FOGO CONTRA FOGO [FILME] (1995):

Sombrionauta
4 min readMay 3, 2021

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A afável e violenta cortesia profissional.

A estabilidade leva à mudança pela superação, um futuro, o perigo busca a estabilização de outrora, ou seja, resgatar o passado, agora idealizado.

FAZER O BRASIL, OS EUA OU QUALQUER PAÍS GRANDE DE NOVO OU UM PAÍS DO FUTURO TEM MUITO DESSE ULTIMO CONCEITO DE PASSADO.

Não é o caso aqui: esse brilhante e tocante filme (para quem admira o profissionalismo) cuja a direção e roteiro é de Michael Mann (1943) mostra uma disputa entre iguais opostos, dois seres em verdade apolíneos no estilo nietzschiano.

DIONÍSIO NÃO É BEM VINDO NESSE FILME, POIS ELE É A EMOÇÃO E ELA SÓ TEM LUGAR NA ORDEM COMO SISTEMA LOGÍSTICO E NÃO COMO PODER A SER RESPEITADO.

Portanto, como em outros filmes desse tipo, o dionisíaco é combustível de ação e não motivo, traduzindo:

O ELEMENTO DE CAOS SÃO AS MULHERES, MAS ELAS NÃO SÃO PROTAGONISTAS.

Acompanhamos aqui o embate entre Neil McCauley (Robert De Niro) um violento, metódico, justo e apaixonado líder de uma gangue de assaltantes sendo perseguido por Vincent Hanna (Al Pacino) violento, metódico, justo e apaixonado líder de um esquadrão do Departamento de homicídios (a dubiedade do nome do departamento não me escapa) da polícia de Los Angeles.

Ambos são migrantes, ambos buscam trabalho (no Brasil chamamos isso de “peão’), ambos têm problemas de relacionamentos.

Ambos são profissionais.

INEVITAVELMENTE ESSE TIPO DE PESSOAS IRÁ ENTRAR EM CONFLITO.

O filme passeia por essa relação de rivalidade, sem descartar a personalidade dos assaltantes, mas suprimindo as dos policiais:

SOMENTE VINCENT HANNA TEM NOÇÃO DO QUE ESTÁ ACONTECENDO, ATÉ MAIS DO QUE NEIL McLAULEY: ELE ACHOU SUA NEMESIS.

“Nemêsis” é a deus grega da vingança, da justiça (a justiça trevosa, não a de Atenas) filha da noite (tanto Vincent Hanna quanto Neil McCauley preferem agir à noite), vindo do termo “némo” (não o filho do Marlin) que quer dizer “distribuição”, mas também “desdém”.

Todos os profissionais aqui se admiram, mas suas mulheres (a vida fora do trabalho, a vida doméstica, a vida familiar a vida dos comuns) sentem desdém deles.

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ESSE É O CALCANHAR DE AQUILES DE AMBOS: NÃO SE PODE SER UM PROFISSIONAL, SEM SE IMPORTAR COM SEU COLETIVO, ESSA TERRÍVEL DIALÉTICA DESEQUILIBRADA OS MANTÉM EM CONSTANTE CAOS EM SUAS PESSOALIDADES.

Somente em dois momentos esses dois homens entram em paz consigo mesmos, e é quando eles se confrontam: Hanna convida McCauley para um café e ambos têm um dos melhores diálogos no cinema, coisa que a meu ver Christopher Nolan (1970) se inspirou para criar o diálogo entre o Apolíneo Batman (Christian Bale) e o Dionísiaco Coringa (Heath Ledger) em BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS (2008) (repare que volta e meia esse filme tem alguém falando de “profissionalismo”).

Eles debatem, e sorriem um para o outro: sabem o que cada um está passando. Não é uma gargalhada (Hanna ri muito) é um sorriso de compreensão. Sabem que não há escapatória para eles. É seu destino.

No segundo momento, a derradeira paz é dada a um deles: vitória/derrota amarga, compartilhada por ambos, compaixão por um desconhecido que esteve mais próximo que os melhores amigos e a mais amada das amantes.

CORTESIA PROFISSIONAL E ALGUÉM QUE NOS ENTENDE O SUFICIENTE PARA SEGURAR NOSSA MÃO NO MOMENTO DA MORTE: NÃO É ISSO QUE TODOS ALMEJAMOS, TODOS NÓS QUE SOMOS PROFISSIONAIS?

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Ser um profissional num mundo que despreza o trabalho e cobra excelência é uma batalha perdida. Perdida porque inevitavelmente alguma coisa será descartada, negligenciada ou simplesmente esquecida.

SEJA EM TERMO EMOCIONAIS OU NÃO.

Sendo assim é necessário procurar satisfazer o que é mais ontológico e descartar o vir-a-ser.

MUDAR PARA O PASSADO É PARA QUEM ESTÁ EM PERIGO, NÃO PARA QUEM ESTÁ CONFORTÁVEL.

Estar nessa situação é o ponto onde a estabilidade é fundamental. E a estabilidade é que garante a guerra. E a guerra inevitavelmente levará a mudança quando for vencida.

Hanna consegue entrar em paz com seu caos, pelo motivo mais apolíneo possível: ele tem uma família que escolheu depender dele Justine Hanna (Diane Venora) sua esposa e a filha dela Lauren (Natalie Portman).

Ele é a luz que age nas sobras enquanto McCauley é a sombra que age pela luz. Mas nosso assaltante tem como família apenas a família de seus amigos. Sofre por não ter ninguém que tenha escolhido livremente sofrer por ele.

A cena em que McCauley e seus comparsas enfrentam a polícia demonstra o quanto ele não quer morrer, mas também o quanto ele está disposto a arriscar para não ser preso novamente.

LIBERDADE OU MORTE: NÃO HÁ MEIO ESCOLHA PARA ELE.

Terá sua vitória e com isso Hanna terá sua paz. Não mudará nunca. Pois perdeu a única pessoa que poderia entende-lo.

APOLO CONTINUA SUA ORDEM E NÊMESIS SEU SACRIFÍCIO E ASSIM O EQUILÍBRIO SERÁ MANTIDO.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).