MEU NOME É DOLEMITE [FILME] (2019)

Sombrionauta
3 min readMay 26, 2020

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Quando se fala de “origens humildes” geralmente as pessoas fazem uma construção bem do presente do que foi seu passado econômico: assim gostam de falar de sofrimento, de um drama infinito e de como isso as fez convergirem para seu absoluto sucesso.

TRADUZINDO, FINGEM QUE SÃO BRANCAS.

Isso leva a um problema de continuidade, não só textual, mas na verdade de diagênese: ou seja, de uma narrativa que mostre um processo e que evita narrar aquilo que não pode ser comprovado. Qualquer fantasia, ou complacência consigo, coisa que o drama adora, geral um erro de entendimento no processo, e, por conseguinte, a impossibilidade de sua reprodução.

POR ISSO A COMÉDIA PARECE SER MELHOR PARA RETRATAR ALGUMAS COISAS, POIS ELA NÃO TEM VERGONHA DE SER RIDÍCULA E IRÔNICA (TRADUZINDO, DE ADENTRAR NO QUE É DISCURSO E NO QUE É REALIDADE QUE NÃO SE PAUTA PELOS OBJETIVOS DE QUEM DISCURSA/MENTE)

Nessa boa comédia, Eddie Muphy aparece como o protagonista como Rudy Ray Moore / Dolemite e continua uma das máximas de sua carreira: uma homenagem constante aos profissionais que ele julga importante serem lembrados O Professor Aloprado O PROFESSOR ALOPRADO (1996), remake do filme de 1963 de Jerry Lewis, é um dos exemplos disso.

A DUBIEDADE, A DUALIDADE E A DIALÉTICA BEM HUMORADAS DO QUE SE É E O QUE SE DESEJA SER APARECEM NESSAS OBRAS DE COMÉDIA E EM TODA A OBRA DE MURPH, ONDE O PROCESSO PARE SE TORNAR ALGO NOS REVELA O QUE NÓS MESMOS SOMOS: BOBOS, COM ALGUMA VONTADE DE POTÊNCIA, SE ACHOU ESTRANHO E INÚTIL ISSO, PERGUNTE O QUE O BATMAN ACHA DISSO.

No filme, somos apresentados a um dos expoentes da blaxploitation, ou seja, filmes de baixa bilheteria, feita por gente que tem pouco dinheiro. Aqui o comediante Rydy Ray Moore toma a alcunha de Dolemite, personagem mítico negro (algo semelhante ao Chocolate, palhaço francês, ou ao Jeca Tatu brasileito) ao perceber que não consegue despontar em nenhum ramo da música ou do showbusiness.

UMA DAS MELHORES CENAS É QUANDO DOLEMITE VAI RECOLHER E ATUALIZAR HISTÓRIAS DE MORADORES DE RUA NEGROS SOBRE SUAS VIDASA PARA O TEMPO PRESENTE. O PROCEDIMENTO É ACEITAR PARA SUPERAR, COISA QUE A MAIORIA DOS NEGROS NO BRASIL

Por meio desse procedimento, o de usar uma quantidade obscena de obscenidades (palavrões) e os transformar em bordões rimados a exaustão, Dolemite ganha a multidão.

POSTERIORMENTE O RAP IRÁ TOMAR ESSA FÓRMULA PARA SI.

Vemos aqui outra grande sacada do filme: a cena em que assistindo um filme no cinema, Dolemilte percebe que o humor dos negros e diferente do dos brancos: dialética de palhaço que compreende que rir pode ser universal, mas a organicidade do riso é bem particular.

NEGROS RIEM DE SUAS VIDAS, BRANCOS QUEREM QUE TODO MUNDO RIA DA DELES.

Isso porque o humorista controla os preconceitos ao controlar a ironia, essa deliciosa linguagem do ódio: ELE PODE VOLTAR ESSE ÓDIO AOS QUE HUMILHAM OU AOS QUE SÃO HUMILHADOS.

Dolemite escolhe os dois: distribui seus filmes aos humilhados enquanto discute como ampliar isso com os que humilham.

O filme demonstra bem como os negócios dos negros são sofridos, preenchidos pelo método de dar apoio a quem não tem nada, pois não se tem nada também a não ser a si mesmos.

LABOR É A PALAVRA, UNIR PARA COMPENSAR A FALTA DE DINHEIRO. NÃO É O FAÇA VOCÊ MESMO, MAS SIM, FAÇAMOS A NÓS MESMOS. SE ALGUÉM ACHOU QUE EU ESTOU FALANDO DO E.P. THOMPSON, ESTOU MESMO.

Coisa bem de sistemas de distribuição e de produção dos pobres: vulgar, rude, apaixonado e orgulhoso de fazer parte de algo que é seu e não ser coadjuvante de outros.

NÃO SER PROTAGONISTA NO SENTIDO DE DOMINADOR, MAS DE SER COLABORADOR.

Sobreviver é necessário, viver a sobrevivência por nossa diagêse nos liberta.

E CARALHO, ESSA PORRA É MUITO FODA, TANTO QUANTO A GAROTADA NOVA, FAZENDO RIMA DE FUNK PANCADÃO NOS EXTREMOS DO MUNDÃO.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).