ETERNOS [FILME] (2021):

Sombrionauta
6 min readNov 10, 2021

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I.D. CIVILIZACIONAL?

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O pessoal que é de fora dos quadrinhos não sabe que a Marvel (1939) adora fazer umas versões mais autoritárias da Liga da Justiça (DC Comic’s (1934)) desde a década de 1970. A primeira delas é chamada de Esquadrão Sinistro, criada por Roy Tomas (1940). Dali para frente ficou cada vez mais claro a analogia com as políticas mais republicanas da DC, e, como eles geralmente eram apresentados como vilões pela liberal Marvel, sendo que esse grupo de super-heróis era antagonista regular dos Vingadores.

Pois bem, à medida em que fui assistindo esse filme, eu me perguntei o que diabo estava vendo de fato, e comecei a suspeitar, que, em verdade, estava vendo uma versão “jovem místico” do Esquadrão Sinistro.

Aliás, a nova versão de Esquadrão Sinistro, Poder supremo (2003–2005) é uma das melhores críticas que já vi sobre a Liga da Justiça, sendo que a considero muito superior a franquia convergente Injustice (2013–2021). Porque Esquadrão Sinistro numa abriu mão de mostrar que a Liga da Justiça estaria sempre e perpetuamente ligada ao financiamento estatal do governo estadunidense.

Logo, quando ouvi a diretora e roteirista premiada Chloé Zhao (1982) dizer que se inspirou no Superman de Zack Snyder (1966), eu pensei seriamente que ela estava brincando e nos dando uma pista de que estava em verdade filmando Esquadrão Sinistro/Poder supremo, ou se ela não conhecia esses quadrinhos.

NÃO SEI AINDA: DUVIDO QUE A MARVEL TIVESSE PERDIDO ESSA OPORTUNIDADE, MAS NÃO SEI O QUANTO ZHAO E OS OUTROS ROTEIRISTAS PERMITIRAM A SI MESMOS SABEREM SOBRE OS QUADRINHOS DAS DUAS EDITORAS.

Porém, o filme deixa clara uma coisa, que ambas as editoras concordam: os humanos devem ser excluídos das produções de Super-heróis, em nome dos ideais atuais do Irmão-Capitalismo.

ISSO EXPLICA PORQUE UM DOS PERSONAGENS DE ESQUADRÃO SINISTRO/PODER SUPREMO JAMAIS DEVE APARECER DE NOVO EM SEU MÁXIMO PODER, NEM MESMO NO ORIGINAL DA DC.

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A produção toma para si um método bem Good Vibes de apresentar super-heróis usando como base Eternos (1976) criados por Jack Kirby (1917–1994): dizendo que todas as civilizações são umas imbecis idiotas patéticas e infantis.

SIM, PORQUE DIZER QUE DESDE A MESOPOTÂMIA, SOMOS TODOS GUIADOS POR ALIENÍGENAS (INVASORES) É SÓ OUTRA FORMA DE RACISMO ESTRUTURAL APLICADO DE MANEIRA DOCE.

Na produção, esses Eternos, que em verdade são versões do pensamento místico ocidental sobre a humanidade (anjos), sugerem que a religiosidade dos povos pré-capitalistas (tecnologia antes do pensamento cristão de São Tomás de Aquino (1225–1274) dissociar ética religiosa da vida moral) de outros povos como apenas uma má interpretação destes.

Alguém poderia me dizer que é só fantasia e eu não deveria me importar com isso.

PARA QUEM DIZ ISSO, ACHO MELHOR PENSAR PORQUE O GOVERNO ESTADUNIDENSE SEMPRE SE IMPORTOU MUITO COM SEU CINEMA E COM SUAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS.

Eu particularmente sempre acho estranhos os elogios e concessões feitas pelo Irmão-Capitalismo, que não foram arrancadas por meio de pólvora, aço e revolução, logo, a composição étnica de Eternos parece um elogio, mas é uma afronta: Ajak (Salma Hayek),por exemplo, ser uma latina antes das grandes miscigenações que criaram a América Espanhola (XVI d.e.c) é de um anacronismo brutal.

ISSO PODIA SER RESOLVIDO COM UMA MERA INTRODUÇÃO DIZENDO QUE A APARÊNCIA DELES É TIRADA DE OUTRAS TERRAS PARALELAS QUE ELES VISITARAM ANTES.

Mas são só quadrinhos afinal: pergunte ao Maurício Souza se isso importa.

Outros elementos dos quadrinhos da DC parecem compor esse filme: os personagens em quadrinhos chamados “Caçadores Cósmicos”, também de Jack Kirby, criados em 1975, a saber, androides criados pelos Guardiões do Universo antes de resolverem substituí-los pelos Lanternas Verdes.

COISA QUE O FILME REVERTE BEM AO FALAR DOS DEVIANTES.

Aproveitando, se vamos falar de mais inspirações em personagens da DC, perceba que os poderes de Phastos (Brian Tyree Henry) são muito semelhantes aos do Lanterna Verde John Stewart.

AÍ É QUE DISPAROU MINHA DÚVIDA SE ISSO TUDO NÃO É INSPIRADO, DE FATO, NO ESQUADRÃO SINISTRO/PODER SUPREMO E NÃO NA LIGA DA JUSTIÇA DO SNYDER.

No decorrer do filme, tal qual a maioria dos quadrinhos atuais de Super-Heróis, os personagens se identificam com os “selvagens/nativos/humanos/nós povos dominados pelos europeus” e querem nos salvar:

E LÁ VAMOS NÓS COM A PASSAÇÃO DE PANO PARA A ELITE CRIOULA QUE ASSOLA A AMÉRICA DESDE AS INDEPENDÊNCIAS (1783) ATÉ HOJE.

Seguindo.

Eternos então cria uma noção do “Imperialismo Bonzinho”, ao negar os processos econômicos que criaram todos os sistemas políticos vigentes: negar economia é negar a história, (olha eu sendo marxista da gema), negar a história é negar a humanidade, negar humanidade é negar as classes dominantes e dominadas.

NEGAR CLASSES É NEGAR LUTA DE CLASSES.

Esse pavoroso pensamento de jovem místico é uma praga em nosso tempo e tenta fazer com que esqueçamos as dinâmicas do poder atual. Quem nega o passado, nega o presente, e finalmente, perde a capacidade de se afirmar no futuro (pega essa referência Capitão América).

Faço também aqui algumas justiças: a produção não se furta em mostrar mazelas dos vários impérios em suas ações culturais, isso se materializa na crítica ao cristianismo como uma força que tem boas intenções, e por isso, nega sua principal máxima, a do livre-arbítrio, plasmada, no personagem Druig (Barry Keoghan).

Curioso também é negar a existência do Império Chinês: acho que Zhao, nascida em Pequim, não sabia desse império, ou talvez soubesse bem para que império estava filmando.

Desconfio que certo I.D. está em ação aqui, não o da psicologia, e sim, o Imperialismo Democrático estadunidense.

LEMBREM-SE QUE A LIGA DA JUSTIÇA/ESQUADRÃO SINISTRO/ PODER SUPREMO SEMPRE FOI UMA REPRESENTAÇÃO DO PODER BÉLICO DA DEMOCRACIA ESTADUNIDENSE SOBRE O MUNDO.

Antes que eu esqueça: onde está o Império Romano ali?

ESTÁ EM IKARIS (RICHARD MADDEN): A IRONIA DE SEU PENSAMENTO É UMA GRANDE CRÍTICA AO REPUBLICANISMO.

Mas falta alguém que aparece em Liga da Justiça e que esse filme recusa citar, mas que seria forçado a fazer isso, se usasse explicitamente o Esquadrão Sinistro/ Poder supremo.

Alguém que destrói todo o pensamento divino, que eliminaria, por sua própria existência a noção do poder místico. Sim, ele. Aquele que destrói toda a crença nos deuses. Aquele estranho ateu rico. O verdadeiro I.D. dentro do pensamento capitalista. Sim, ele.

FALCÃO NOTURNO, A VERSÃO PRETA BURGUESA DE BATMAN.

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Falcão noturno, vulgo, Kyle Richmond, aparece em Poder Supremo e é uma das versões do Batman que mais aprecio porque é inserido nele um fator fundamental para criar um justiceiro:

Os pais Richmond, ricos e de origem afro-americana foram mortos por um supremacista branco. Richmond então adota o mesmo percurso de sua contraparte, Wayne, com uma diferença: ele prefere proteger os pretos do que os brancos.

Todo o seu percurso vai mostrando uma versão muito factível de Batman, defendendo que só um negro teria atualmente a disciplina para fazer o que Wayne faz. Mesmo quando enfrenta a sua versão do Superman, Hiperion, vemos como ele pensa mais como um jovem Malcoml X ( 1925–1965) do que como Fred Hampton (1948–1969).

Sua Gotham City é Chicago, clássica cidade de trabalhadores estadunidenses, mas ele não se restringe a agir por ali:

Falcão Noturno chega a fazer intervenções internacionais em Darfur, e essa é uma das melhores histórias em quadrinhos de guerra e política externa ligadas ao estupro étnico que já li. E o final é de uma clareza política que nos deixa impressionados.

Por isso ele jamais deverá aparecer em toda a sua glória em qualquer filme da Marvel, assim como Batman está sendo obliterado na DC Comic’s:

ELES ESTÃO PRÓXIMOS DEMAIS DO PENSAMENTO RADICAL DOS JACOBINOS (INCLUSIVE NEGROS) QUE O IRMÃO-CAPITALISMO DETESTA.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).