AMERICAN GODS -TERCEIRA TEMPORADA (2021):

Sombrionauta
3 min readApr 5, 2021

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TODOS OS PAIS-DEUSES TRAMAM NOSSA RUÍNA.

O onírico sempre é libertador, porque nos lembra constantemente de nossa prisão. Ele está ligado a costumes e hábitos que pode servir para revestir de maravilhas a sobrevivência violenta dos seres humanos. Nesse sentido talvez seja o conceito mais nivelador de classes sociais possível, pois onde há vivência humana, há inadequação entre crença e realidade.

ESSA CONSCIÊNCIA É QUE TRANSFORMOU DELEITE, DOS PERPÉTUOS, EM DELÍRIO.

No ambiente do delírio os abusos e explorações são apenas histórias a serem contadas depois de superadas; como cantou a banda irlandesa THERAPY? “Happy people have no stories”

POR ISSO AS VERDADEIRAS HISTÓRIAS DE SUPERAÇÃO SÃO AS DE EXPLORAÇÃO E OS POBRES SÃO RICOS NESSE QUESITO.

Nesse sentido é que era deliciosamente amargo acompanhar essa série, pois era uma história mais delirantemente comum do que outra, o que trazia um deleite amargo enorme.

Mas a realidade ainda presente transformou esse agrado civilizatório em mal-estar.

Perder seu Showrunner, Bryan Fuller e depois demitir Orlando Jones (Mr. Nancy) e Mousa Kraish (Jinn) demonstraram que a visão onírica de Gaiman, adaptada por Fuller era cara demais para continuar:

OS SONHOS DOS POBRES(ESPECIALMENTE OS NEGROS) SEMPRE SÃO MAIS ABASTADOS EM DETALHES, EM SOFISTICAÇÃO POIS, ELES SÃO FRUTO DE UMA NECESSIDADE DE PERMANECER PARA SUPERAR: IMPEDIR A QUEDA PARA TENTAR UM SALTO DE FÉ LAICO PARA UM NOVO SUBSOLO MAIS ELEVADO.

A terceira temporada despojada de Fuller, diminuída pela negativa racista de maior amplitude do pensamento mítico negro pelas mãos de Orlando Jones, com seu orçamento reduzido, abalada pelas denúncias de abusos Marilyn Manson afastaram os conteúdos do delírio e o reduziram a mera distração.

Sonho estranho sobre negros, pois o protagonismo de Shadown Moon (Ricky Whittle) esse segregado soldado-búfalo-deus de sangue nórdico encarna um mito muito americano: o do negro mestiço (pardo) de um pai europeu que o usa como recurso econômico, na melhor tradição weberiana.

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UM DEUS BASTANTE SERVIL, PERCEBAMOS, E COM ISSO NOTAMOS QUE SER UM FORÇA ECONÔMICA QUE NÃO TEM CONSCIÊNCIA DE SI, SEMPRE ESTÁ ABERTA A SER EXPLORADA POR SEUS GENITORES.

Seguindo esse raciocínio a série nessa temporada procurou demonstrar como essa abstração de si leva Moon a mais uma vez se ver diante seu mais imortal inimigo: Wendsday (Ian McShane), seu pai em estado terminal, ou o pai de todos.

E TODOS OS PAIS SÃO NOSSOS INIMIGOS, BUSCANDO NOSSA SERVIDÃO COMO SE FÔSSEMOS, E SOMOS , SUAS CRIAS (NO SENTIDO MAIS “GADO” POSSÍVEL).

Moon tenta resolver isso. Porém seu pai é sedutor demais perante um filho que tem muito de sua mãe.

A SÉRIE SE PERDE EM NÃO SE CENTRALIZAR NISSO.

A curiosidade carênte de Moon o levará a ser um clássico mito, retratado em TOTEM E TABU (1913) de SIGMUND FREUD (1856–1939): a imitação de seu pai e a perda de si.

O TRAPACEIRO ESPERA ISSO.

O PAI DE TODOS SEDUZ A TUDO MENOS A OUTRO TRAPACEIRO, AQUELE QUE DE SEU FILHOS NÃO SANGUÍNEOS, FADADO A DERROTÁ-LO, PORQUE NÃO QUER SER NADA A NÃO SER ELE MESMO: UMA METAMORFOSE AMBULANTE IMPOSSÍVEL DE SER DERROTADA, PORQUE NÃO QUER VENCER.

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Moon não tem esse esse bom azar de ser esquecido por seu pai. Embora, cumprindo a tradição de ser explorado por outra pessoa, sua ex-esposa, ex-morta, Laura Moon (Emily Browning) e libertado de uma dominação para ser ver preso a outra.

CHAMAMOS ISSO DE CASAMENTO, GERALMENTE. CONTUDO, QUALQUER OUTRA CONVIVÊNCIA MARITAL TEM O MESMO EFEITO A LONGO PRAZO: PALAVRAS SÃO PARA FORMULÁRIOS E VIVÊNCIAS ESTÃO ALÉM DELAS.

Ao se submeter ao ritual de renascimento de seu pai, paga o preço e ele se torna o mesmo.

MAS WENDSDAY SABE TRAPACEAR ISSO.

O CANCELAMENTO DA SÉRIE NOS RESERVA APENAS LER O LIVRO, OU O QUADRINHO, MAS SUSPEITO QUE O MITO DO NEGRO SERVIL ÀQUELES QUE O CRIARAM NÃO TERÁ UM FIM MUITO INTERESSANTE.

Essa é a função do onírico que se transformou em acantonamento e não em acampamento, o de se tornar pequeno demais em sua grandiosidade.

COMO DISSE O SONHADOR DESTRUIDOR LÊNIN (1870–1924) O SONHOS SÃO PARA SE ACREDITAR, PARA SEREM REALIZADOS E DEIXAREM O LOCAL DOS PERPÉTUOS DESTINO, DELÍRIO, DESESPERO E DELÍRIO PARA SE TORNAREM SINA E FADO.

E FINALMENTE (PROVISÓRIO COMO TODOS OS FINAIS SÃO) UM NOVO SUBSOLO/FUNDAÇÃO

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).