A REBELIÃO [FILME] (2019):

Sombrionauta
4 min readApr 12, 2021

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Set insurrecional.

Críticos de cinema deveriam ler mais sobre política e história além de teoria do cinema, assim não cairiam em algumas críticas fúteis.

OU NÃO SERIAM TÃO REACIONÁRIOS DE MODO INCONSCIENTE.

Digo isso porque a maioria das críticas que li sobre esse filme carece de conhecimento histórico para entender a proposta de discussão, que vou chamar aqui de “efeito Set”

Inspirado no modelo de colonização inglês sobre os irlandeses (que Virgínia Fontes (?-) acertadamente demonstra sofrerem racismo) mostra uma célula terrorista do bairro de Pilsen, parte da cidade fábril (de proletários industriais) de Chicago utando contra uma invasão alienígena ao planeta terra.

AQUI ESTA UMA QUESTÃO QUE NÃO SE ACEITA BEM: QUE O IRA (1919- É UMA ORGANIZAÇÃO TERRORISTA (BASEADA NO BAIRRISMO)), CHAMADO PELO EXERCITO AMERICANO DE TEORIA DA INSURGÊNCIA (NOME QUE A MEU VER É UMA TENTATIVA DE EVITAR O TERMO “REVOLUÇÃO” ASSIM COMO O UMKHONTO WE SIZWE(1961–1990) DE NELSON MANDELA (1918–2013).

O terrorismo que o filme apresenta é multiétnico, poli profissional, abrangendo diversos gêneros e diferentes faixas etárias. O que une essa célula terrorista então não é o identitarismo, e sim, o bairrismo.

ELES SÃO O SOLDADO-CIDADÃO DA REVOLUÇÃO FRANCESA, A MOB, O EXÉRCITO DO BAIRRO QUE LUTA CONTRA A CENTRALIDADE.

Essa célula então se mostra um mecanismo de combate urbano que mesmo as forças alienígenas têm dificuldade de controlar, tese defendida em certa medida por Carlos Marighella (1911–1969) e sua ALN (1967–1974).

Centrada na visão de um jovem negro do bairro, de Gabriel Drummond (Ashton Sanders) que está sendo perseguido por William Mulligan (John Goodman) um oficial da polícia que nasceu no mesmo bairro.

Gabriel Drummond é um operário que tem como seu ídolo seu irmão Rafe Drummond (Jonathan Majors) um conhecido membro dessa célula terrorista.

No decorrer do filme somos apresentados a toda a sorte de estratégias de comunicação, terrorismo, contraterrorismo, colaboracionismo e a atitude de estar disposto a morrer por seu bairro.

EM VERDADE O BAIRRO CRIADO NO FILME É UMA ESPÉCIE DE “COMUNIDADE” IDEAL TERRORISTA.

Mas a luta do bairro (entidade) contra o poder central é bem mais antiga do que se espera.

Ciro Flamarion Cardoso (1942–2013) certa vez escreveu que uma das interpretações possíveis do mito de Osíris é que a divisão em 42 pedaços de seu corpo, depois de assassinado por Set, seu irmão, a entidade (?) tamanduá (Set não é uma serpente como a cinematografia pop sugere: em verdade ele derrotou Apófis, a serpente do caos e por vezes é confundido com ela) é que representariam as várias comunidades aldeãs (nomo, para os gregos safados, spat, para usar o nome correto):

CADA SPAT VÊ OSÍRIS DE SUA FORMA, UM MÉTODO PARA REPRESENTAR A INDEPENDÊNCIA CORRELATA DESSAS COMUNIDADES, CERTA “MUNICIPALIDADE” E BEM MAIS PROVÁVEL UM “BAIRRISMO”.

A luta entre Hórus (filho vingador/ falcão/sol/faraó) e Set (deus da tempestade vermelha, do desret (deserto/ em certa medida dos vilarejos/estrangeiros), em verdade seria uma luta entre o poder central dos Faraós contra o local de cada um desses “bairros”. A tentativa de uma reforma do monoteísmo durante a gestão de Aquenatón (? — 1334/1339 a.e.c) seria uma tentativa de aleijar o poder desses bairros. No mito Hórus derrota Set e ele é banido para o inframundo no desret.

MAS RAMSÉS-OSÍRIS I SENTINDO UMA IMENSA FALTA DE SET CLAMA SUA VOLTA E MAIS UMA VEZ A ENTIDADE DO DESERTO RETORNA PARA LUTAR PELOS BAIRROS POBRES SEMITAS ESCRAVOS NA FIGURA DE PRÍNCIPE MAQUIAVÉLICO MOISÉS, ASSIM COMO A REFORMA DE AQUENATÓN CAI POR TERRA DEPOIS DE SUA MORTE.

ESTE FILME SCI-FI NARRA ESSE PODER: O BAIRRO COMO UMA ENTIDADE QUE NÃO ACEITA UM PODER CENTRAL DESPÓTICO, MESMO DE ALGUÉM PORTADOR DE UM CIÊNCIA QUE BEIRA O PODER DOS DEUSES.

[LEIA A PARTIR DA DAQUI SE VEIO DO VEIO DE OUTRAS PLATAFORMAS]

Assim o que a elite intelectual brasileira, por exemplo, chama de “cultura popular” centrada no campo (coisa bem de filhos da elite agrária metidos a esquerdistas impotentes” )é o poder das comunidades do bairro.

Essas pessoas não têm líderes pois estão lutando para salvar seu modo de vida, não para si, mas para as próximas gerações, exigindo compromisso dessas de continuarem lutando pelo bairro, que são eles mesmos.

NÃO HÁ LÍDERES, E SIM, DIVISÃO DE FUNÇÕES: A ORGANIZAÇÃO DO BAIRRO IRÁ USAR ISSO CONTRA O PODER CENTRAL.

Sendo assim, nesse filme, temos uma aplicação brilhante de uma máxima de Emiliano Zapata (1819–1979) “Um povo forte não precisa de um líder forte”.

Um povo forte é composto do bairrismo, da municipalidade organizativa e orgânica, que prefere morrer a se entregar.

Então, cuidado pequenos deuses-sol da elite:

SET NÃO SE RENDERÁ.

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Sombrionauta

Arcano Oliveira (André Moreira Oliveira) Historiador da cultura especializado em cultura pop. Podcaster do O Sombrionauta (um tanto lógico isso).