AMANDA WALLER: A MAIOR VILÃ DO OCIDENTE? UM COMENTÁRIO SOBRE A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM DE JOHN OSTRANDER

Sombrionauta
16 min readJan 18, 2021

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“O que você ouve na minha voz é fúria, não sofrimento. Raiva, não autoridade moral.”

Audre Lorde, Sister Outsider, p. 132

Apresentado originalmente nesse evento.

Discutir a formação do Ocidente é uma tarefa no mínimo ingrata. Ingrata porque essa discussão em termos atuais e tida como no mínimo uma traição. Traduzir isso em termos acadêmicos também, uma vez que se entende que o Ocidente ganhou a Guerra Fria. O vencedor dificilmente é tema de discussão. Ele apenas é protagonista do discurso.

Tradutor traidor é uma frase de Maquiavel que se adequa a esse dilema: estar no Ocidente e discutir suas melhoras efetivas é algo que não é bem visto.

Mas se a discussão partir do princípio daqueles que não foram contra o Ocidente, aqueles que em verdade foram seus agressores, seus criminosos, suas vítimas, seus beneficiários, aqueles que foram submetidos a suas instituições, aqueles que foram colocados em seus processos de serviços sociais, que pegam suas pensões, que tem sua dignidade trocada por alguma comida, que ganharam uma espécie de redenção institucional em troca da prestação de serviços, devidamente desvalorizados, e socialmente e politicamente necessários. Serviços que só heróis, santos ou loucos, se não forem a mesma coisa, aceitariam.

Quem pode ser melhor para discutir o que o Ocidente acredita de fato, senão seus prisioneiros?

Essa posição é muito boa. Mas não será a usada nesse artigo.

Aqui se falará de alguém que é mais perigoso e mais detestado do que prisioneiros. Uma negra. Uma mulher negra. Uma mulher negra gorda. Uma mulher negra, gorda, com ensino superior. Uma mulher negra, gorda, com ensino superior e funcionária pública: Amanda Waller.

Em 1986 o personagem foi criado pelo roteirista John Ostrander e Len Wein (1948–2017), sendo o último o criador do Monstro do Pântano e de Wolverine. Amanda aparece como a organizadora e líder da Força Tarefa X destacada para enfrentar Enxofre, uma criatura criada por Darkseid, durante o arco de histórias chamado Lendas, no Monte Rushmore (George Washington, o primeiro presidente dos EUA, Thomas Jefferson, autor da declaração da independência, Theodore Roosevelt, que conquistou maior conhecimento e liberdade de expressão, e Abraham Lincoln, que lutou pela paz do país durante toda guerra civil.). É uma deliciosa ironia ver que as imagens de presidentes americanos, inclusive a de Lincoln, serão defendidas por criminosos. Democracia sendo defendida por suas vítimas. Mas estamos nos adiantando aqui.

Nesse arco de histórias Darkseid por meio de um de seus servos O Glorioso Godfrey vem a manipular a opinião pública de forma a repudiar todos os super-heróis. O Presidente Reagan reage a isso colocando um decreto que proíbe a ação dos super-heróis.

Sendo assim com o gigantesco Enxofre (uma criatura de plasma) livre e destruindo com fervor religioso tudo o que considera como “falsos ídolos” inclusive a figura dos pais da américa a única opção real governamental é enviar um grupo de supervilões (Floyd Lawton, o Pistoleiro; Capitão Bumerangue, Magia e Arrasa-Quarteirão) além do Coronel Rick Flag e Tigre de Bronze, todos eles têm seus problemas, suas dores).

Também todos eles são vilões de segunda linha da DC. São dispensáveis tanto como prisioneiros, quanto como personagens fictícios. O único personagem que compõe o esquadrão que nunca apareceu é sua líder Amanda Waller. Desde sua primeira aparição fica claro como será sua forma de agir[1]:

Figura 1:Amanda Waller agredindo bumerangue, Série Lendas 03, p 31, quadro 0.1

Figura 1:Amanda Waller agredindo bumerangue, Série Lendas 03, p 31, quadro 0.1

Amanda aparece em meio àqueles vilões e não parece estar em nenhum momento insegura. São sociopatas, assassinos e psicopatas com poderes e habilidades enormes, capazes de enfrentar Batman, Flash e outros, mas ela não parece ligar para isso.

Esse esquadrão aparece garantido em uma legislação específica, especificamente imaginada nos quadrinhos por outra mente das histórias em quadrinhos Alan Moore, em sua obra Watchmen:

Figura 2: Esquadrão Suicida 02, p 12 , quadro 02

Por essa e outras coisas, Esquadrão Suicida de Ostrander é o verdadeiro Before Watchmen, ao discutir a moralidade pelo viés dos imorais: os supervilões. Porém isso será tema de outro artigo no futuro.

Pois, Amanda tem mais poder do que todos eles juntos: o poder do governo americano e ainda a habilidade de conceder a eles o que mais querem: uma pausa na perseguição que estes sofrem. Duas chaves então definem a personagem nesse momento: ela usa tanto ameaça quanto o suborno, a violência e a esperança como métodos de coação.

Nada mais maquiavélico do que isso, nada mais ocidental.

Quem, no entanto tende a contrabalançar a crueldade de Waller é o Coronel Flag, que é filho do antigo comandante da versão do Esquadrão Suicida que esteve em ação durante a Primeira Guerra Mundial. Aqui temos algo interessante a notar.

Há uma discussão bem moderna se as prisões são de fato espaços de reabilitação: que se deveria pensar em penas alternativas, principalmente nos E.U.A. onde a população carcerária chega a 2,2 milhões de pessoas presas [2]. E mais, há mais negros na prisão atualmente do que escravos nos EUA em 1850, de acordo com estudo da a socióloga da Universidade de Ohio, Michelle Alexander[3]. Esse detalhe por si só nos choca com a realidade da composição do Esquadrão Suicida, com apenas um negro operativo, Tigre de Bronze.

Mas o que seriam essas penas alternativas?

Dentre essas, em funcionamento desde a guerra da Secessão Americana consiste no uso de negros, sejam eles criminosos ou não, como soldados. Esquadrão Suicida é uma ficção em quadrinhos sobre como esse tipo de instituição recruta homens e mulheres para realizar missões simultaneamente pouco heroicas e muito perigosas. Missões suicidas tanto fisicamente quanto moralmente.

As pessoas envolvidas são perfeitas, pois são perigosos e não têm nada a perder. São o perfil de suicidas perfeitos. Mas o que os torna perfeitos, os fazem ser instáveis: e só alguém que sabe como é viver dependendo desse tipo de apoio, quem já passou por esse tipo de humilhação que sabe que ameaça e benefícios públicos são armas poderosas pode entender isso.

Segundo Ângela Davis, as mulheres negras na década de 1980 na durante a gestão Reagan (1981–1989 ) [4]tem altíssima taxa de desemprego. Na visão da autora isso é um elemento de empoderamento mais fundamental naquele contexto, pelo menos para essas mulheres, do que as bandeira políticas liberais femininas. Os direitos trabalhistas e outras formas de sobrevivência salarial eram mais necessárias do que isso.

A mesma autora denuncia em seu texto que na década 1980 na Cidade de Nova York 60% das pessoas desabrigadas são negras e que as mesmas por meio do Programa de incentivo ao Trabalho de Nova York “mulheres e homens sem teto são contratados para faxinar banheiros, apagar pichações nos trens do metrô e limpar parques por uma remuneração de 62 centavos de dólar, uma mera fração do salário mínimo”[5] .

Segundo a construção de Ostrander, Amanda Waller foi uma das pessoas afro-americanas a passar pelo constrangimento de pedir ajuda aos serviços públicos. Na edição do Esquadrão Suicida 08, pag 63 somos apresentadas as tragédias de Amanda Waller, justamente numa história que narra sua ida a um ambulatório psiquiátrico em Chicago. Segundo Simon La Grieve que atendia nessa instituição, para depois se tornar psiquiatra do Esquadrão Suicida.

Figura 3: Esquadrão Suicida 08 , pag 63

Figura 3: Esquadrão Suicida 08 , pag 63

Amanda foi convencida por La Grieve a canalizar seu ódio em algo útil para algo útil, mas em verdade foi transformado na sua ferramenta por excelência de ação.

Sejam seus comandados sejam seus inimigos, agressões em nível físico e chantagens passam a ser o modus operante de Waller. Ela entende que essas ações são moralmente discutíveis, mas nas palavras da mesma, quando em Esquadrão Suicida 11 ela deixa bem claro que a missão do Esquadrão é ir a Colômbia matar um chefão das drogas

Figura 4: Esquadrão 11, p 65, quadros 01 a 03

Figura 4: Esquadrão 11, p 65, quadros 01 a 03

Essa postura de Waller não é algo novo e está em consonância com a proposta americana da chamada “Guerra contra as Drogas” onde o narcotráfico passou a ocupar um lugar mais destacado na agenda interna e externa dos Estados Unidos, por conta do aumento significativo do consumo interno de substâncias ilegais, assim como o aumento do número de crimes associados ao tráfico de drogas. O então Presidente Ronald Reagan em abril de 1986, por meio da Diretiva de Segurança Nacional 221, afirmou que as drogas ilícitas eram uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, o que, por sua vez, levou a uma crescente participação de forças armadas e consequente militarização da estratégia antidrogas dos EUA[6].

Nesse sentido se torna bem claro o que Esquadrõa Suicida, como série de narrativas tenta discutir: a política doméstica e externa norte-americanas.

Mas isso é tema para outro artigo.

O que interessa é a postura de Waller, funcionária pública, chefe do Esquadrão perante esses temas. E ela tem bem claro o que deve ser feito. Não significa que Amanda não seja amoral ou carreirista: ela pelo contrário tem consciência da imoralidade de seus comandados, como também da necessidade deles para cumprir essa agenda política sombria do governo americano.

Para deixar clara essa diferença, dos diversos tipos de burocratas estatais é introduzido um personagem chamado Derek Tolliver, responsável pela missão fracassada na antiga União Soviética (1922–1991) e contado do Esquadrão Suicida no Conselho Nacional de Segurança.

Figura 5: Esquadrão Suicida 08 , pag 64, p 03–07

Figura 5: Esquadrão Suicida 08 , pag 64, p 03–07

Essa discussão termina em clara agressão física de Waller a Tolliver, onde ela deixa bem clara sua posição sobre a função e a essência do que é o Esquadrão Suicida:

Figura 6: Esquadrão Suicida 08 , pag 66, quadro 01–05

Figura 6: Esquadrão Suicida 08 , pag 66, quadro 01–05

Detalhe para como Tolliver pensa sobre o seu tipo de atitude, citando a operação Irá-Contras, oi um escândalo político nos Estados Unidos revelado pela mídia em novembro de 1986, no qual figuras importantes da CIA facilitaram o tráfico de armas para o Irã, por sua vez sujeito a um embargo internacional de armamento. Tal operação servia para assegurar a libertação de reféns e para financiar os Contras nicaraguenses. Toda uma série de

A medida em que as missões vão se dando, cada vez mais Waller toma papel ativo do que acontece.

Estratégia bastante inteligente de John Ostrander esse ex-ator estudioso de teologia interessado profundamente em questões de ética e moralidade[7], uma marca em toda a sua carreira como escritor.

O autor selecionou todos esses personagens, nesse formato, para discutir a política americana no período Reagan e começo da gestão Bush pai (1989–1993). Escolheu bem, pois Amanda Waller consegue reunir uma série de meandros morais, pela sua própria constituição como personagem e pela própria época em que está. Os meandros que foram definidos acima: ser mulher negra, gorda, com ensino superior e funcionária pública. E tomando conta de uma instituição pública de apoio aos desviados sociais. Pois a prisão é também um serviço público de reabilitação e de normalização como bem explicou Foucault[8].

E ninguém entende isso melhor do que alguém que foi beneficiário/vítima dela. Waller deixa bem claro como é o sentimento de ser alguém submetido a esse tipo de ajuda governamental.

Figura 7: Esquadrão suicida 31, p 19.

Figura 7: Esquadrão suicida 31, p 19.

Parece que a opinião de Ângela Davis e de Amanda Waller é igual. Embora a primeira aponte o social desses serviços e a segunda o emocional. Waller em sua escalada para sair tomou posição semelhante à de Davis: se dedicou a política.

Ela participou da campanha para a eleição do candidato ao congresso Marvin Collins. Aliás parece que graças a ela, ele se elegeu. Graças a isso ela conseguiu chegar a Washington e ficou sabendo, lendo documentos oficiais, da existência da versão anterior do Esquadrão Suicida[9].

A influência de Amanda é enorme, sendo que ela se reporta diretamente ao presidente Reagan e ao Presidente Bush pai. Embora, quando da descoberta de suas atividades ilegais com a Força Tarefa-X, seus antigo patrono e apoiador tenha em certa medida negado sua eficiência e eficácia.

Figura 8: Esquadrão Suicida 25, p 04 quadro 01–03.

Figura 8: Esquadrão Suicida 25, p 04 quadro 01–03.

Esse é um dos piores melhores momentos de Amanda antes de sua definitiva queda. Ela é implicada na morte de Derek Tolliver e do senador John Cray, executados por membros do Esquadrão (Flag e Pistoleiro, respectivamente), tem de criar uma manobra falsa para continuar controlando o Esquadrão Suicida, tem a Força-Tarefa X desmantelada e é rebaixada. Tudo porque durante o arco de histórias intitulado Conspiração Janus ele agiu de maneira independente.

Ela perde seu grande amigo e apoiador, Simon La Grieve, que deixa o esquadrão para cuidar de outro tipo de consultório na iniciativa privada.

E como deixou claro o Padre Craemer, pároco de Belle Rave, prisão e sede do esquadrão, sem esse tipo de pessoa, de personalidade forte e idealista, a brutalidade de Amanda sai de controle. O pároco chega a dizer que Amanda tem certa consciência disso, tanto que procura sempre se cercar desse tipo de gente. Waller parece compreender que não deve ser tão brutal assim o tempo todo, mas detesta perder o controle das coisas, de parecer fraca. Logo se cerca de gente que possa freá-la em suas ações

Isso é um detalhe a ser discutido: o fato de uma obra em quadrinhos falar abertamente na década de 1988 que um presidente americano verdadeiro (Reagan) assuma que não pode aceitar um outro escândalo em sua gestão e permita que um congressista corrupto (Cray), conhecedor do segredo do esquadrão, o chantageie para garantir sua reeleição, mesmo que isso signifique o assassinato do concorrente vencedor.

Figura 9: Esquadrão Suicida 14, p 04, quadro 04–06

Figura 9: Esquadrão Suicida 14, p 04, quadro 04–06

Não que o governo Reagan seja desprovido de polêmicas e discussão acerca de suas tomadas de decisão Apesar de que nos Estados Unidos da América do período não existir um Estado de bem-estar do tipo europeu, a prioridade de seu governo liberal (ou neoliberal?). Tinha ênfase na competição militar com a União Soviética, arquitetada como uma tática para quebrar a economia soviética e assim derrubar o regime socialista ali instalado.

Em termos de política interna essa gestão reduziu os impostos em favor dos ricos, e levou as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão. Porém essa corrida armamentista nunca vista antes, envolveu gastos militares enormes, que por sua vez provocaram um déficit público muito maior do que qualquer outro presidente da história norte-americana. Somente os Estados Unidos, como a superpotência capitalista na economia mundial, podia dar-se ao luxo do déficit massivo na balança de pagamentos que resultou de tal política[10].

Essa mesma política que fez com que os E.U.A. se dedicasse mais ainda a intervenção externa por forças militares, por meio de ações escusas como a ação Irã-Contras, a guerra fria, a guerra contra as drogas e, por fim, a guerra do Iraque (2003–2011) já na gestão Bush filho (2001–2009), mostram os efeitos desse tipo de política.

Essa linha parece ser uma verdade, sendo que o esquadrão teve intervenções também na África, e no Iraque (representada ora com Kurac, ora como o próprio Iraque como nas edições de Esquadrão Suicida 01, 02, 17,18 e 26 respectivamente).

Os conflitos na África são efeito da política soviética e norte-americana na guerra fria, e servem como pano de fundo para a ação do Esquadrão Suicida: durante o julgamento de Amanda Waller, uma missão, para trazer uma melhor imagem pública da organização.

Nesse momento começa a ceder de fato o poder de Amanda Waller. Finalmente os consequentes escândalos sobre sua imagem, a mudança de gestão de Reagan para Bush e a denúncia arquitetada por inimigos afro-americanos, uma gangue de traficantes que faz uso de Vodu, a Loa, levam a que Amanda participe de uma última missão do esquadrão antes de seu definitivo fechamento, pelo menos nesse arco de histórias.

Acompanhada de Pistoleiro, Hera Venenosa e um terrorista thug Ravan, Waller executa sumariamente os criminosos.

Um ato bem ao estilo dos governos africanos guerrilheiros. Essa é a democracia que Esquadrão apresenta para os criminosos. Embora repudie os atos de racistas, como na missão doméstica contra Guilherme Hell, a Força-Tarefa X traz uma mensagem bem clara de como a administração vê os negros.

Ou os negros que têm poder, tal qual Amanda Waller ou mesmo Tigre de Bronze.

Figura 10: Esquadrão Suicida 38, p 10 [scan], q 01–03

Figura 10: Esquadrão Suicida 38, p 10 [scan], q 01–03

Eis porque, aqui o leitor deste artigo perceba a verdade periculosidade de Amanda Waller: ela é tudo que o Ocidente, desde seu nascimento teme ter poder; uma mulher, negra, universitária, e ainda mais no liberalismo da década de 1980, uma funcionária pública.

Amanda Waller seguiu as ordens, e cumpriu suas obrigações. Seguiu o sonho americano, o self-made man (ou melhor woman) sem nunca perder de vista o quanto aquilo era uma concepção possível, mas que não acessível sem métodos no mínimo discutíveis.

Como disse alguém certa vez, acesso é poder, e o acesso que Amanda Waller tem a faz perigosa demais: o personagem converge para tudo o que foi feito de moralmente danoso em termos de política interna norte-americana, ela possui o poder necessário para intervir no mundo, ao contrário de seu marido que morreu tentando vingar sua filha violentada e morta. Ela é a essência das vítimas americanas em solo americano. Mas não se vitimiza.

Ela tem mais poder, do que qualquer homem tem coragem de ter. E isso é inaceitável. É inaceitável moralmente tanto pelo governo americano (de direita republicana neoliberal) quanto atualmente pelos setores intitulados de esquerda, que uma pessoa trace o curso de ação que ela alçou.

E finalmente isso, quando age como um Justiceiro (da Marvel), um Wolverine, ou mesmo um Pacificador, decrete sua prisão.

Waller é por demais eficiente em organizar gente destruída como ela. Quanto tempo pode ser garantida a fidelidade de alguém assim? E se ela se converte em um John Smith[11]? Alguém que consegue o que o Coringa e outros vilões e Gotham tentam há décadas: convencer o Batman a desistir?

Emília Viotti explica que radicalismo político e questão da abolição andaram juntos desde o século 19, sendo por vezes sendo taxadas foram taxadas de caos[12]. Assim pode-se deduzir que gestão pública política e a questão dos negros herdaram uma estrutura de sentimentos[13] de um perigo constante.

Isso sem falar o componente cultural grego que vê a mulher como um perigo sempre a ser temido principalmente quanto tomam o topos da política [14]?

E o temor específico norte-americano de um levante de negros socialistas em suas terras corporificado pelo movimento dos Partido dos Panteras Negras (1966–1982)?

Ou o temor de gente universitária como no maio de 1968 e sua ascensão as cadeiras burocráticas e acadêmicas por meio do acesso a a faculdade, o que por sua vez criou inevitavelmente uma compressão menos elitizada do todo social? [15]

Essa é a amalgama de características, entre outras, que faz Amanda Waller a pior inimiga do Ocidente? Talvez. Não por sua moral duvidosa, ou outras afirmações do gênero. E sim por que ela é tudo o que o Ocidente não consegue aceitar em seu imaginário como poder político real.

Por que o sonho da meritocracia, também sonho americano, na figura de Amanda Waller torna-se pesadelo afro americano.

Será que está estrutura de sentimentos e preconceitos que Ostrander e outros tecerem nesse arco de Esquadrão Suicida conseguem nos convencer que tais anseios são argumentos com peso para influenciar mudanças políticas? Que os traços da biografia, sejam étnicos, de gênero, intelectuais de uma pessoa podem pesar nas decisões políticas de sua competência.

Ou isso é apenas mais uma fantasia engendrada nas histórias em quadrinhos?

Não sei. Talvez seja bom perguntar isso para outra pessoa.

Talvez para uma presidente de algum país latino-americano que sofreu impeachment em 31/08/2016?

Bibliografia.

DAVIS, Angela. Mulheres, cultura e política. Boitempo Editorial, 2017.

DA COSTA, Emília Viotti. Coroas de glória, lágrimas de sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823. Editora Companhia das Letras, 1998.

FOUCAULT, Michel; RAMALHETE, Raquel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Vozes, 1996.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 317–327. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995

http://g1.globo.com/globo-news/estudio-i/videos/v/eua-tem-a-maior-populacao-carceraria-do-mundo-com-22-milhoes-de-pessoas-presas/5555457/

http://starwars.wikia.com/wiki/John_Ostrander, acessado em 18/08/18, 22:08

http://superheroes2000.blogspot.com/2010_07_01_archive.html?m=1

http://www.mamacoca.org/ed-especial1/tcap10.htm

https://www.brasildefato.com.br/2016/06/28/eua-tem-mais-negros-na-prisao-hoje-do-que-escravos-no-seculo-xix/

https://belezablackpower.com.br/2016/08/03/quem-e-amanda-waller-esquadrao-suicida/

LORAUX, Nicole; ALONSO, Cristina Serna; PÒRTULAS, Jaume. Las experiencias de Tiresias:(Lo masculino y lo femenino en el mundo griego). El Acantilado, 2004.

SADER, Emir et. al. Pós-liberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de

WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. Trad.: André Glaser. São Paulo, Editora Unesp, 2011.

[1] No final do artigo constam as edições citadas.

[2] http://g1.globo.com/globo-news/estudio-i/videos/v/eua-tem-a-maior-populacao-carceraria-do-mundo-com-22-milhoes-de-pessoas-presas/5555457/

[3] https://www.brasildefato.com.br/2016/06/28/eua-tem-mais-negros-na-prisao-hoje-do-que-escravos-no-seculo-xix/

[4] Mostra disso também é que Eric Hobsbawn admite que o individualismo norte américa ainda na década de 1990 tinha uma cor definida: a branca. Os negros, tidos como uma subclasse, funcionam mais por redes de parentesco, onde o individualismo fica bem mais limitado. In HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 333–334.

[5]DAVIS, Angela. Mulheres, cultura e política. Boitempo Editorial, 2017.p 18–21

[6] http://www.mamacoca.org/ed-especial1/tcap10.htm

[7] http://starwars.wikia.com/wiki/John_Ostrander, acessado em 18/08/18, 22:08

[8] FOUCAULT, Michel; RAMALHETE, Raquel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Vozes, 1996.

[9] http://superheroes2000.blogspot.com/2010_07_01_archive.html?m=1

[10] SADER, Emir et. al. Pós-liberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1995. SILVA, p 12–13.

[11] John Smith foi um pastor evangélico que partiu em 1817 da Grã-Bretanha para Demerara. Foi acusado de em sua pregação instigar uma enorme rebelião de escravos, sendo condenado a morte. Este evento foi analisado em detalhes pela historiadora Emília Viotti em sua obra Coroas de glória, lágrimas de sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823. Editora Companhia das Letras, 1998.

[12] DA COSTA, Emília Viotti. Coroas de glória, lágrimas de sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823. Editora Companhia das Letras, 1998, p 26–28.

[13] No sentido atribuído a Raymond Willams em sua obra Cultura e materialismo. Trad.: André Glaser. São Paulo, Editora Unesp, 2011.

[14] LORAUX, Nicole; ALONSO, Cristina Serna; PÒRTULAS, Jaume. Las experiencias de Tiresias:(Lo masculino y lo femenino en el mundo griego). El Acantilado, 2004.

[15] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 317–327.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).