ILUSÕES PERDIDAS[FILME] (2021):

Sombrionauta
7 min readJun 22, 2022

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O Rodrigues do Marx.

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Eu sou um fã confesso de Nelson Rodrigues (1912–1980), tanto que o tenho tatuado, em uma ironia proposital, em meu braço direito. E isso é imperdoável, mas comum, dentro da esquerda: porque o cabra era um literato assumidamente pequeno-burguês, anti-marxista explícito e crítico ferrenho de quaisquer grandes mudanças estruturais econômicas brasileiras, como qualquer um do extrato sociais dele, porém é uma unanimidade (?) que ele escrevia bem para dedéu sobre quaisquer assuntos. Logo, tal qual gente como José Guilherme Alves Merquior (1941–1991) ele era parte do braço realmente pensante da direita.

O FATO DE QUE ATUALMENTE A MAIORIA DA GENTE DA ESQUERDA É QUE AINDA LÊ ANALITICAMENTE ESSE BRAÇO MOSTRA A SITUAÇÃO INTELECTUAL DELA E DA DIREITA.

Rodrigues conseguia ver a psicologia que era imanente da materialidade brasileira. Para ele só gente cínica moralmente, ou melhor, cínica filosoficamente, era capaz de ver a realidade e seus efeitos na humanidade, ou vice-versa, porque acreditava que existia inocência, se não para que existiria aqueles que se divertem, por esporte e tédio, a esmagá-la sistematicamente

FOI UM ESCRITOR VINDO DA CLASSE MÉDIA QUE MANTEVE UM INTERESSE DELA, A SABER, A CLASSE DOMINANTE E SEUS DESVIOS DE CARÁTER, QUE A GENTE CHAMA NA HISTÓRIA DE “MENTALIDADES”, E A SUA MÃE DE FOFOCAS.

Porém, nosso cínico cínico ao criticar a elite econômica, acabava por elogiar a sua potência e ao mesmo tempo os nivelar moralmente ao resto da sociedade. Ao apresentar a humanidade os usando como base, nos transformava a todos em grandes capitalistas, porque todos nós dividíamos as mesmas emoções baratas.

Contudo antes do Rodrigues existiu outro escritor, tão sagaz, maquiavélico, e talvez mais cínico e cínico ainda do que nosso carioca de Pernambuco, pois viveu para ver a grande Revolução burguesa fracassar e a burguesia francesa ser domada: Honoré de Balzac (1799–1850).

Então vejamos como nossas ilusões; doces colegas produtores de conteúdo, estão condenadas a serem totalmente perdidas.

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Eu acho particularmente que todo o jovem devia ler Balzac. Mas a gente só entende isso depois de velho.

Pessoalmente só o conhecia de nome e porque alguém me falou em um bar que eu tendia a ser balzaquiano. Naquele tempo era jovem, largado, num emprego estranho e cheio de problemas.

Agora sou velho, largado e num emprego estranho cheio de problemas: tudo muda mesmo quando você permanece o mesmo, nem sempre para pior, se não, pelo menos a vida teria o conforto da previsibilidade.

Seguindo.

Eu perguntei para o cabra que me falou isso o que diabo era um balzaquiano: ele falou que era alguém que apreciava mulheres mais velhas.

BOM, QUE JOVEM NÃO APRECIA?

Porém eu fiquei curioso e perguntei quem diabo era esse Balzac e ele basicamente me explicou o enredo de A MULHER DE TRINTA ANOS (1842). Achei maravilhoso, mas como estava vivendo o romance que era esse romance pensei que era melhor não ler.

DETESTO SPOILERS, SEJAM DE LIVROS, REVISTAS EM QUADRINHOS, FILMES E RELACIONAMENTOS. PREFIRO ESPERAR A FACA SER VIRADA DENTRO DO CORPO, COMO TODO O BOM LEITOR.

30 anos depois, lá estou eu pensando em ir no cinema e vejo em cartaz de uma versão nova fílmica de ILUSÕES PERDIDAS (1887–1888) do autor francês acima citado. Pensei comigo “bom, agora eu já sou velho o suficiente para aproveitar sem sentir muito a profundidade do corte que já está cicatrizado”.

CONTUDO O MISERÁVEL É UM GÊNIO E TEM DOR PARA GENTE NA MINHA IDADE TAMBÉM, MULTIPLICADA, PORQUE EU AINDA ME RECONHECI EM VÁRIOS PERSONAGENS EM DIVERSAS FAIXAS ETÁRIAS.

AUTOR BOM É AQUELE QUE DEFENDE E EXECUTA A DIVERSIDADE E EQUIDADE DO SOFRIMENTO.

Bom, não é, mas é excelente, com certeza.

Essa narrativa é o romance favorito de Balzac dentro de sua A COMÉDIA HUMANA (1842) que é como ele revolveu chamar grande parte de sua obra literária, apenas para afrontar o Dante Alighieri (1265–1321).

ESCRITORES SÃO IMORTAIS EM SUAS OBRAS, O QUE SIGNIFICA QUE NEM MORTOS ELES ESCAPAM DE SEREM INSULTADOS: TOMA SEUS BESTAS; QUEM MANDOU FICAR PRODUZINDO CONTEÚDO, PERDÃO, ESCREVER LITERATURA DE ALTA CULTURA.

Esse é um dos grandes temas por trás da obra de Balzac, e da proposta do diretor Xavier Giannoli (1970), respectivamente, ou não: que a literatura, brilhante ou vulgar, é apenas produção de conteúdo efêmero.

Balzac sabia que tudo pode ser vendido, e pior, provavelmente tinha tabela de preços da virtude humana à mão, assim como Giannolli deve ter uma planilha.

Todo o filme é dolorosamente atual, porque não se propõe a sê-lo: assim vemos que coisas como “impulsionamentos” ou “posts pagos” são apenas atualizações de práticas que sempre estiveram na imprensa e na literatura modernas.

RESUMINDO: SOMOS TODOS UNS POSERS QUE SE ACHAM SABIDOS, AO FALARMOS DE “AINNN HOJE EM DIA SÓ SE PUBLICA PAGANDO”: QUERIDOS COLEGAS, “HOJE EM DIA” EXISTE DESDE O SÉCULO XVIII.

Não que o público e a qualidade da escrita deixem de ser preponderantes para o êxito de uma obra, porém não são os únicos elementos a garantir seu sucesso, uma vez que tanto o primeiro, quanto a segunda são definidos também por quem edita e quem publica.

Somos todos, meus adoráveis colegas amantes da leitura, e aspirantes da escrita, como o protagonista deste filme Lucien ( Benjamin Voisin), que dependendo do momento da produção tem dois sobrenomes diferentes : somos um bando de inocentes, portanto honestos, amantes da literatura e das letras.

SÓ POR ESSE ERRO DEVEMOS SER TODOS CENSURADOS.

E seremos.

Porque queremos o espírito, e no entanto, ainda recusamos a matéria da qual ele é imanente, queremos arte, mas esquecemos que alguém tem de pagar, organizar, selecionar, filtrar e assim, nos formar.

NÃO LEMOS O QUE QUEREMOS, LEMOS O QUE DÁ. E A ESCRITA SEGUE A MESMA LÓGICA.

Lucien, doce amante de uma mulher da nobreza de mais de trinta anos, Louise de Bargeton (Cécile de France) chega a Paris para ser um literato famoso, mas infelizmente consegue apenas o adjetivo.

Enquanto nosso protagonista luta para ser levado a seu próprio abate, o filme narra, explica, conta (nos dois sentidos), apresenta e resume todo o mercado de publicações no tempo de Balzac, fazendo pontes entre geografia, história, física, tecnologia, e todos os meandros das forças produtivas envolvidas na manufatura da literatura, da imprensa e do jornalismo.

Lucien, como os inocentes sempre o fazem, se corrompe totalmente de maneira honesta.

O MAIS DOCE PRAZER DO IRMÃO-CAPITALISMO NÃO É CORROMPER ALGUÉM, POIS SOMOS TODOS CORRUPTOS E VIS: É FAZER COM QUE TOMEMOS CONSCIÊNCIA QUE TEMOS CONSCIÊNCIA DISSO.

A comédia humana assim, é perceber que somos todos humanos, e que por meios diferentes, todo nós batemos de frente com uma realidade tão triste que chega a nos fazer gargalhar: não existe amor verdadeiro sem um corpo alimentado.

A MATÉRIA É QUE SUSTENTA O ESPÍRITO: VIVEMOS SEM AMOR E OCOS SOMENTE SE NOSSOS ESTÔMAGOS ESTIVEREM CHEIOS.

Lucien acha o amor, o sucesso e o reconhecimento de seus iguais. Geralmente todos achamos, em um momento da vida, para depois perdemos tudo novamente.

E LÁ VAMOS NÓS, MAIS SÁBIOS, FAZER TUDO DE NOVO, ADICIONADO DO PRAZER E ESPERANÇA FÚTEIS, DE QUE SEJA TÃO DOLOROSO QUANTO DA PRIMEIRA VEZ. QUE BOBINHOS SOMOS: DORES REPETIDAS SEMPRE DOEM DIFERENTE.

Eu ria muito durante o filme, porque pensei “caramba eu já fiz isso tudo e pelo jeito, vou fazer o resto que ainda não fiz”.

Lucien não consegue aceitar as estruturas econômicas que Balzac lhe mostra o tempo todo. Somente seu inimigo mais querido consegue perceber que ele lentamente está se tornando o que sempre quis escrever; uma boa história da comédia humana.

Balzac ri de Lucien, porque ele se reconhece, mas não permaneceu como ele: ah que desgraçado é esse cínico cínico confessando que nem Rousseau (1712–1788), sem revelar que ele está confessando.

E nós nos vemos rindo, do que achávamos que era uma comédia de erros, que era deus e o destino nos detendo, quando eram apenas os outros homens, nossos semelhantes, que não vemos em sua perversidade porque não conseguimos aceitar a nossa própria necessidade de ser perversos.

Eu mais uma vez pensei comigo “como é que não li essa cara antes”?

PERGUNTA QUE FAÇO PARA VOCÊ PROFESSOR DE LITERATURA ALÉM DE OUTRAS: PORQUE DIABOS EU CONHECI O RODRIGUES ANTES DO BALZAC? NACIONALISMO? E VOCÊ DE ESQUERDA QUE ME CRITICA POR MINHA TATUAGEM, RIO E LHE DIGO EM MEIO A SEUS PRANTOS:

“SE VOCÊ TIVESSE TENTADO DIALOGAR COMIGO COMO IGUAL E NÃO COMO SALVADOR, ERA O BALZAC QUE ESTARIA NO LUGAR DO NELSON RODRIGUES”.

E atualmente, provavelmente, Marx (1818–1883), Engels (1820–1895) e eu o iríamos tatuá-lo no mesmo braço.

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Sempre ouvi falar muito de como os fundadores do marxismo que acima citei gostavam de Balzac e agora entendo isso bem melhor: o que ele faz na literatura, é o que eles fizeram em seus trabalhos científicos, a saber, ligar infraestrutura, estrutura e superestrutura.

Isso me faz pensar que só gente ligada, ou que passou um tempo, sendo lumpemproletariado pode saber olhar melhor as estruturas da sociedade e assim descrevê-las de maneira original.

Eu particularmente não confio em gente que não se suja em suas análises, quem não tem algo a superar em suas discussões: penso ser falta de caráter não admitir que não existe caráter inerente.

Vejo muitos escritores acadêmicos muito havidos para confessar os pecados de sua classe social, mas não os seus pessoais, logo me parecem um tanto pré-fabricadas essas exposições.

Não confio em quem se diz digno de plena fé.

Prefiro os irônicos que confessam seu amor a nós, nos traindo no momento certo para nos salvar de nós mesmos.

EM MEU CORAÇÃO SEMPRE HÁ ESPAÇO PARA OS REJEITADOS, PORQUE SEMPRE HAVERÁ ESPAÇO PARA MIM MESMO.

Mas esse imóvel é alugado, passível de ter seus inquilinos despejados a qualquer momento. Todos eles.

TODOS, INCLUSIVE QUEM EU CITEI NO TERCEIRO PARÁGRAFO ACIMA.

Se apreciou, 50 palminhas serão bem-vindas.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).