMENS VELHOS. OU MULHERES VELHAS.

POST SCRIPTUM

Temos muitas produções que são ligadas à manufatura de brinquedos e que podem ser sim bem inovadoras em termos dos papéis sócias femininos, tais como MASTERS OF THE UNIVERSE: REVELATION [ANIMAÇÃO ] — PRIMEIRA TEMPORADA (2021), mas elas sempre são apenas upgrades do machismo.

Dificilmente o universo dos brinquedos foge dessa regra, por justamente os meios de produção que os criam serem muito específicos e reservados, logo, caros e de pouco acesso. Suas produções tendem então a serem sempre atualizações de estereótipos sobre a sexualidade, mas do que sobre profissões.

SEXO É MAIS DEBATIDO NO MUNDO DAS CRIANÇAS DO QUE TRABALHO. MESMO PARA CRIANÇAS QUE PADECEM DO TRABALHO INFANTIL.

Então o mundo dos brinquedos por excelência é um mundo reacionário. Por isso um “filme de boneca” tem sim que ser debatido, porque ele explica o que estamos pretendendo para a próxima geração.

INCLUSIVE DE HOMENS.

Se apreciou, 50 palminhas serão bem-vindas.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).