LOVECRAFT COUNTRY — DÉCIMO EPISÓDIO — CÍRCULO FECHADO — 1ª TEMPORADA (2020):

Sombrionauta
4 min readOct 20, 2020

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Um final bastante Queer. Com direito a MANIFESTO CIBORGUE (1985) de Donna J. Haraway.

Finalmente temos o conflito entre o coletivo dos negros composto pelos Freeman e até mesmo a ex-namorada de Atticus Freeman (Jonathan Majors) a Kumiho Ji-Ah (Jamie Chung), numa espécie de CONFERÊNCIA DE BANDUNG (1955) em território norte-americano.

Nesse sentido o “Queer” se apresenta como uma oficialização das situações que o capitalismo criou e não como seu questionamento. Esse é o ponto. O episódio vem a seguir a linha de que uma parte dos negros parou de lutar contra a tecnologia dos brancos, sua magia (cultura) para serem tomados por ela.

PORQUE A TECNOLOGIA É A VERDADEIRA IDEOLOGIA POR TRÁS DO CAPITALISMO. SUA TECNOLOGIA COOPTA PELO GESTO E NÃO PELA FALA EM SI.

Em última análise é semelhante ao que Marshall McLuhan defendeu em sua obra O MEIO É A MENSAGEM (1967): a tecnologia seria uma espécie de determinismo.

Aqui essa noção é levada ao extremo: para salvar Diana Freeman (Jada Harris) da maldição policial, cada vez mais as personagens vão abandonando sua cultura para se entregarem a cultura da magia branca (cultura).

DE CERTA FORMA UMA ESPÉCIE DE VITORIA DE CHRISTINA BRAITHWHITE (ABBEY LEE). EU PODERIA FICAR IRRITADO COM ISSO SE NÃO TIVESSE ACONTECIDO DE FATO NA REALIDADE: A CLASSE MÉDIA DE ORIGEM NEGRA LIBERAL REALMENTE FOI COOPTADA, PERGUNTE AO KAYNE WEST.

Assim o que era antes ancestralidade africana será substituída pela cultura ocidental greco-romana (magia): o local de proteção dos ancestrais criada pela Hanna (Joaquina Kalukango) é o mundo dee Marte, círculo astral 5 onde a forja (chamas) de Marte executam o julgamento e sua justiça.

CHAMAM ISSO DE INFERNO. PORÉM O TERMO QUER DIZER “CASCAS”: AGORA O AUTOJULGAMENTO PODE ACONTECER. É ISSO QUE HANNA QUER DIZER SOBRE AS “CHAMAS” DEVEM ESTAR SOBRE CONTROLE: ELA ESTÁ FALANDO QUE A RAIVA DOS NEGROS DEVER SER CONTROLADA, USADA COMO ARMA. OS NEGROS DEVEM DEIXAR AS SUAS CASCAS E ENCARAR O QUE SÃO.

E com isso as trindades gregas se repetem, mas aperfeiçoadas. Geralmente as bruxas do destino são apresentadas como a jovem, a mãe e a velha. Aqui a inovação é colocar o conceito africano da família organizada pelas matriarcas. Assim temos três mães se comunicando e transmitindo e compartilhando sua memória.

O ponto forte dessa trindade é justamente a mais jovem mãe Letitia “Leti” Lewis (Jurnee Smollett): faz parte da tradição oral de muitos povos africanos que a griot (contadora de histórias/guarda da memória/guerreira narradora) empreste sua carne para que as ancestrais falem. Aqui está a disputa real: quem consegue narrar melhor o mundo, Lewis ou Braithwhite.

CLARO QUE NÃO HÁ COMO VENCER BRAITHWHITE : A MAGIA DELA É SUA TECNOLOGIA E FOI FEITA ESPECIFICAMENTE PARA RESPONDER MELHOR A SUA LINHA DE PENSAMENTO. POR MAIS QUE LEWIS TENTE ELA NÃO PODE VENCER.

Uma grande sacada: os negros não podem usar a magia (cultura) dos brancos tão bem quanto os mesmos.

APRENDA NEGRO LIBERAL.

Por tudo isso, é que só o coletivo pode vencer Braithwhite: e o coletivo ocidental é dado pelo homem, logo isso explica porque todos se esforçam para salvar/sacrificar Atticus Freeman: o machismo, meus caros, sempre sacrifica os homens em uma guerra, por isso lhes dá tantas vantagens.

E QUANDO A ESPOSA-MÃE FALHA (LEWIS) AS AMANTES COMPLEMENTAM (JI-AH).

Uma triste vitória: Christina Braithwhite (mulher branca) é selada fora da magia (cultura dominante) e ela passa ser exercida por aqueles negros que nunca foram escravos, os Freeman (classe média negra).

OS NOVOS DOMINADORES SERÃO OS NEGROS.

Com o sacrifício de Atticus Freeman até Montrose Freeman (Michael K. Williams) tem uma segunda chance. Carregado pelas mulheres da nova trindade ele via para seu descanso redentor, talvez para ressuscitar em algum momento. Algo bem cristão.

Mas se Marshall McLuhan parece ter vencido, Raymond Williams tem algo a dizer: Diana Freeman, agora usando a clássica cura da ficção científica, um braço robótico (SABEM QUE O BRAÇO DIREITO DE PEDRA DO HELLBOY QUER DIZER QUE ELE FOI COOPTADO, NÃO É? TODO MUNDO SABE QUE O HELLBOY É UM CAPITÃO DO MATO).

LEMBRE-SE QUE O BRAÇO ESQUERDO É AQUELE QUE ESTÁ LIGADO AO CORAÇÃO E A MENTE, INDICE DE QUE UM DOS DOIS ESTÁ EM TRAUMA.

Se temos muita coisa de grego, não esqueçam que ‘Diana” é a caçadora.

E A CAÇADORA NÃO IRÁ SE ENTREGAR TÃO FÁCIL QUANTO O RESTO DOS FREEMAN, APESAR DE A CHAMA DELES TER SE EXTINGUIDO, A CONSCIÊNCIA ELÉTRICA DO BRAÇO ESQUERDO, SEUS FERIMENTOS/ESTRUURA DE SENTIMENTOS/HISTÓRIA, NÃO VAI DEIXAR ISSO ACONTECER.

Armada com a tecnologia e com seu demônio de estimação, ela é um interessante aceno ao movimento negro de esquerda radical dos anos 70 (Panteras Negras).

Gostei disso: as fãs-desenhistas de quadrinhos negros, as sonhadoras burocráticas, filhas da ficção científica e dos livreiros, armadas com a eletricidade, não vão perdoar os dominadores, pois não precisam de sua magia (cultura), pois podem produzir a sua (quadrinhos).

A FEMINISTA NERD NEGRA RADICAL DA MÃO ESQUERDA DA REVOLUÇÃO NÃO SERÁ TÃO FÁCIL DE SER COOPTADA.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).