HELLRAISER [FILME] (2022):

Sombrionauta
7 min readOct 14, 2022

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Maquinaria dos eus.

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Estamos numa época de enorme inteligência, mas pouco racionalismo. Entendi isso há pouco tempo lendo obras do BYUNG-CHUL HAN (1959), sucessor do ZYGMUNT BAUMAN (1925–2017), como autor de autoajuda para intelectuais que fingem desprezar esse tipo de literatura.

Tem muita gente que despreza esse tipo de texto porque em verdade são organizações de conteúdo científico que esperam instituir a espiritualidade de seu público. Pode ser a mística ou apenas a racional, que cá entre nós não vejo diferença, mas como disse certo horror uma vez eu “sou maravilhosamente vazio”, assim vejo que toda essa não-existência mística é apenas um mal-uso da abstração lógica do reducionismo.

Reducionismo é basicamente dividir uma questão em perguntas menores e assim desenvolver soluções setorizadas, criando por vezes ferramentais que podem ser mecanismos, para solucionar ou criar chaves de entendimento em fases ou etapas, o que ajuda resolver o todo.

O PROBLEMA É QUANDO AS PESSOAS ESQUECEM ESSE TODO.

O que gente como HAN e BAUMAN fazem é apresentar mal, uma boa demanda: que os próprios aparelhos que usamos para solucionar nossas questões, por vezes são entendidos como o todo, e não como parte. E assim somos tomados por nossos equipamentos.

Nisso o niilismo se torna completo, porque somos apresentados a uma verdade reduzida de que somos apenas extensões de nossos aparelhamentos quando em verdade esses engenhos são animados por nós. Sua vontade sobre seus manipuladores é em verdade movida por eles mesmos e esse é o limite de seu poder.

Não somos expansões de nossos maquinismos, somos a energia deles: ao parar de fornecê-la, seus efeitos terminam em algum momento.

E esse é o grande problema: equipamentos brilhantes que perderam seu foco, são inteligentes e sofisticados, mas perderam a noção de seu objetivo, logo perderam seu racionalismo.

É ISSO QUE ESSE NOVO HELLRAISER QUER DISCUTIR.

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Como citei em uma conversa com Heitor Reider Rodrigues Bohn, aqui no Sombrionauta, o terror e o horror estão em alta. Talvez porque vivemos em épocas de que podemos antever graves problemas econômicos advindos das opções políticas mundiais da ação do Irmão-Capitalismo, mas fazemos pouco para impedi-lo. Essa raiva surda e sem coragem de se expressar tem como seu grande utensílio e auspício o horror, seja em termos fílmicos ou literários.

OS HORRORES FÍLMICOS TEM A VANTAGEM DE SEREM MAIS MASSIFICADOS E EM LINGUAGEM QUE PODE SER ENTENDIDA POR VEZES COMO REDUCIONISTA, MAS É APENAS SINTÉTICA.

Porque o horror é só outra extensão dos pensamentos humanos, que quando racionalizada se torna terror, ou seja, uma percepção, uma inteligência humana que reflete sobre si mesma:

Quando o operador/ouvinte se propõe a negar o diálogo com essa reflexão, imediatamente ela é convertida em horror, porém se assumir a discussão proposta, o horror se torna terror, ou seja, um artefato de autoconstrução racional.

Vejamos: o Irmão-Capitalismo tem falado em vários de seus filmes, que venceu mais uma vez o feminismo, um de seus jovens inimigos, ou melhor, jovens inimigas, pois o feminismo enquanto pensamento articulado é mais recente do que a milenar opressão contra as mulheres e que o próprio Capitalismo.

MAS ATÉ AÍ, QUEM NÃO PERDEU PARA O CAPITALISMO ALGUMA VEZ? VIDA QUE SEGUE.

Aqui a narrativa deste filme vai tentar, ou não, depende se você vê parte ou o todo da questão, provar essa derrota, ou afirmar que é apenas uma derrota.

TUDO É UMA QUESTÃO DE CONFIGURAÇÃO.

Como disseram dois pensadores nazistas, um do direito CARL SCHMITT (1888–1985), e o outro da filosofia, HEIDEGGER (1889–1976), caráter é uma questão de saber o que negar a si, e angústia é o que você escolhe se preocupar, respectivamente.

Entender essa película é conseguir aceitar que os dois acima estão certos apenas se o permitimos.

A protagonista é tudo o que esperávamos que seria nossa próxima vitória contra o Irmão-Capitalismo: uma mulher de traços negros, jovem, adepta da contracultura; Riley McKendry (Odessa A’zion).

Riley se sente injustiçada pelo mundo. E é.

Ex-viciada, que se reveza em ser viciada, ela divide seu apartamento com seu irmão branco gay Matt McKendry (Brandon Flynn) entre outros jovens. Porém está o tempo todo sem dinheiro e assim se relaciona com um jovem artista, branco, chamado Trevor (Drew Starkey). Todos os personagens tem sexualidades distintas assim como suas etnias.

Essa versão da franquia quer discutir a dor, mas entende que ela pode ser a única coisa que nos é semelhante.

MAS NÃO PARTE DO PRINCÍPIO QUE NOS TRARÁ COMPAIXÃO.

Porque um dos personagens Roland Voight (Goran Višnjić) um milionário, também tem dor, e não tem nenhum sentimento de comunhão.

Logo aqui a dor é uma semelhança, mas que não é igual, logo não traz comunidade:

ESTE HORROR NÃO ACREDITA NO LIBERALISMO LOGO DE CARA.

Então as diversas sexualidades são apresentadas, as diversas classes sociais, as diferentes etnias, e por serem várias não podem ter uma unicidade social, logo são antagônicas, brutais e pouco dadas a terem qualquer tipo de simpatia umas pelas outras, quase um darwinismo social.

OU TALVEZ NÃO.

Riley por influência de Trevor vem a pôr as mãos na Configuração do Lamento, o briquedo-instrumento que convoca os Cenobitas, que finalmente consigo entender melhor nessa película: eles também são apenas instrumentos, não são necessariamente sádicos.

Isso explica algo terrível e brilhante que aconteceu no decorrer dos Hellraiser’s, desde sua adaptação como livros: o sacerdote que coordena os poderes infernais, que tem o nome apenas de Sacerdote, e que os fãs chamaram depois de “Pinhead”, devido a sua cabeça cheia de pregos, apenas responde a chamados e faz o que os pedintes não aceitam fazer:

LHES DÁ O PRAZER DA PUNIÇÃO SEM O DESCONFORTO DA CONSCIÊNCIA. ALGO INTELIGENTE, PORÉM, NÃO TER CONSCIÊNCIA É ALGO IRRACIONAL, POIS LHE CEGA AO COLETIVO E PERPETUA A DOR PESSOAL.

Originalmente o sacerdote era sacerdotisa, no livro, no cinema, um homem, e agora, nos canais pagãos, digo, pagos, uma mulher trans.

E não é um golpe publicitário: a escolha dessa sexualidade sempre atendeu ao maquinal de quem deveria exercer o domínio sádico, logo servil, sobre seus invocadores de acordo com a mídia em que apareceram:

CONTUDO COM UMA PERMANÊNCIA: TODOS SÃO BRANCOS. HELLRAISER É UMA FRANQUIA SOBRE PODER EXERCIDO PELA SEXUALIDADE QUE O IRMÃO-CAPITALISMO ACHA QUE MELHOR IRÁ SERVÍ-LO.

A orientação sexual da/do Sacerdotisa/Sacerdote é organizada de acordo com a mídia que ela/ele é apresentada/apresentado.

APROVEITANDO NO QUADRINHOS ESSA SEXUALIDADE FOI UMA MULHER E UM HOMEM: AGUARDO ANSIOSAMENTE A VERSÃO TRANS.

Não esqueçam que seu criador e atual produtor, o inglês CLIVE BARKER (1952) se prostituiu muito tempo para conseguir se sustentar enquanto não fazia sucesso como escritor, além de constantemente sofrer de problemas de saúde, de perder os pais, amigos e estranhos que admirava.

BAKER ENTENDE O QUE É SER FERIDO E HUMILHADO POR SER UM OBJETO DE DESEJO DE HOMENS BRANCOS ELITISTAS.

A VERSÃO DELE DESSE TIPO DE FETICHE BRANCO, SÓ QUE FEMININO ELITISTA, POR NEGROS, É O AMARGO CANDYMAN(1986).

Riley passa então a procurar sua redenção por meio das cinco formas possíveis pela caixa:

LAMENTO: “VIDA”, LORE : “CONHECIMENTO”, LAUDERANT : “AMOR”, LÁZARO: “RESSURREIÇÃO” E LEVIATÃ: “AUDIÊNCIA COM DEUS”.

No entanto, “redenção” é apenas um reducionismo. Ela não engloba o todo, pois somente setoriza alguns fatos da vida.

A narrativa toda de Riley é um mecanismo de busca por alguém por quem lutar, alguém para culpar, alguém para se alienar de si mesma, um mecanismo que tende sempre a voltar a ter o mesmo resultado. Os Cenobitas compreendem isso, tal qual psicólogos ou médicos: já foram humanos então podem olhar com certa distância racional os erros de seus conjuradores.

E veem, inclusive, que a busca de prazer dos ricos é apenas uma tentativa de mostrarem que têm mais poder que os pobres: seu hedonismo é apenas disfarce para seu sadismo. Os Cenobitas entendem disso, então você, você mesmo, que acha que vai convencê-los a serem comunistas, ou seja, a sentirem comunidade e comunhão, perca essa tola esperança, ou melhor essa alienação de si.

PARE DE SE PERGUNTAR PORQUE ELES NÃO TE OUVEM E PENSE COMO VOCÊ ESTÁ NEGANDO A VERDADE QUE ESTÁ PERANTE SUA CARNE.

Então Riley finalmente entende: a configuração do lamento, seu irmão, seu namorado, seus amigos, não são brinquedos, mecanismos, ou mesmo culpados, são apenas extensões de sua vida.

Logo, ela não terá o que quer, ou talvez ela já tivesse conseguido o que precisava há muito tempo? Quem sabe?

OS CENOBITAS SABEM, ASSIM COMO O HELLBLAZER JOHN CONSTANTINE SABE.

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ALAN MOORE (1953) também sabe. Não é à toa que ele cita visualmente Baker durante sua passagem pelo Monstro do Pântano. Se pensarmos bem, Constantine seria um perfeito Cenobita, se ele não fosse tão ligado aos trabalhadores.

E CREIO QUE SERIA ADORÁVEL VER UM ENCONTRO DELES.

Séries como RICK AND MORTY (2013–2022), também sabem, mas fingem que não sabem: niilismo gosta de se fingir de humilde. No fundo essa série também é uma espécie de horror.

Acho fundamental pensarmos como o horror e o terror são parte fundantes de nossas vidas e que podemos superá-los, se pararmos de os separar de nós mesmos: por isso, antes de assistir esse filme, recomendo que vocês comam bem, relaxem e depois mergulhem na narrativa, sem se sentirem culpados em não se sentirem culpados.

O TERROR NÃO É DADO A MORALISMOS SIMPLISTAS, PORTANTO ELE É UMA BOA SOBREMESA.

Se gostou desse texto, 50 palmas serão bem-vindas e agradecidas.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).