SINTONIA — 2ª TEMPORADA [SÉRIE]- (2021):

Sombrionauta
6 min readNov 17, 2021

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É nós que raciocina, Bruxão do Cosme Velho.

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Machado de Assis (1839–1908) em um de seus textos mais famosos, e menos citados como teoria literária de fato, chamado INSTINTO DE NACIONALIDADE (1873), apresenta a proposta de que era possível discutir assuntos universais, ou seja, de interesse de toda a humanidade (letrada) por meio da prosa (linguagem) brasileira.

Assim o o famoso Bruxo do Cosme velho (apelido dado por seus vizinhos) nos introduz o seguinte:

QUE DO PONTO DE VISTA DE UM PAÍS DE NEGROS, COMO ELE MESMO, ERA POSSÍVEL CONSEGUIR CRIAR UMA VISÃO DE MUNDO RESPEITÁVEL SOBRE O MUNDO OCIDENTAL CAPITALISTA.

Homem conservador nos costumes, e inovador na escrita literária, o Bruxo Assis apresentou em suas narrativas como a forma que se narra, se feita com habilidade, poderia revelar mais sobre o mundo (capitalista, machista, racista), do que o discurso dos pretensos revolucionários que nunca sequer deram um tiro, ou mesmo, fizeram uma greve em suas vidas.

ESSA SÉRIE ESTÁ EM SINTONIA COM O MONARQUISTA BRUXO NEGRO.

[SIGA LENDO ESSE TEXTO NO LINK DA BIOS]

Porque a produção ao não procurar chocar ou moralizar seu espectador, se restringindo apenas à aparente inocente narração, faz um mapeamento instigante do poder tradicional nas periferias, nos apresentando à uma análise conservadora do Funk como capitalismo cultural

ISSO SE DÁ AO APRESENTAR A MÚSICA FUNK, E OS PODERES QUE SE PROPÕE A FINANCIÁ-LA: TRÁFICO ILEGAL DE DROGAS E AGIOTAGEM, CAPITALISMO SOCIAL E PRODUÇÃO MUSICAL , E, CULTURA CRISTÃ EVANGÉLICA E COOPTAÇÃO DA COMUNIDADE, DEMONSTRANDO COMO ESSAS FACETAS DO CAPITALISMO NACIONAL AGEM PARA ALÉM, MAS INCLUINDO NO TEMPO CERTO, O CAPITALISMO AGRÁRIO DE MANEIRA DISCRETA.

A série segue sua narrativa, muito bem feita, sobre a ascensão do MC Donizete matuto (Jottapê), sendo apoiado monetariamente pelos clássicos sistemas financeiros brasileiros; violência e tráfico de drogas (que organizou a produção brasileira desde a colônia: açúcar e café são drogas, meus docinhos marrons) mostrado, mas não somente por ele, na figura do negro Luiz Fernando Silva (Nando) (Christian Malheiros), e sacramentado culturalmente pelos sistemas religiosos cristãos políticos encarnados pela moça mestiça Rita (Bruna Mascarenhas).

AQUI ESTÁ A TRÍADE DE PODER BRASILEIRO EM NOSSO IMAGINÁRIO.

SINTONIA não deixa de mostrar que nosso querido Doni no fundo é apenas um sorriso masculino heterossexual branco pobre bonito, que cresce em sua carreira por ter uma condição melhor de vida, devido a seu falecido pai ter um mercadinho. Que ele apesar de seu sucesso, deve ter suas habilidades aumentadas por outros negros que lhe ensinam a cantar e o apoiam na composição das letras.

PORQUE PARA ESTES PRUDENTES PRUDÊNCIOS, SÓ SOBRE ISSO MESMO: DEIXAR ESSE BRÁS CUBAS MONTAR EM SUAS COSTAS RUMO AO SUCESSO QUE ELES MESMO NÃO TERÃO.

Enquanto isso, o violento e sonhador (líderes são basilarmente isso) Nando garante a segurança pública, a empresa e a vida de Doni. Ele é impiedoso porque tem um coração de artista, preso no corpo de um marido em pai.

BOM, NÃO TEM BRÁS CUBAS SEM ESSE TIPO DE CANDINHO.

E quantos caem vítimas desse rapaz. O tráfico o admira e teme, porque ele é o que eles precisam e criaram, e que o RACIONAIS MC’S bem radiografou; “um bom filho (sem pai e mãe), um bom irmão (de Doni e de Rita),um cidadão comum com um pouco de ambição”.

E finalmente a ingênua e astuta Rita, cada vez mais convertida para Jesus e comprometida pela política dos fariseus, descobrindo concretamente que sua congregação perdoa todos os seus pecados, menos o de cruzar as linhas das classes sociais, que ela comete ao tentar se envolver com a filho (rico) do líder de sua igreja.

DURAMENTE ELA FOI LEMBRADA QUE APESAR DE BENZIDA NO ESPÍRITO SANTO, SUA IGREJA AINDA CANTA LOUVORES OFENSIVOS ÀS ESCONDIDAS PARA ELA, CUJO REFRÃO É “MULHERES VULGARES POBRES CONVERTIDAS, UMA NOITE DE CULTO E NADA MAIS”.

Os contratos da periferia levam Doni, com apoio de outros periféricos fadados a morrer por ele, para o circuito agrário de poder, onde os Shows dão mais lucro, e finalmente, para a Europa.

O CAMINHO CLÁSSICO DAS MERCADORIAS BRASILEIRAS: PERGUNTE A QUALQUER CANA DE AÇÚCAR QUE VIROU PÓ PARA SER CONSUMIDA NA HOLANDA.

No final dessa temporada, chegamos a um diagnóstico pavoroso e previsível: de que eles não podem escapar do que são, justamente porque não se têm quem os ajudem a se problematizarem. Assim, são submetidos a um bando de canalhas prontos a vender o drama de suas vidas.

Em sintonia, não existem escolas nem professores.

APENAS HÁ DRAMA PESSIMISTA DA DEUTSCHLAND, MAS NENHUM NEGRO DRAMA.

Maravilhosa em seu conservadorismo, essa série nos mostra que é possível criar uma obra inovadora, pedagógica e ambiciosa, sobre os velhos sistemas de poder capitalistas escravistas, mas que não os denuncie. O funk ainda não é forte para isso…

Mas está se tornando: relatórios da Fundação Getúlio Vargas demonstram que, em verdade, esse estilo arranca poder do fluxo, das festas, de sua população, pelo menos o funk carioca.

A Górgona Podcast fez uma temporada, não de 1 , nem de 2, ou mesmo 3 episódios, e sim de 4 ,sobre essa cultura.

PERDÃO FAZER MERCHANDISING DAS OUTRAS MÍDIAS DO NARRADOR É NECESSÁRIO.

Sigamos.

Os recentes embates com uma de suas viúvas, descendente dos donos do poder nortistas e nordestinos, mostram que eles, os funkeiros, começam a entender que mesmo quando pareçam brancos, são apenas negros brancos.

Um dia, com muito esforço de nós professores das escolas públicas estaduais e municipais, uma outra face cultural do funk (repare que nas batalhas esses jovens também estão rimando sobre suas aulas)será melhor percebida.

E mais, esses jovens, podem, talvez, vir a entender que são uma das forças econômicas de toda a comunidade pobre da zona sul, e que, o fim de semana nos parques deles é o sustento de seu verdadeiro poder.

Isso nos faz constatar que nossa visão do crime e da música está incompleta, porque a vemos, como negros monarquistas tais quais o Bruxo Assis.

Não estou dizendo para sermos uns idiotas republicanos spencerianos como Sílvio Romero (1851–1914): biologia não significa nada, a não ser para quem está no topo de uma hierarquia fundada nessa ciência.

O que estou dizendo, sim, é que existem mil Faces de Homens e Mulheres leais às suas periferias: talvez um deles venha a ser, para confirmar os medos do Bruxo do Cosme Velho, a próxima Carla Mariguella.

É o que espera esse idólatra leninista de 7 faces, seu adorável herege, o Doutor Lao da História.

[SIGA LENDO A PARTIR DAQUI SE VOCÊ VEIO DE OUTRAS PLATAFORMAS]

Assim sendo, temos nessa série da netflix, mais do racismo estrutural que se apresenta como única realidade brasileira, que é boa ao renegar a esperança, mas péssima, ao renegar opções além das mais tradicionais.

É o que se espera desse tipo de produção, ruim enquanto portadora de novas fruições da periferia, mas muito boa em apresentar um diagnóstico do que é a economia brasileira para os jovens da periferia.

Além de ser um tanto descarada: num dos melhores momentos, a pequena burguesia é apresentada como errada ao não vender “seus negros” tão prontamente à grande burguesia musical:

Quando MC Luzi (Fanieh) faz um belo desabafo de como os empresários a pensam como produto, eu quase achei que a série ia descambar para o pensamento de esquerda.

QUASE.

Porém, seguindo a tradição, ela reserva para suas mulheres negras apenas um fado, a de ser a carne, ainda mais barata do mercado: a decadência de Mc Dondoka (Leilah Moreno) é exemplo disso.

As mulheres na série são apenas escadas para homens, poderosas só em apoiar, e não, em serem potentes por elas mesmas: as que tentam são chamadas de barraqueiras.

E NÃO É ASSIM QUE CHAMAMOS AS MULHERES QUE NÃO ATENDEM AS EXPECTATIVAS RACISTAS E MACHISTAS?

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).