SLEEPERS: A VINGANÇA ADORMECIDA [FILME] (1996):

Sombrionauta
4 min readApr 16, 2021

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Cuidado com a vingança do bairro paciente.

A velhice destila a cultura das pessoas se não sofrer intervenções no decorrer de suas vidas. Significa que um indivíduo aumenta a sofisticação sobre si mesmo e sua consciência do mundo à medida que revisita essa cultura e a memória produzida e tenta entender o hiato, gap (usando o termo de Hannah Arendt (1906–1975)) e a tensão entre esse passado e a expectativa que temos dele (pensando em François Hartog (1946)).

O QUE ANTES ERA BELO PODE SER REPUGNANTE E VICE-VERSA, RESUMINDO. SE ESSE PROCESSO NÃO ACONTECEU NENHUMA VEZ, SIGNIFICA QUE ESSE VISITANTE DE SEU PASSADO AINDA NÃO O SUPEROU, OU, SENDO MAIS DIRETO, NÃO AMADURECEU AQUELA EXPERIÊNCIA.

Tive essa experiência de amadurecimento assistindo a esse filme inspirado em fatos reais vividos pelo narrador Lorenzo Carcaterra (1954) que também foi produtor da série LEI E ORDEM (1990–2010) de 2003 a 2004, pois lembro que não havia o apreciado no passado quando o assisti em salas de cinema.

Dois fatores parecem ter contribuído para isso, não me lembrar de todas as cenas, pois me parece que o filme sofreu alguma edição nessas salas de cinema, também porque ele não entrou para o panteão do cinema apesar de atores blockbusters como De’ Niro, Pitt e Hoffman (convém ver que parte do elenco são hoje reconhecidos como abusadores e que eles mesmos sofreram abuso: perversa genética do casting hollywoodiano que faz uso da metodologia do teatro da dor) estarem em seu elenco, por um simples fato:

ELE TRATA DO ABUSO DE MENINOS, NOTADAMENTE BRANCOS, A MEU VER, WHITE NIGGAS.

Assim esse drama foucaultiano (e que o próprio podia ter estrelado, segundo relatos) mostra como a violência das instituições de correção para jovens, como a extinta (?) “Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor” (FEBEM), servem de antro para que funcionários públicos estafados extravasem suas frustações em jovens infratores por meio de espancamentos e violência sexual.

FILMES PORNOGRÁFICOS CUMPREM A MESMA FUNÇÃO DE UMA “RENDA-OPRESSÃO” PARA OS TRABALHADORES, SOBRETUDO HOMENS HÉTEROS, MAS NÃO SÓ ELES, SEMELHANTE AO SALÁRIO PÚBLICO E PSICOLÓGICO BRANCO TEORIZADO POR W. E. B. DU BOIS (1868–1963).

Isso me fez pensar que não gostei porque posso ter me visto no papel dos meninos abusados.

SIM, ME VI PELO QUE VOCÊS ESTÃO PENSANDO. É MAIS COMUM DO QUE A MAIORIA DOS HOMENS ADULTOS QUER ACEITAR SER.

Acho que as feministas radicais chamam isso de “sequestro de memória’.

A trama toda parte da discussão de quatro garotos, que em sua vida adulta tramam vingança contra esses guardas que os abusaram, aqui a tensão é explicada por mostra-los na idade em que aconteceram seus abusos e depois em suas vidas adultas Lorenzo “Shakes” Carcaterra (Joseph Perrino /Jason Patric), Tommy Marcano (Jonathan Tucker/Billy Crudup), Michael Sullivan (Brad Renfro/Brad Pitt) e John Reilly (Geoffrey Wigdor/Ron Eldard)amigos de infância em “Hell’s Kitchen” bairro de Matt Murdock, o Demolidor.

E eles são bem crianças infernais: são jovens infratores inconsequentes que cometem um crime terrível por pura brincadeira e mereciam ser punidos.

MAS NÃO ABUSADOS.

AÍ ENTRA A ENTIDADE PARA COMBATER ESSAS INSTITUIÇÕES: O BAIRRO SE ORGANIZA ANOS DEPOIS, PARA CRUELMENTE FORNECER A LOGÍSTICA PARA A VINGANÇA DOS “SONÂMBULOS” OCORRER.

O Bairro não muda muito com o tempo e a memória afetiva que tem para com os meninos irá proporcionar a logística para a vingança dos homens E quem o Bairro não puder alcançar, ele negocia com outras instituições para que juntos possam se vingar, mesmo que sejam outros Bairros, inclusive os negros.

Esse limite entre a disciplina e o abuso está presente em quaisquer instituições educativas (porque a prisão, a escola e o reformatório são isso mesmo). O problema é o limite que isso acontece. Parece que essas instituições correcionais, notória por pagarem mal seus funcionários, toleram esses abusos como forma de manter esses empregados insatisfeitos em seus quadros.

E SEUS COLEGAS OS APOIAM, PODEM TER CERTEZA.

Não todos, claro: em certo momento da narrativa duas figuras merecem destaque Padre Bobby (Robert De Niro) padre que foi ex-prisioneiro (está mais para budista que católico nesse sentido) e um guarda negro Marlboro (James Pickens Jr. ) que parece não tolerar os abusos perpetrados por Sean Nokes (Kevin Bacon). Mas eles não são fortes o suficiente para combater isso, pois as instituições públicas são mais fortes que eles.

Não há inocentes aqui. O fado dos garotos será cobrado nas ações dos homens que se tornaram. Nem o bairro é: a violência e descaso para com as mulheres é gritante, mas tida como parte da organicidade do bairro.

ISSO EXPLICA PORQUE O FEMINISMO RADICAL NUNCA ESTARÁ PLENAMENTE FECHADO COM O BAIRRISMO.

O Bairro lamenta e se vinga. E a vida continua.

Hoje em dia se debate mais isso. São tempos melhores. Melhores porque se reconhece o pior neles.

Hoje nas escolas, essa espécie de corregedoria do bairro, abusos a jovens são percebidos e denunciados, coisa que vi muito em minha vida professoral. Alguns são punidos, muitos não o são.

Talvez sejam as instituições correcionais se modificando, embora no caso estadunidense, Nova York renegue todas as acusações feias por Carcaterra. Logo tenho cá minhas dúvidas.

OU TALVEZ JOVENS DO SEXO MASCULINO ABUSADOS RETORNARAM, DESPERTOS, ÀS ESCOLAS COMO PROFESSORES PARA VINGAREM OUTROS JOVENS COMO ELES.

Sejam eles brancos ou não, sejam elas ou eles.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).